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Com a efetivação da audiência de custódia a autoridade policial não poderá mais arbitrar fiança

ARBITRAR

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

AUTORIDADE POLICIAL

FIANÇA

FLAGRANTE DELITO

Francisco Dirceu Barros

Francisco Dirceu Barros

28/01/2016

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A resolução nº 213/2015 do CNJ determinou que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais no prazo de 90 dias, contados a partir do dia 1º de fevereiro de 2016, implementem a audiência de custódia no âmbito de suas respectivas jurisdições.

Preconiza o artigo 1º da supracitada resolução:

Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

Pela regra exposta no artigo 306 do Código de Processo Penal, a autoridade policial só estaria obrigada:

  1. A comunicar imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada a prisão de qualquer pessoa e o local onde ela se encontre.
  2. Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, encaminhar ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
  3. No mesmo prazo, deve entregar ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

O artigo 306 do Código de Processo Penal foi derrogado, pois conforme o § 1º do artigo 1º da Resolução nº 213/2015 do CNJ:

“A comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial, que se dará por meio do encaminhamento do auto de prisão em flagrante, de acordo com as rotinas previstas em cada Estado da Federação, não supre a apresentação pessoal determinada no caput”.

Portanto, da leitura conjugada do 306 do Código de Processo Penal com o § 1º do artigo 1º da Resolução nº 213/2015 do CNJ, a autoridade policial está obrigada:

  1. A comunicar imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada a prisão de qualquer pessoa e o local onde ela se encontre.
  2. Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, encaminhar ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e também a pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato.

Testemunhas do flagrante versus as testemunhas do fato

No mesmo prazo supracitado, deve a autoridade policial entregar ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

Havia dissenso doutrinário sobre se na nota de culpa deveria contar o nome das testemunhas do fato ou só o nome das testemunhas do flagrante.

Nucci[1]defende que:

“A nota de culpa é o documento informativo oficial, dirigido ao indiciado, comunicando-lhe o motivo de sua prisão, bem como o nome da autoridade que lavrou o auto, da pessoa que o prendeu (condutor) e o das testemunhas do fato. Aliás, é direito constitucional tomar conhecimento dos responsáveis por sua prisão e por seu interrogatório (art. 5º, LXIV, CF)”.

Defendia[2] que:

“A nota de culpa é um instrumento de caráter informativo, dirigido ao preso, que tem como escopo comunicá-lo o motivo da prisão, o nome da autoridade que lavrou o auto, da pessoa que o prendeu e das testemunhas do flagrante”.

A diferença revela um contexto prático interessante, pois nem sempre as testemunhas do fato são as mesmas do ato de flagrância, ademais estas podem não saber nada sobre o fato.

Portanto, defendia que as testemunhas deveriam ser “do flagrante”, pois um dos objetivos da nota de culpa era provar que a prisão foi efetivada de forma legal.

O § 2º do artigo 7º da Resolução nº 213/2015 do CNJ elidiu a dúvida ao determinar que deve constar na nota de culpa “as testemunhas do flagrante”, in verbis:

“A apresentação da pessoa presa em flagrante delito em juízo acontecerá após o protocolo e distribuição do auto de prisão em flagrante e respectiva nota de culpa perante a unidade judiciária correspondente, dela constando o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas do flagrante, perante a unidade responsável para operacionalizar o ato, de acordo com regramentos locais”.

A impossibilidade jurídica da autoridade policial arbitrar a fiança

Dispõe o artigo 304 do Código de Processo Penal:

“Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto”.

“§ 1º Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja”.

Apresentado o preso em flagrante à autoridade competente, esta não pode mais determinar o recolhimento à prisão e nem arbitrar  fiança, a resolução nº 213/2015 do CNJ foi peremptória ao determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente.

A resolução supracitada em nenhum momento ressalvou a infração punida com pena privativa de liberdade máxima não superior a 4 (quatro) anos, que segundo as disposições colacionadas nos artigos 323, 324 e 325 do Código de Processo Penal, teriam a fiança arbitrada pela autoridade policial.

Repito por ser relevante, pela determinação do artigo 1º da resolução nº 213/2015 do CNJ, a pessoa presa em flagrante, não pode ser remetida ao cárcere e nem solta pela autoridade policial, deve ser obrigatoriamente apresentada à autoridade judicial.

A revogação dos artigos 323, 324 e 325 do Código de Processo Penal

As disposições que permitiam a autoridade policial arbitrar a fiança não foram revogadas pela resolução nº 213/2015 do CNJ e sim por duas normas supralegais, quais sejam:

1. O artigo 7º., 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, in verbis:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”

2. Igualmente, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque:

“Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.”

Quando em vigor no plano internacional os tratados ratificados pelo Estado, promulgados e publicados, passam a integrar o arcabouço normativo interno e a produzir efeitos na ordem jurídica interna.[3]

Há muita controvérsia sobre a natureza jurídica do tratado internacional ratificado pelo Brasil, mas o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343- SP, decidindo que:

“(….) diante da nova posição do Supremo que considera a supralegalidade dos tratados internacionais, a legislação ordinária relacionada com o depositário infiel, conflitante com o texto humanitário internacional, deverá ser invalidada, posto que os tratados internacionais de direitos humanos agora são considerados hierarquicamente acima das leis ordinárias”.

Portanto, um tratado internacional de direitos humanos aprovado, passa a ser norma supralegal e a ter hierarquia superior ao Código de Processo penal que é uma lei ordinária, ocorrendo a revogação das normas contrárias por antinomia das leis.

Ensinava Hans Kelsen:

“O Direito Internacional geralmente obriga um Estado a dar às suas normas certos conteúdos, se o Estado decretar normas com outros conteúdos estará sujeito a uma sanção internacional. Uma norma decretada com violação do Direito Internacional Geral permanece válida segundo o Direito Internacional Geral. O Direito Internacional Geral não estabelece nenhum processo pelo qual as normas de Direito nacional que são ‘ilegais’ possam ser abolidas”.[4]

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5240

O Plenário do STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5240 em que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil questionava a realização das audiências de custódias.

No julgamento da ação supracitada, o Ministro Fux afirmou

 “Não é por acaso que o Código de Processo Penal brasileiro consagra a regra de pouco uso na prática forense, mas ainda assim fundamental, no seu artigo 656, segundo o qual, recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em data e hora que designar. Verifico aqui que não houve, por parte da portaria do Tribunal de Justiça, nenhuma extrapolação daquilo que já consta da Convenção Americana, que é ordem supralegal, e do próprio CPP, numa interpretação teleológica dos seus dispositivos.

A resolução nº 213/2015 do CNJ não é inconstitucional 

Determina a o artigo 22 da Constituição Federal que:

Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Parágrafo único.  Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

A resolução seria formalmente inconstitucional se legislasse sobre processo penal, mas não foi isso que ocorreu. O Partido Socialismo e Liberdade ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 347 requerendo que a Corte Suprema reconhecesse a grave violação de direitos fundamentais da população carcerária.

O Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmente a cautelar, e determinou que os Juízes e Tribunais de todo Brasil passassem a realizar audiências de custódia como forma de viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.

Portanto, o CNJ apenas cumpriu a determinação da Corte Constitucional com o escopo de dar efetividade plena a norma supralegal, afastando do nosso ordenamento jurídico as normas que confrontam o artigo 7º, 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e artigo 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Yorque, in casu, revogados estão os dispositivos que autorizam a autoridade policial conceder a fiança, pois, neste caso, o preso em flagrante não seria apresentado a autoridade judicial que tem, entre outras  finalidades, analisar a legalidade da prisão, a possibilidade de concessão de liberdade com ou sem fiança, a decretação da prisão preventiva ou a substituição da prisão por uma medida cautelar não prisional e também averiguar a ocorrências de tortura.


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 11a edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015.
[2] Vide Processo Penal, Rio de Janeiro, pág. 275, Editora Campus/Elsevier, 2012, edição esgotava. Novo lançamento do Curso de Processo Penal, editora Método, São Paulo, 2016, no prelo.
[3] No mesmo sentido: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 299.
[4] No mesmo sentido: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 529.

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