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CLÁSSICOS FORENSE
FILOSOFIA DO DIREITO
REVISTA FORENSE
O direito natural e sua perenidade, de A. Machado Paupério

Revista Forense
11/08/2025
Quando se fala em Direito natural, cogita-se de saber, sobretudo, se existe algum sistema de normas universal e obrigatòriamente válidas.
Como o próprio vocábulo “natural” indica, deduz-se a regra de comportamento humano chamada “direito natural” da “natureza do homem”, tal como esta se apresenta em suas inclinações fundamentais, sob o contrôle da razão, mas livre de qualquer intervenção formal de um legislador, humano ou divino que seja.
GRÓCIO, na esteira do pensamento racionalista, em sua conhecida obra “Le droit de la guerre et de la paix” (trad. de BARBEYRAC, ed. de Basiléia, 1768, “Discours preliminaire”, § VII), reduz todo o direito natural pròpriamente dito quatro preceitos fundamentais: respeito ao bem alheio; fidelidade às promessas; obrigação de reparar o dano causado por qualquer falta; e castigo pela violação das regras anteriores.
Em sentido restrito e próprio, podemos, porém, dentro do pensamento cristão, dizer que o Direito natural significa “a totalidade das leis morais naturais que se referem à vida social dos homens, prescrevendo a todos dar a cada um o que é seu”.
Nesse sentido, pode o Direito natural reduzir-se a dois preceitos jurídicos: “Deves dar a cada um o que é seu” e “Não deves prejudicar a ninguém”. O primeiro dêsses preceitos corporifica os deveres jurídicos positivos; o segundo, os deveres jurídicos negativos.
Dêsses dois preceitos fundamentais pode-se, por dedução, chegar, independentemente da revelação sobrenatural e da ordem positiva, divina ou humana, a determinadas proibições e mandamentos, que pertencem ainda em sentido característico ao Direito natural, como: não deves matar injustamente; não deves roubar; não deves cometer adultério; não deves prestar falso testemunho; paga as dívidas; devolve em devido tempo o empréstimo recebido; observa os contratos legalmente concluídos; obedece à autoridade legítima; e assim por diante.
Sem dúvida, o Direito natural adquire foros de verdadeiro Direito universal, válido no tempo e no espaço, isto é, para todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares.
Apesar de as relações concretas às quais se aplicam as normas do Direito natural poderem mudar, a lei universal em si é invariável.
De maneira genérica, tôdas as leis positivas se derivam do Direito natural.
O ponto de partida do Direito é, assim, aquela Lei Suprema a que alude CÍCERO, “que pertence a todos os séculos e já vigorava quando não havia lei escrita nem Estado constituído” (v. “Las Leyes”, edición bilingue, traducción, introducción y notas de ROGER LABROUSSE, Madri, 1956, pág. 9). “Quem a ignora, é injusto, esteja ou não escrita em qualquer lugar” (ob. cit., página 19). Para CÍCERO há “uma razão derivada da natureza das coisas, que incita ao bem e aparta do mal, que para chegar a ser Lei não precisou ser redigida por escrito, senão que foi tal desde sua origem. E sua origem é tão antiga como a da mente divina” (ob. cit., pág. 34).
Em cada ser racional se inseriu a lei moral natural que foi inscrita no coração de todos os homens.
Está claro que se essa lei fôsse suficiente para todos os homens, em qualquer situação, nenhuma necessidade haveria das leis positivas. Mas evidentemente aquela lei não é suficiente, por razões óbvias.
Há, sem dúvida, que distinguir-se duas classes de leis positivas, correspondente cada uma delas a cada um dos modos pelos quais são derivadas as leis positivas da lei moral natural: por conclusão e por determinação próxima.
As primeiras consistem em conclusões necessárias dos preceitos racionais, evidentes por si mesmos: não matar, não roubar, etc. A tal parte das leis positivas denominavam os romanos ius gentium.
As segundas, existentes em maior número, se não contêm conclusões necessárias da lei moral natural, representam determinações próximas da mesma.
Em geral, por exemplo, uma das exigências necessárias ao bem comum no Estado é que sob a presunção de boa-fé e decorrido certo tempo prescreva a reclamação de determinados direitos.
Se assim não fôsse, não haveria têrmo para as pugnas e os processos judiciais.
Está claro que o tempo que se há de fixar para a prescrição não está determinado pelo Direito natural, cabendo-lhe a determinação às leis positivas.
A esta parte das leis positivas chamavam os romanos ius civile.
Com relação, porém, ao Direito natural, é preciso insistir em que não representa êle, de nenhuma maneira, um ideal ou ideais desejados, mas apenas princípios superiores do Direito, evidentes por si mesmos a todos os homens.
O Direito humano evolve continuamente. Novas circunstâncias históricas produzem muitas vêzes novos estados sociais e, por isso mesmo, novas necessidades, que passam a exigir legislação nova. Assim, evidentemente, podem manifestar-se diferenças típicas entre os povos, tornando-se possível, e não só possível como necessário, a variedade no desenvolvimento do Direito. Essa legislação, porém, corporifica sempre determinações próximas do Direito natural, nunca podendo, por isso, contradizer-lhe os princípios fundamentais.
De maneira geral, entretanto, como diz DABIN, não impõe o direito natural ao jurista nenhum preceito a não ser negativamente, no sentido de que não se estabeleça norma alguma contrária ao direito natural moral, e positivamente, no sentido de que se regule tudo tendo em vista o bem público possível e realizável, princípio por excelência do direito natural político.
Assim sendo, como doutrina o mesmo professor de Louvain (ob. cit., páginas 329-330), existe um direito natural moral e um direito natural político.
O primeiro representa o princípio do comportamento moral do homem, da mesmo modo que da regra moral positiva, em tôdas as esferas, inclusive na social (moral social), sem qualquer distinção entre os atos internos e externos. Tal regra por si, só cria obrigações para o fôro interno. Mas não perante o Estado e seus órgãos policiais e judiciários.
O segundo, o direito natural político, baseia-se sôbre o instinto político dos indivíduos, que cria a sociedade política e tudo que lhe é fundamental, como principalmente a autoridade pública e a lei civil, tomada esta, abstratamente.
Tal direito natural político, dependente do direito natural moral, não deixa de, por seu turno, constituir a origem de “um sistema novo de instituições e de regras pròpriamente sociais, ou melhor, societárias, inspiradas pela idéia, ao mesmo tempo moral, utilitária e técnica, do bem público”, e que não regula senão os atos externos do homem, como membro da sociedade.
Finalmente, porém, não existe um direito natural jurídico, entendido êste como diretrizes antecipadamente traçadas à autoridade a quem se acha afeta a promulgação da lei civil, dentro dos caracteres do bem público. Certamente há preceitos comuns observados na legislação dos países de idêntica tradição e de igual nível de civilização: ius gentium (no sentido dos romanos). Mas, como conclui DABIN, “não poderiam, sem equívoco e sem perigo, atribuir-se ao Direito natural princípios que, de um lado, são muito heterogêneos, já que nêles se encontram mescladas regras de moral, de sentido comum e de utilidade social, e, de outro lado, carecem dos caracteres de necessidade e de universalidade inerente à idéia de natureza: a prática corrente nos países civilizados, inclusive apoiada na prudência e na experiência, não equivale à inclinação natural“.
*
Apesar do constante combate que tem recebido o Direito natural, é ainda hoje largamente dominante nos círculos jurídicos, assistindo-se mesmo, no presente, a um verdadeiro renascimento de seus postulados.
Ainda estamos sob o eco das palavras de IHERING, na confissão patética que fêz, de que jamais teria escrito a sua obra – pelo menos dentro da orientação que lhe traçou – se tivesse, a tempo, conhecido a filosofia do passado, em especial a de SANTO TOMÁS DE AQUINO.
No mundo anglo-saxão, sempre; por seu conservadorismo, mais fiel, às concepções medievais, conservaram-se, na prática do Direito, através da Common Law, inúmeros princípios de Direito natural. E na Côrte Suprema dos Estados Unidos, ainda hoje se fundam muitos arestos nos intangíveis princípios do Direito natural.
Na França, o movimento pelo Direito natural é cada vez maior. Além de J. T. DELOS, DE LA BRIÈRE e GEORGES RENARD, êste ex-professor da Faculdade de Direito de Nancy, encontramos nos meios universitários leigos cada vez um maior número de juristas que podem ser considerados como verdadeiros restauradores do Direito natural. LOUIS LE FUR, professor na Universidade de Paris, FRANÇOIS GENY, decano na Faculdade de Direito de Nancy, MAURICE HAURIOU, decano honorário da Faculdade de Direito de Tolosa, e MARC RÉGLADE, professor na Faculdade de Direito na Universidade de Bordéus, estão, evidentemente, entre êsses, como nomes internacionais que são na Ciência do Direito.
Mas não só na França se voltam os espíritos para o “irredutível Direito natural”. Na Alemanha, contra a larga e poderosa influência de SAVIGNY, convém pião esquecer o neokantiano STAMMLER, com seu “Direito natural de conteúdo histórico variável”. E não só STAMMLER. Mas também, talvez, JELLINEK, e um ou outro internacionalista, como LISZT e NIEMEYER.
Na própria Suíça, onde na Faculdade de Direito de Lausanne imperava, ainda no início do século, uma atitude francamente positivista, chefiada por ROGUIN e VILFREDO PARETO, vamos encontrar o Prof. GUISAN, concluindo pela necessidade de voltar ao Direito natural.
Isto para não falar na Itália, na Bélgica, na Espanha, em Portugal e em outros países onde, por sua tradição de séculos, conserva o Direito, em suas mais prestigiosas correntes, fiel respeito à linha do Direito natural.
Longe de se ver envelhecido pela poeira dos séculos, o Direito natural reponta, sem dúvida, cada dia, mais rejuvenescido.
Por isso mesmo, ainda pode a sua chama iluminar os passos de nossa civilização vacilante, que perdeu, muitas vêzes, por falta de contato com as idéias eternas, a sua própria estabilidade, de que carece para sobreviver.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
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