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CLÁSSICOS FORENSE
FINANCEIRO E ECONÔMICO
REVISTA FORENSE
O princípio da subsidiariedade e a intervenção do estado no domínio econômico
Revista Forense
31/07/2023
RESUMO: O objeto deste estudo é a análise do princípio da subsidiariedade na intervenção do Estado no domínio econômico. As dificuldades em relação à matéria dizem respeito à neutralidade científica, pois a grande maioria das discussões a respeito do princípio da subsidiariedade são altamente carregadas de dogmas ideológicos. Para a pesquisa, partimos do pressuposto de que a intervenção do Estado no domínio econômico é legitimada pela existência de falhas de mercado, impossíveis de serem corrigidas pelos agentes econômicos, cabendo ao Estado, portanto, uma atuação corretiva subsidiária. Assim, investiga-se a origem e juridicidade do princípio da subsidiariedade, enfrentando os argumentos de que o referido princípio é um mito.
PALAVRAS-CHAVE: Intervenção do Estado no Domínio Econômico; Princípio da Subsidiariedade; Ordem econômica; Lei de Liberdade Econômica.
ABSTRACT: The object of this study is the analysis of the principle of subsidiarity and State intervention in the economic domain. The difficulties are related to scientific neutrality because the majority discussions about the principle of subsidiarity are tainted by ideologies. For scientific research, we start form de assumption thar State intervention is legitimized by the existence of Market failures, impossible to be corrected by economc agentes and the State has a responsability for the corrective action. Thus, the origin and legality of the principle of subsidiarity were investigated, facing the arguments about it is a myth.
KEYWORDS: State Intervention in the Economic Domain; Principle of Subsidiarity; Economic Order; Economic Freedom Act.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. ESTADO, MERCADO E INDIVÍDUO – 3. A SUBSIDIARIEDADE ENTRE O DIREITO E A IDEOLOGIA – 4. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: MITO OU NORMA CONSTITUCIONAL DA ORDEM ECONÔMICA? – 5. CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Este estudo parte dos seguintes questionamentos: O que legitima a intervenção do Estado no Domínio Econômico? Como compatibilizar a regulação econômica com o princípio da subsidiariedade? O princípio da subsidiariedade tem fundamento constitucional ou é um mito?
No primeiro momento, optaremos por oferecer um panorama da relação simbiótica entre Estado, Mercado e Indivíduo, demonstrando a utilidade do direito para a manutenção do sistema capitalista, e as características da ordem econômica constitucional brasileira.
Na segunda parte do artigo trataremos especificadamente do princípio da subsidiariedade, investigando a sua origem e o momento em que ele passou a ser um princípio jurídico, bem como suas delimitações conceituais. Para tanto, confrontaremos posicionamentos doutrinários contrários ao princípio.
Em seguida, a investigação se concentrará em identificar se o princípio da subsidiariedade possui fundamento constitucional, mesmo sem ter sido expressamente positivado entre os princípios da ordem econômica, mas positivado na Lei de Liberdade Econômica.
Para tanto, se utilizará o método é hipotético-dedutivo, complementado pela citação da legislação, com o aporte interdisciplinar teórico e normativo da ciência econômica, teoria geral do Estado e direito administrativo e econômico.
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2. ESTADO, MERCADO E INDIVÍDUO
Enquanto ente institucional, o Estado pressupõe uma finalidade: a criação da utilidade pública para proteção e benefício das próprias instituições, sejam as pessoas jurídicas, empresarias ou não, ou as pessoas físicas em geral (SAAD, 2021, p. 76). O indivíduo, por sua vez, é a menor e a mais importante instituição estatal, de quem deriva a própria razão de existir do Estado1. O papel do Estado, portanto, sempre foi proporcionar o ambiente propício à maximização do bem-estar do indivíduo, mesmo que isso signifique estabelecer regras restritivas.
A história da civilização é a história da busca pela satisfação das infinitas necessidades humanas diante da escassez de recursos, e a economia, enquanto ciência, tem como seu campo e objeto de estudo a sociedade e o comportamento humano na satisfação de seus desejos em situação de limitação de bens (NUSDEO, 2020, p. 25).
O mercado é uma criação histórica que serve a esse propósito. Ele pode ser conceituado como uma instituição jurídica, social e política, que funciona na lógica do maior lucro possível (GRAU, 2008, p. 28), e corresponde, perfeitamente, à natureza humana. Os agentes econômicos ponderam desejos, informações e bens disponíveis nas tomadas de decisão, o que chamamos de racionalidade.
A escassez impõe fazer escolhas. À medida que o ambiente é modificado, o ser humano adapta seu comportamento de forma a tirar partido das mudanças. […] Diante de um caso que precisa ser resolvido, a decisão, segundo o modelo de escolha racional, faz a pessoas inventariar os resultados desejados (valores), identificar ações que podem ser tomadas na sua busca (opções); determinar em que medida cada ação contribui para o resultado desejado e a que custo (valorização) e adotar aquela que contribui mais (escolha). Presumimos que os seres humanos, sem necessariamente seguir tal procedimento, tomam suas decisões como se o fizessem (MACKAAY, 2020, p. 30).
Para o seu funcionamento, o mercado exige certa regularidade e previsibilidade de comportamento dos indivíduos, sendo imprescindível a existência de regras, sejam elas naturais, como a lei da oferta e procura2, sejam elas criadas pelo Estado, como as normas jurídicas.
Indivíduo, mercado e estado são manifestações de uma mesma realidade social. Não há Estado sem o Mercado capaz de financiá-lo, seja por meio da arrecadação de tributos sobre as riquezas produzidas, ou mediante a emissão de títulos da dívida pública vendidos aos agentes do mercado; e não há mercado se não houver Estado regulador que crie normas jurídicas necessárias ao equilíbrio das relações mercantis, e que garanta a prestação de serviços públicos importantes ao incremento da atividade econômica3. Ou seja, ambos, Mercado e Estado, servem ao desenvolvimento humano.
Nesse sistema mercantil, o Direito exerce papel fundamental diante da constatação de que os mercados são incapazes de se autorregular, exigindo do Estado uma posição mais ou menos interventiva4, a depender do período histórico.
O fato é que o abuso de poder econômico é uma realidade em qualquer mercado em que não existam regras regulatórias mínimas, o que coloca em risco a própria existência do mercado5. A regulação é uma caraterística de todo sistema social, podendo ser conceituada como o conjunto de regras, jurídicas ou não, capazes de governar, controlar e direcionar o comportamento dos indivíduos (CAMILO JUNIOR, 2018, p. 9).
Em 1988, o Estado brasileiro foi legitimado pela Constituição Federal a assumir competências regulatórias, como a de planejamento, ordenação, fomento e gestão, com o principal objetivo de viabilizar seu desenvolvimento econômico e social. O modelo de constituição econômica6 reflete a ideia de que o desenvolvimento econômico sem desenvolvimento social, é mero crescimento econômico.
Entretanto, considerando que o texto constitucional privilegia em diversos momentos a liberdade individual e a livre-iniciativa, podemos concluir que o modo de intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social, proposto pela Constituição, se dá pela mediação de interesses públicos e privados e deve ser, necessariamente, condicionada à existência de falhas de mercado.
Quando falamos em falhas de mercado, estamos nos referindo às imperfeições ou inoperacionalidades do Mercado, sendo as seis mais comuns: a falha de mobilidade, a falha de transparência, a falha de estrutura, a falha de sinalização, a falha de incentivo, e, a falha analítica quando os custos de transação são desconsiderados (NUSDEO, 2020, p. 113-133).
Não existe nenhum mercado completamente isento de falhas, bem como se acredita ser impossível o pleno emprego dos fatores de produção, porém, a extensão e intensidade dessas falhas poder ser responsável por tornar o mercado inoperante, a ponto de ser necessária a intervenção do Estado7. Ou seja, a constatação de falhas de mercado legitima a intervenção do Estado na economia, e, para cada uma delas, o poder público adota ações corretivas, exteriorizadas por normas jurídicas.
Contudo a lógica, é de que, prioritariamente, os agentes econômicos busquem, por si mesmos, corrigir as falhas do mercado em que atuam, para só em caso de ineficiência do indivíduo, o Estado intervenha com cautela, agindo sob os limites do que é estritamente necessário para resolver as disfunções do sistema.
É que nem sempre a intervenção do Estado no domínio econômico é necessária, ou tem o poder de corrigir determinada distorção do mercado. Há certas imperfeições do sistema que a ação estatal interventiva, por mais bem-intencionada que seja, acaba resultando em deformidades ainda mais gravosas.
A exemplo, podemos citar os programas de incentivos fiscais no Brasil. De forma positiva, a justificativa da política pública de subsídios tributários se relaciona com o desenvolvimento socioeconômico de determinada região, ou de determinado setor da economia. Todavia, sem a devida análise prévia de impacto da intervenção estatal no domínio econômico, o Estado pode ser responsável por gerar efeitos prejudiciais ao orçamento público e ao próprio mercado, ao comprometer a livre concorrência, dificultar a livre-iniciativa dos agentes econômicos não abrangidos pela política tributária, interferir na oferta de produtos aos consumidores, ou, ainda, causar conflitos políticos entre entes federativos e até mesmo entre Estados nacionais (ELALI, 2010, p. 31).
A história econômica brasileira também ostenta exemplos de insucesso em políticas de controle tarifário, de tabelamento de preços e de controle de custos de produção. Os chamados planos de estabilização econômica, ou pacotes econômicos8, que visavam o congelamento de preços para conter a inflação galopante, foram remédios imediatistas de intervenção do Estado no domínio econômico que resultaram em prejuízos profundos à economia brasileira (AGUILLAR, 2019, p. 177).
Por essa razão, Amauri Saad (2015, p. 95) recomenda que a análise jurídica de uma política pública, deve procurar identificar: 1. Se o Estado a instituiu segundo critérios democráticos; 2. Se o poder público foi cauteloso em respeitar a isonomia dos beneficiários, ou dos prejudicados; 3. Se há fundamentação constitucional para os fins almejados pela política; 4. Se a política tem ótimos propósitos e atividades eficientes para a concretização desses fins; e 6. Se o poder público se preocupou em manter a transparência e a legalidade na tomada de decisão, de modo a possibilitar o controle.
3. A SUBSIDIARIEDADE ENTRE O DIREITO E A IDEOLOGIA
Subsidiário é condição de quem auxilia, ajuda, colabora, apoia, e que não assume para si mesmo o protagonismo da ação. Por isso, qualquer atuação subsidiária é precedida, necessariamente, pelo fracasso de quem tomou a posição de prioridade no agir.
Do ponto de vista moral, a ideia de subsidiariedade remonta à tradição judaico-cristã e à doutrina social da Igreja Católica (CYRINO, 2020, p. 138), a qual procurava enfrentar o estatismo/coletivismo e elevar o homem e sua família ao centro da política estatal, devendo o Estado garantir aos indivíduos o espaço necessário ao seu pleno desenvolvimento, sem interferências. As primeiras referências ao princípio datam de 1891, na Encíclica Rerum Novarum9, de 1931, na Quadragesimo Anno10; e, de 1961, na Mater et Magistral11.
A partir do século XVIII, as ideologias coletivistas avançavam progressivamente na Europa e difundiam a ideia de máxima intervenção do Estado na vida privada, atribuindo ao Estado a missão, quase divina, de resolução de todos os problemas da sociedade, com fundamento em discurso de descrédito absoluto no indivíduo e na sua capacidade de autodeterminação.
Diante disso, a Igreja, preocupada com a hegemonia de sua doutrina, difundiu a ideia da subsidiariedade como uma diretriz importante para promover a dignidade da pessoa, no sentido de proteger o indivíduo do abuso das instâncias sociais superiores (Estado), as quais serão solicitadas a ajudá-los no desempenho das próprias funções12.
A ideia da Doutrina Social da Igreja permanece, sendo de que cada pessoa, família ou corpo intermédio tem um traço original a oferecer para a sociedade, de modo que a negação ao princípio da subsidiariedade, em nome de uma utópica busca de igualdade de todos na sociedade, representa o aniquilamento das individualidades, das liberdades e de iniciativa.
Assim, o oposto de uma ação estatal subsidiária significa centralização, burocratização e assistencialismo que parte do pressuposto da falta de reconhecimento ou o reconhecimento inadequado da iniciativa privada.
A questão principal que se coloca é a respeito da investigação de quando o princípio da subsidiariedade passou a ter relevância jurídica, ou ainda, se, de fato, ele é dotado de normatividade suficiente para limitar a intervenção estatal em seara prioritariamente de titularidade privada.
Para Amauri Saad (2015, p. 171), o princípio da subsidiariedade, pode ter fundamento no direito natural, já que diretamente ligado ao ideal de liberdade individual, sendo um dos princípios mais relevantes para a construção e manutenção de um Estado Democrático de Direito.
O Direito, em especial o Direito Administrativo, é, em essência, instrumento de limitação do poder do Estado diante da liberdade humana e das garantias individuais (SAAD, 2018, p. 112). Por isso, afirma-se que o Estado de Direito é um Estado contido em sua atuação, pois baseia sua função administrativa e a realização do bem público no direito posto. Caso contrário, a inexistência de regras ao Estado e o intervencionismo exacerbado ameaçam a capacidade de autodeterminação individual e o próprio Estado de Direito.
Contudo, a partir da década de 1960, o Direito Administrativo Brasileiro sofreu forte influência de correntes ideológicas alinhadas com a concepção socialista, resultando no desenvolvimento de uma vertente doutrinária que acredita no protagonismo do Estado como o guardião de todos os interesses individuais e desaguando na aceitação de uma forma hipertrofiada de Estado, bem como na desconfiança com relação ao setor privado13.
Tal linha de pensamento administrativista ainda exerce forte influência entre os estudiosos, os quais acabam por adotar o posicionamento de rejeição ao princípio da subsidiariedade, enquanto princípio da ordem econômica. Ou seja, a negativa ao reconhecimento do princípio da subsidiariedade tem fundamento na crença ideológica de que o Estado deve ser protagonista, e que o indivíduo é incapaz de gerir suas demandas.
A exemplo disso, os administrativistas críticos à normatividade do princípio da subsidiariedade o consideram incompatível com o modelo de Estado Social, pois além da função ordenadora, fiscalizadora e limitadora da vida, o Estado passou a ser um promotor da vida e, nesse sentido, admitir a normatividade do princípio seria colocar em risco a prestação de direitos sociais (GABARDO, 2013, p. 61-78).
Contudo, importa aclarar que o Estado subsidiário não é sinônimo de Estado alheio aos direitos fundamentais conquistados. O princípio da subsidiariedade tem duas facetas, uma passiva e outra ativa (CASSAGNE, 2017, p. 313).
A primeira se refere à impossibilidade de intervenção do Estado em atividades que podem ser titularizadas pelo indivíduo. Entende-se que, em uma economia de mercado, a atuação prioritária dos agentes privados nas atividades econômicas é capaz de gerar expressivo desenvolvimento econômico, com reflexos positivos no aspecto social.
Quando a iniciativa privada se mostrar ineficiente, a segunda face do princípio da subsidiariedade é marcada por uma obrigatoriedade do Estado de atuar, sobretudo, no âmbito econômico, social e educativo. Quando o mercado se mostrar incapaz de corrigir as próprias falhas, é necessária e compulsória a intervenção pontual de uma instância superior.
Assim, o Estado subsidiário respeita o espaço de atuação dos particulares e intervém em auxílio destes, quando falharem em seus objetivos, de modo que a aplicação do princípio da subsidiariedade, na intervenção do Estado no domínio econômico, não significa absoluta abstenção regulatória ou retrocesso nos direitos fundamentais.
Noutro ponto, o autor Emerson Gabardo (2013, p. 61-78), opositor ao princípio, defende que a subsidiariedade opera em detrimento da coletividade, pois remete à ideia de valorização da autonomia individual, havendo uma clara ofensa ao princípio da solidariedade. Nesse sentido, a ideia de subsidiariedade está afastada do ideal de cidadania republicana e tem muito mais relação com o espírito cristão do que com qualquer outra coisa.
Aqui observamos uma nítida filiação do autor ao pensamento ideológico de que há uma relação conflituosa entre indivíduo, mercado e Estado. Como já detalhamos em tópico anterior, as três instituições são interdependentes. Não é possível vislumbrar o desenvolvimento socioeconômico, e naturalmente a referida cidadania republicana, enquanto houver brasileiros excluídos do mercado e um Estado com orçamento insuficiente para a prestação de serviços públicos de forma eficiente.
Nesse sentido, a relação antagônica estabelecida entre subsidiariedade e solidariedade é fictícia. Quando consideramos que o princípio da subsidiariedade determina a intervenção estatal no domínio econômico, em caso de ocorrência de falhas de mercado, percebemos que ambos encontram um ponto de intersecção.
Assim, o reconhecimento da juridicidade do princípio da subsidiariedade, enquanto norma da ordem econômica, não tem fundamento na religião, e, sim, na necessidade de delimitar juridicamente o alcance de intervenção estatal no domínio econômico.
Em outro ponto, mais um argumento contrário ao princípio da subsidiariedade se refere ao regime jurídico, de modo que não se poderia situá-lo no regime jurídico administrativo, essencialmente solidarista e coletivista, mas sim, necessariamente, no regime de direito privado. Então, como consequências do princípio da subsidiariedade, na intervenção do Estado no domínio econômico, teríamos o retorno de uma teoria antiestatal marcada por desestatização, privatizações e descentralização do poder (GABARDO, 2013, p. 61-78).
Entretanto, é necessário esclarecer que o princípio da subsidiariedade não estabelece como regra a desestatização, privatização e descentralização do poder. Porém, com o devido estudo de impacto, uma política pública de desestatização tender a ser positiva ao reduzir a interferência do Governo na atividade do agente econômico privado, resultando em melhoria no atendimento do usuário do serviço público, descentralizando decisões e eliminando formalidades descabidas (AGUILLAR, 2019, p. 187).
Ainda no que se refere à eficiência, a desestatização pode ser a chave para agilizar a execução de programas federais de desenvolvimento, impedir o inchaço desnecessário da máquina pública e o gasto público, contendo a criação indiscriminada de estatais.
Com esse objetivo, em 1990, foi instituído o Programa Nacional de Desestatização, Lei 8.031, dando início a um intenso processo de privatização de diversas estatais até meados de 1988. Foram transferidas à iniciativa privada atividades econômicas que não precisavam ser desempenhadas pelo Estado, resultando em saldo positivo, em termos de arrecadação e de liberalização da economia (AGUILLAR, 2019, p. 189).
4. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: MITO OU NORMA CONSTITUCIONAL DA ORDEM ECONÔMICA?
Os críticos defendem, ainda, que não se pode atribuir status de norma constitucional ao princípio da subsidiariedade, em razão de que a Constituição de 1988 não o contempla em nenhum dispositivo.
Da leitura do texto constitucional, no capítulo da ordem econômica, encontramos a garantia da livre-iniciativa como elemento limitador do papel do Estado na economia, sendo conferida aos agentes econômicos privados a atuação principal no mercado.
A livre-iniciativa é uma expressão dos direitos de liberdade econômica, e o seu fundamento está na ideia de que a atuação do estado na economia é sempre subsidiária. Então, o Estado não está habilitado a retirar dos particulares atribuições em que estejam em condições de cumprir por si mesmos, conforme Silveira Neto (2013, p. 123-140):
A livre-iniciativa atrela-se ao direito constitucionalmente conquistado de poder livremente empreender no país, fazendo dessa atividade não apenas um meio de subsistência do cidadão, mas sobretudo de oferta de mais opções de bens e serviços ao consumidor final. Observe que livre-iniciativa não é apenas um direito ao lado dos demais estampados na Constituição Federal. A livre-iniciativa é uma cláusula pétrea da nossa Constituição Federal, inscrita logo em seu artigo primeiro como uma das bases sobre as quais se assenta o Estado brasileiro. Isso por si só seria razão suficiente para o Estado tratá-la com a importância que merece. No entanto, a despeito disso, como se quisesse deixar mais clara do que já é, a própria Constituição repete não duas, mas três vezes ao longo do seu texto. Muito embora, apesar da clareza quase solar do texto e da ociosidade dessa afirmação, os constantes desrespeitos do Estado brasileiro a ela obrigam-nos a lembrar que a livre-iniciativa é um dos direitos mais importantes do cidadão ligados à liberdade.
Nesse modelo constitucional, caracterizado pela ampla liberdade de iniciativa, as restrições aos direitos de liberdade econômica só podem ser previstas por dispositivos constitucionais ou lei em sentido formal.
Com efeito, a Constituição Federal autoriza, com padrões bem definidos, a atuação estatal subsidiária no mercado, na forma do art. 17314, quando estabelece que a prioridade de exploração direta de atividade econômica é do particular, sendo possibilitada ao Estado somente nos casos previstos na Carta e quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (BRASIL, 1988).
Como também, o princípio da subsidiariedade está implicitamente positivado no art. 17415, quando o constituinte delimita que o Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica, tem as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo que essa última determinante/vinculativa apenas para o setor público e indicativo para o setor privado, pois deve-se privilegiar a esfera de liberdade dos agentes econômicos na gestão de seus negócios e na tomadas de decisão (BRASIL, 1988).
Vejamos, portanto, que tais dispositivos constitucionais, ao tratar da atuação do Estado no domínio econômico, esclarece que a regra vigente é de liberdade econômica dos particulares, sendo a intervenção do Estado subsidiária, nos casos expressamente previstos.
Ainda, a fim de não restar dúvidas sobre a juridicidade do princípio da subsidiariedade, a Lei de Liberdade Econômica 13.874/2019 (LLE) o positivou no art. 2º, III, com a seguinte redação: “São princípios que norteiam o disposto nesta Lei: […] a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício das atividades econômicas”(BRASIL, 2019).
A Lei de Liberdade Econômica, também chamada de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, foi editada com a intenção de aumentar a liberdade de empreender no Brasil. Ela parte do pressuposto de que é, preferencialmente, do indivíduo a competência de promover o desenvolvimento.
O estabelecimento de um modelo de intervenção estatal subsidiária na economia, conforme o mandamento do art. 2º, III, da LLE, apesar de absolutamente compatível com a Constituição Federal, tem sofrido tentativas de declaração de inconstitucionalidade.
Em face da Lei de Liberdade Econômica, foi proposta a ADI 6.156/DF, de autoria do Partido Democrático Trabalhista, com argumentação de que ela teria a intenção de tornar o Estado brasileiro em um estado liberal de caráter abstencionista, “através do qual a máquina estatal deveria atuar o menos possível na vida dos cidadãos, garantindo apenas direitos civis, políticos e as clássicas liberdades públicas” (CYRINO, 2020, p. 117).
Afirmam ainda os litigantes que a Lei de Liberdade Econômica deve ser declarada inconstitucional pelo fato de que não é possível prestigiar direitos de liberdade no modelo constitucional brasileiro, que é de natureza social dirigente. Além disso, a Lei 13.874/2019, ao prever o princípio da intervenção subsidiária, mínima e excepcional, violaria o caráter deontológico dos artigos constitucionais da ordem econômica que estabelecem a prerrogativa estatal de regulação da economia.
Contudo, os argumentos não se sustentam. O Estado subsidiário guarda compatibilidade com os postulados da economia social de mercado, pois visa harmonizar as liberdades econômicas com o bem-comum, promovendo a defesa da concorrência e garantindo a prestação dos serviços públicos (CASSAGNE, 2017, p. 134).
Submeter a intervenção do Estado no domínio econômico a limites mais rígidos, por meio de lei, é reconhecer a imprescindibilidade do princípio da subsidiariedade para a manutenção do Estado de Direito e da busca pelo desenvolvimento.
5. CONCLUSÃO
A pesquisa sobre o princípio da subsidiariedade na intervenção do Estado no domínio econômico teve como ponto de partida a análise da relação simbiótica entre o Estado, mercado e o indivíduo.
A arrecadação de tributos sobre as riquezas produzidas pelos indivíduos no mercado, ou ainda a emissão de títulos da dívida pública vendidos aos agentes econômicos, são responsáveis pelo financiamento do Estado. Do outro lado, o mercado necessita da regulação e da prestação de serviços públicos importantes ao incremento da atividade econômica. Assim, concluímos que as três instituições são manifestações de uma mesma realidade social e mantêm vínculo de interdependência.
Elucidadas as ideias sobre o papel do Estado na economia de mercado, buscou-se o elemento legitimador da intervenção estatal no domínio econômico.
A história mundial registra que o sistema econômico liberal foi responsável por um grande desenvolvimento econômico e um salto científico da humanidade. Entretanto, a constatação de falhas de mercado, capazes de desestruturar o modo de produção capitalista, levou a uma reorganização estatal quanto ao seu modo de intervir na economia.
Nesse sentido, as falhas de mercado, tidas como imperfeições ou inoperacionalidades do mercado (falha de mobilidade, falha de transparência, falha de estrutura, falha de sinalização, falha de incentivo, e falha analítica), se tornaram os elementos legitimadores da atuação regulatória do Estado.
No entanto, foi no século XX, com a hipertrofia dos Estados nacionais e uma atuação interventiva na cada vez mais intensa e restritiva das liberdades individuais, que a ação do Estado na economia passou a ser um problema socioeconômico. O surgimento de Estado totalitários de ideologia coletivista foi, portanto, resultado de uma mudança de mentalidade das sociedades quanto ao papel do Estado.
Nesse contexto ideológico de paternalismo estatal, o princípio da subsidiariedade surge, inicialmente como dogma da doutrina da Igreja Católica, para relembrar que o indivíduo deve ser dotado de autodeterminação e intelecto suficiente para decidir o seu destino, de modo que o pensamento coletivo estatizado não pode ser capaz de sufocar ou aniquilar a livre-iniciativa e a propriedade privada, pois são direitos essenciais e inseparáveis da dignidade da pessoa humana. A partir dessa premissa, só deve o indivíduo recorrer à instancia social superior em caso de insucesso e desequilíbrio, ocasião em que estaria autorizada a intervenção estatal.
Conceitualmente, subsidiária é condição de quem auxilia, ajuda, colabora, apoia, e que não assume para si mesmo o protagonismo da ação. Em razão disso, qualquer atuação subsidiária é precedida, necessariamente, pelo fracasso de quem tomou a posição de prioridade no agir.
A questão que se investigou neste trabalho é sobre quando o princípio da subsidiariedade passou a ser considerado um princípio do direito, e se ele é, de fato, dotado de normatividade.
Ao compreendermos que o Direito, em especial o Direito Administrativo, surgiu com a intenção de proteger as liberdades e garantias individuais do poder do Estado, perceberemos que o princípio da subsidiariedade, pode ter seu fundamento no direito natural, já que diretamente ligado ao ideal de liberdade individual, sendo um dos princípios mais relevantes para a construção e manutenção de um Estado Democrático de Direito.
Entretanto, apesar de pouco estudado pela doutrina do direito público, o referido princípio é objeto de críticas, nas quais se identifica forte carga ideológica, possivelmente, influenciadas pelas correntes ideológicas de cunho socialista que se enraizaram pelo direito administrativo brasileiro desde a década de 1960.
Entre as impugnações à juridicidade do princípio da subsidiariedade, temos as seguintes alegações: o princípio é incompatível com o modelo de Estado Social; coloca em risco a prestação de direitos sociais; opera em detrimento da coletividade e confronta com o princípio da solidariedade; o reconhecimento de sua normatividade implica o retorno de uma teoria antiestatal marcada por desestatização, privatizações e descentralização do poder; e, por fim, o princípio não tem previsão constitucional.
Tais afirmações não condizem com a essência do princípio da subsidiariedade. Ele apresenta dois aspectos indissociáveis: se por um lado, o princípio garante ao indivíduo a não ingerência estatal em atividades que podem resolvidas por ele, por outro lado, o mesmo princípio, obriga o Estado a atuar, sobretudo, no âmbito econômico, social e educativo, perante a insuficiência da atividade privada
Portanto, o Estado subsidiário respeita o espaço de atuação dos particulares e intervém em auxílio destes, quando falharem em seus objetivos, de modo que a aplicação do princípio da subsidiariedade, na intervenção do Estado no domínio econômico, não significa absoluta abstenção regulatória ou retrocesso nos direitos fundamentais.
Além disso, a relação antagônica entre subsidiariedade e solidariedade é fictícia na medida em que prestigia a atuação estatal corretiva de um mercado distorcido, exclusivo ou inacessível.
Registre-se, ainda, que com o devido estudo de impacto, uma política pública de desestatização tender a ser positiva ao reduzir a interferência do Governo na atividade do agente econômico privado, resultando em melhoria no atendimento do usuário do serviço público, descentralizando decisões e eliminando formalidades descabidas
Finalmente, na investigação sobre o fundamento constitucional do princípio da subsidiariedade, concluímos que, apesar de não constar expressamente o termo “subsidiariedade” ou “atuação subsidiária do Estado” no texto constitucional, não significa que o princípio não tenha previsão na Carta.
A disposição constitucional do princípio da subsidiariedade está no capítulo da Ordem Econômica, nos arts. 173 e 174 da Constituição Federal. Tais dispositivos trataram de delimitar o espaço de atuação dos agentes econômicos privados e do Estado enquanto agente econômico e regulador. O mandamento é de atuação prioritária dos particulares na exploração de atividade econômica, e subsidiariamente, apenas quando necessária à segurança nacional ou atendimento de relevante interesse coletivo, o Estado poderá atuar como agente econômico. Some-se a isso, a previsão de que, o Estado, em sua atuação regulatória, poderá exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este apenas indicativo para o setor privado, pois deve-se privilegiar a esfera de liberdade dos agentes econômicos na gestão de seus negócios e nas tomadas de decisão.
Finalmente, a LLE 13.874/2019 previu expressamente no art. 2º, III, o princípio da subsidiariedade na intenção de estabelecer um modelo que prestigie a livre-iniciativa. Apesar de sofrer tentativas de declaração de inconstitucionalidade, a LLE permanece vigente no ordenamento jurídico brasileiro, sendo responsável por um processo de transformação das estruturas socioeconômicas e jurídicas existentes em que a intervenção do Estado no domínio econômico deve ser subsidiária à atuação do particular.
Sobre os autores
Giulliana Niederauer Flores Severo de Morais – Advogada. Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora de Direito. giullianasevero@gmail.com
Vladimir da Rocha França – Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. vrochafranca@gmail.com
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SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A livre concorrência e a livre-iniciativa como instrumentos de promoção do desenvolvimento – a função estabilizadora da intervenção do Estado no domínio econômico. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 123-140, abr./jun. 2013.
NOTAS
1 “O homem é a única criatura livre e cognitivamente capaz de se autodeterminar e utiliza o Estado como instrumento para o seu aperfeiçoamento físico, moral e intelectual. Razão pela qual conclui-se que a pessoa humana é a medida, o fim e a razão de existir do Estado” (AZAMBUJA, 2008, p. 146).
2 “O processo de formação de preços no mercado é a conjugação de duas variáveis – oferta e procura. A Teoria dos Preços tem fundamento o relacionamento das quantidades ofertadas e procuradas de um determinado produto no mercado. Assim, quando há excesso de oferta ou falta de procura, os preços caem, e voltam a subir quando houver diminuição da oferta ou maior procura. Atinge-se, portanto, a eficiência econômica quando há situação de equilíbrio entre a quantidade que compradores e vendedores estarão dispostos a adquirir e a ofertar no mercado a um dado preço” (BRUNA, 2001, p. 16)
3 “O Estado, enquanto regulador da ordem econômica e social, atua por meio de políticas públicas, essas conceituadas como estruturas normativas integradas tanto por atos jurídicos, quanto por atos materiais, distribuídos entre os elementos funcionais de fins, propósitos, componentes e atividades, que se relacionam diretamente com o intervencionismo estatal por um liame de necessidade e satisfatividade” (SAAD, 2015, p. 73-138).
4 O intervencionismo é resultado de eventos históricos e tem como marco inicial a Primeira Guerra Mundial, que impôs aos Estados a concentração da força de trabalho e dos setores produtivos ao suprimento das necessidades beligerantes. Depois disso, o Crash da Bolsa de Nova York, em 1929, obrigou os Estados Unidos, e diversos países seguiram o mesmo modelo, a adotar um comportamento intervencionista por meio de altos investimentos em obras públicas, de política de controle de preços sobre produção agrícola e industrial, de criação de agências e comissões reguladoras de setores econômicos, interferência nas relações de trabalho privadas e aprimoramento da legislação antitruste. Em seguida, a Segunda Guerra Mundial, demandou novamente a intervenção estatal na economia para financiar os esforços de guerra, e, logo após, foram concentrados investimentos e rigoroso planejamento estatal com o objetivo de a recuperar as economias dos prejuízos da guerra.
5 “O poder econômico, em si, é tido pela ordem jurídica como um dado estrutural e não como uma anomalia. Mas, quando o seu exercício resulta na supressão das liberdades de iniciativa e de concorrência dos agentes econômicos no mercado, conflitando com os valores da ordem econômica estabelecida e com os objetivos sociais por ela visados, está configurado o abuso” (BRUNA, 2001, p. 128-154).
6 “[…] a teoria da constituição econômica esteve sempre ligada à reflexão sobre a existência ou não de uma definição sobre um modelo econômico constitucional. A ideia é de normas que estabelecem uma realidade econômica e a formatação dos modos de atuação do Estado na economia” (CYRINO, 2020, p. 119).
7 Após 150 anos de sistema econômico liberal, responsável por um grande desenvolvimento econômico e cientifico da humanidade, a constatação de falhas de mercado levou a uma reorganização estatal quanto ao seu sistema econômico. Fabio Nusdeo (2020, p.136) afirma que “escorraçado do sistema econômico pelos postulados do liberalismo, o poder público dele saiu pela porta da frente, mas acabou por regressar gradualmente pela porta dos fundos. Ou seja, este reingresso não foi sistemático, nem sempre conscientemente desejado, mas fruto de uma necessidade incontornável […]. Para esta nova configuração dos sistemas ocidentais foram propostas algumas denominações, como a de capitalismo regulamentar ou de regime de mercado controlado ou ainda, de neoliberalismo para indicar a permanência dos postulados liberais mas modificados para poderem levar em consideração os novos reclamos provocados pelo imperfeito funcionamento dos mercados, o qual, em última análise, implicava tolher a liberdade daqueles sobre quem recaíssem as mesmas imperfeições”.
8 Plano Cruzado em 1986; Plano Bresser em 1987; Plano Verão em 1989; e, Plano Collor em 1990.
9 “O Governo é para os governados e não vice-versa. Dissemos que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que aquele e esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contando que não atentem contra o bem geral, e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertence proteger a comunidade e as suas partes: a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservação ao poder soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a lei suprema, mas é a própria a causa e a razão de ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve visar só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos que lhe estão submetidos. Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé cristã. Por outra parte, a autoridade vem de Deus e é uma participação da Sua autoridade suprema; desde então, aqueles que são os depositários dela devem exercê-la à imitação de Deus, cuja paternal solicitude se não estende menos a cada uma das criaturas em particular do que a todo o seu conjunto. Se, pois, os interesses gerais, ou o interesse duma classe em particular, se encontram ou lesados ou simplesmente ameaçados, e se não for possível remediar ou obviar a isso doutro modo, é de toda a necessidade recorrer à autoridade pública” Rerum Novarum: sobre a condição dos operários (15 de maio de 1891) | LEÃO XIII. Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html#:~:
text=Entre%20estes%20deveres%2C%20eis%20os,isentas%20de%20viol%C3%AAncias%20e%20nunca. Acesso em: 31 ago. 2021.
10 “É evidente porém que a autoridade pública não tem direito de desempenhar-se arbitrariamente desta função; devem sempre permanecer intactos o direito natural de propriedade e o que tem o proprietário de legar dos seus bens. São direitos estes, que ela não pode abolir, porque « o homem é anterior ao Estado e a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma prioridade real. Eis porque o sábio Pontífice declarava também, que o Estado não tem direito de esgotar a propriedade particular com excessivas contribuições: Não é das leis humanas, mas da natureza, que dimana o direito da propriedade individual; a autoridade pública não a pode portanto abolir: o mais que pode é moderar-lhe o uso e harmonizá-lo com o bem comum. Quando ela assim concilia o direito de propriedade com as exigências do bem comum, longe de mostrar-se inimiga dos proprietários presta-lhes benévolo apoio; de facto, fazendo isto, impede eficazmente que a posse particular dos bens, estatuída com tanta sabedoria pelo Criador em vantagem da vida humana, gere desvantagens intoleráveis e venha assim a arruinar-se : não oprime a propriedade, mas defende-a; não a enfraquece, mas reforça-a” Quadragesimo Anno: 40º aniversário da Rerum novarum (15 de maio de 1931) | PIO XI. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno.html#:~:text=Quadragesimo%20Anno%3A%2040%C2%BA%20anivers%C3%A1rio%20da,maio%20de%201931)%20%7C%20PIO%20XI&text=No%2040%C2%BA%20anivers%C3%A1rio%20da%20magistral,A%20Enc%C3%ADclica%20%C2%AB%20Rerum%20novarum%20%C2%BB. Acesso em: 31 ago. 2021.
11 “Iniciativa pessoal e intervenção dos poderes públicos em matéria econômica. Devemos armar desde já que o mundo econômico é criação da iniciativa pessoal dos cidadãos, quer desenvolvam a sua atividade individualmente, quer façam parte de alguma associação destinada a promover interesses comuns. Mas nele, pelas razões já aduzidas pelos nossos predecessores, devem intervir também os poderes públicos com o fim de promoverem devidamente o acréscimo de produção para o progresso social e em benefício de todos os cidadãos. A ação desses poderes, que deve ter caráter de orientação, de estímulo, de coordenação, de suplência e de integração, há de inspirar-se no ’princípio de subsidiariedade’, formulado por Pio XI na encíclica Quadragesimo Anno: ‘Deve contudo manter-se arme o princípio importantíssimo em filosofia social: do mesmo modo que não é lícito tirar aos indivíduos, a fim de o transferir para a comunidade, aquilo que eles podem realizar com as forças e a indústria que possuem, é também injusto entregar a uma sociedade maior e mais alta o que pode ser feito por comunidades menores e inferiores. Isto seria, ao mesmo tempo, grave dano e perturbação da justa ordem da sociedade; porque o objeto natural de qualquer intervenção da mesma sociedade é ajudar de maneira supletiva os membros do corpo social, e não destruí-los e absorvê-los’. É verdade que hoje os progressos dos conhecimentos científicos e das técnicas de produção oferecem aos poderes públicos maiores possibilidades concretas de reduzir os desequilíbrios entre os diferentes fatores produtivos, entre as várias zonas no interior dos países e entre as diversas nações no plano mundial. Permitem, além disso, limitar as oscilações nas alternativas das situações econômicas e enfrentar com esperança de resultados positivos os fenômenos do desemprego das massas. Por conseguinte, os poderes públicos, responsáveis pelo bem comum, não podem deixar de sentir-se obrigados a exercer no campo econômico uma ação multiforme, mais vasta e mais orgânica; como também a adaptar-se, para este fim, às estruturas e competências, nos meios e nos métodos. Mas é preciso reafirmar sempre o princípio que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos; mas, deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a maior amplidão possível, protegendo efetivamente, em favor de todos e de cada um, os direitos essenciais da pessoa humana. Entre estes há de enumerar-se o direito, que todos têm, de serem e permanecerem normalmente os primeiros responsáveis pela manutenção própria e da família; ora, isso implica que, nos sistemas econômicos, se consinta e facilite o livre exercício das atividades produtivas. Aliás, até a evolução histórica põe em evidência cada vez maior o fato de se não poder conseguir uma convivência ordenada e fecunda sem a colaboração, no campo econômico, ao mesmo tempo dos cidadãos e dos poderes públicos; colaboração simultânea realizada harmonicamente, em proporções correspondentes às exigências do bem comum no meio das situações variáveis e das vicissitudes humanas. De fato, a experiência ensina que, onde falta a iniciativa pessoal dos indivíduos, domina a tirania política; e há ao mesmo tempo estagnação nos setores econômicos, destinados a produzir sobretudo a gama indefinida dos bens de consumo e de serviços que se relacionam não só com as necessidades materiais mas também com as exigências do espírito: bens e serviços que exigem, de modo especial, o gênio criador dos indivíduos. Onde, por outro lado, falta ou é defeituosa a necessária atuação do Estado, há desordem insanável; e os fracos são explorados pelos fortes menos escrupulosos, que medram por toda a parte e em todo o tempo, como a cizânia no meio do trigo”. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.html. Acesso em: 5 ago. 2021.
12 “À atuação do princípio de subsidiariedade correspondem: o respeito e a promoção efetiva do primado da pessoa e da família; a valorização das associações e das organizações intermédias, nas próprias opções fundamentais e em todas as que não podem ser delegadas ou assumidas por outros; o incentivo oferecido à iniciativa privada, de tal modo que cada organismo social, com as próprias peculiaridades, permaneça ao serviço do bem comum; a articulação pluralista da sociedade e a representação das suas forças vitais; a salvaguarda dos direitos humanos e das minorias; a descentralização burocrática e administrativa; o equilíbrio entre a esfera pública e a privada, com o consequente reconhecimento da função social do privado; uma adequada responsabilização do cidadão no seu ‘ser parte’ ativa da realidade política e social do País”. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_ doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html. Acesso em: 31 ago. 2021.
13 “Por trás de tal doutrina está o dogma fundamental de que os agentes privados, representantes da economia de mercado, têm por objetivo único enriquecer e que, por isso mesmo, são os causadores da pobreza e opressão das massas, cuja defesa está a cargo do Estado” (SAAD, 2021, p. 12).
14 CF/1988: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
15 CF/1988: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
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