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DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Controle de convencionalidade: cabe recurso extraordinário contra decisão que contrarie tratado?

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Valerio Mazzuoli

Valerio Mazzuoli

15/01/2025

No que tange ao controle difuso de convencionalidade, questão interessante a ser analisada diz respeito ao cabimento dos recursos excepcionais perante os tribunais superiores brasileiros, notadamente perante o Supremo Tribunal Federal.

No STF, caberá Recurso Extraordinário sempre que a decisão recorrida contrariar o disposto na Constituição ou em qualquer tratado de direitos humanos em vigor no Brasil. A essa solução se chega interpretando o art. 102, III, a, da Constituição – que diz caber ao STF “julgar, mediante recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo desta Constituição” – juntamente com o art. 5.º, § 2.º, da mesma Carta, segundo o qual os direitos e garantias expressos na Constituição “não excluem outros decorrentes […] dos tratados internacionais [de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja parte [isto é, tratados já ratificados que estão em vigor internacional]”.

Se o Recurso Extraordinário é instrumento do controle difuso de constitucionalidade, e se os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte, parece certo que a referência prevista no art. 102, III, a, da Carta de 1988, sobre o cabimento do Recurso Extraordinário “quando a decisão recorrida contrariar dispositivo desta Constituição”, há de ser ampliada – no que tange à proteção dos direitos humanos e fundamentais – com a integração do conteúdo daqueles tratados ao bloco de constitucionalidade, quer tenham tais instrumentos status de norma constitucional (art. 5.º, § 2.º) ou, mais ainda, equivalência de emenda constitucional (art. 5.º, § 3.º).

A questão já foi debatida no STF em voto proferido pelo Ministro Teori Zavascki na ADI n.º 5.240/SP, em que se discutia a validade de provimento do Tribunal de Justiça de São Paulo relativo às audiências de custódia (v. infra, item 3.4). Em seu voto, entendeu o Ministro pela possibilidade do exercício de controle de convencionalidade pelo STF, tendo como paradigma tratado de di­reitos humanos não internalizado com equivalência de emenda constitucional no Brasil, assim aduzindo:

“Senhor Presidente, a questão da natureza do Pacto de São José da Costa Rica surge, na verdade, porque a convenção trata de direitos humanos. Se tratasse de outros temas, penso que não haveria dúvida a respeito da sua natureza equivalente à lei ordinária, e há afirmação do Supremo Tribunal Federal, des­de muito tempo nesse sentido.

A questão surgiu com a Emenda n.º 45, que veio a conferir certas caracterís­ticas especiais às convenções sobre direitos humanos. Essa convenção [Con­venção Americana sobre Direitos Humanos] foi anterior à Emenda n.º 45, por isso que se gerou debate. Mas, mesmo que seja considerada, como reza a jurisprudência do Supremo, uma norma de hierarquia supralegal (e não constitucional), penso que o controle – que se poderia encartar no sistema de controle da convencionalidade – deve ser exercido para aferir a compatibili­dade da relação entre uma norma supralegal e uma norma legal. E o exercício desse controle só pode ser da competência do Supremo Tribunal Federal.”1

Para nós, o argumento mais forte a ser levado em consideração é o de que, ao se violar norma de tratado internacional de direitos humanos incorporado ao direito brasileiro, se está também violando o próprio núcleo constitucional de proteção dos direitos fundamentais, dado que a Constituição recebe tais tratados (é dizer, os incorpora ao bloco de constitucionalidade) pelo comando do art. 5.º, § 2.º, à luz da expressão “não excluem”. Por isso, quaisquer tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil (tenham sido ou não aprovados por maioria qualificada no Congresso Nacional) hão de servir de paradigma à propositura do Recurso Extraordinário perante o STF, sempre que um direito neles previsto seja contrariado por decisão tomada em única ou última instância.2

No julgamento do RE n.º 466.343/SP, relativo à prisão civil de depositário infiel, o STF controlou a convencionalidade, inclusive, de norma constitucional e editou a Súmula Vinculante n.º 25, segundo a qual “[é] ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. De fato, a Constituição brasileira (art. 5.º, LXVII) permite a prisão de depositário infiel, enquanto a Convenção Americana (art. 7º, 7) a proíbe. Tratou-se, portanto, de exercício do controle de convencionalidade difuso relativo a texto expresso da Constituição. Perceba-se: a questão relativa ao controle de convencionalidade foi suscitada no STF por Recurso Extraordinário, que foi aceito e julgado pela Corte, para, ao final, dar a resposta adequada ao caso concreto, com edição, inclusive, de Súmula Vinculante sobre a matéria. Houve o exercício do controle de convencionalidade difuso perante o STF, tendo como paradigma tratado in­ternacional de direitos humanos não internalizado pela sistemática do art. 5.º, § 3.º, da Constituição, levado ao conhecimento do STF por Recurso Extraordi­nário. Em casos tais, não se trata de violação meramente indireta ou reflexa da Constituição, senão de violação do núcleo constitucional de proteção e garantia de direitos fundamentais stricto sensu. Daí o cabimento do Recurso Extraordi­nário perante o STF em hipóteses como essa.

No caso da decisão do STF no RE n.º 466.343/SP, mesmo tendo o tribunal alocado os tratados de direitos humanos (não aprovados por maioria qualificada no Congresso) no nível supralegal de normas, certo é que o debate também envolvia a aplicação de uma norma constitucional (art. 5.º, LXVII) sobre a prisão civil de depositário infiel. Nessa perspectiva, poderão ocorrer duas situações práticas a serem consideradas: (a) o acórdão recorrido declara inconstitucional a incidência do tratado de direitos humanos de nível supralegal (conforme o STF) e, portanto, resolve a questão pelo controle de constitucionalidade; ou (b) controla a convencionalidade da lei, aplicando o tratado internacional e ignorando a incidência de norma constitucional sobre o mesmo assunto. Em ambas as situações, a norma constitucional é aplicada ou é inaplicada e, portanto, também sob essa perspectiva, a questão pode ser levada ao conhecimento do STF por meio de Recurso Extraordinário.3

O mesmo já não ocorre com as ações do controle concentrado de constitucionalidade, a exemplo da ADI, da ADECON ou da ADPF, que somente podem ser manejadas relativamente aos tratados internalizados pelo rito do art. 5.º, § 3.º, da Constituição, não se admitindo sua utilização tendo como fundamento um tratado que detém (o menos abrangente) status constitucional.4 Certo, no entanto, é que, ao menos no que tange ao controle difuso de convencionalidade, as portas do STF permanecem abertas à discussão da convencionalidade das leis de diferentes categorias, à luz da totalidade das normas de direitos humanos em vigor no Brasil (mesmo guardando, para o STF, nível supralegal no país).

Quando, porém, se tratar de discutir o desacerto de interpretação legislativa levada a efeito por Tribunais de Justiça dos Estados ou por Tribunal Regional Federal sob a ótica da (in)convencionalidade da decisão, o recurso adequado será o Recurso Especial perante o STJ.5

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NOTAS

1 STF, ADI n.º 5.240/SP, Tribunal Pleno, voto no Min. Teori Zavascki, julg. 20.08.2015, DJe 01.02.2016.

2 Frise-se que para que o Recurso Extraordinário seja conhecido pelo STF deve haver demonstração de “repercussão geral”, tal como dispõe o art. 102, § 3.º, da Constitui­ção: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. Nos termos do art. 1.035, § 1.º, do Código de Processo Civil de 2015: “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”. Independentemente de qualquer discussão sobre o tema, não há dúvida de que as causas envolvendo tratados de direitos humanos têm no­tória repercussão geral, fato que obriga o STF a sempre conhecer tais recursos quando fundamentados em tratados desse gênero.

3 Nesse exato sentido, v. Maia, Luciano Mariz; Lira, Yulgan; Lira, Yure, Controle de convencionalidade nos recursos excepcionais, in Maia, Luciano Mariz; Lira, Yulgan (orgs.), Controle de convencionalidade: temas aprofundados, Salvador: JusPodivm, 2018, p. 177.

4V. Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Podem os tratados de direitos humanos não “equivalentes” às emendas constitucionais servir de paradigma ao controle concentrado de convencionalidade?, cit., p. 222-229.

5 185 Cf. Marinoni, Luiz Guilherme, Processo constitucional e democracia, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2022, p. 1299.

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