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Estatuto da OAB: Participação do Advogado na Investigação Criminal
Marcelo Mendroni
26/04/2016
A Lei n° 13.245/2016 alterou o Estatuto da OAB, no seu artigo 7° XIV e no parágrafo 10°, para trazer de forma mais expressa os direitos de acompanhamento dos Advogados nos procedimentos investigatórios preliminares, civis, penais e administrativos. São estas as alterações:
“Art. 7o:
XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.” (NR).
Passemos então a analisá-los:
Art. 7º São direitos do advogado:
XIV – examinar:- em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; (grifamos)
§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.
Do teor do dispositivo pode-se concluir que os Advogados podem examinar, entenda-se proceder ao exame, consultar, inspecionar atentamente ou minuciosamente; os autos de investigações “de qualquer natureza”, portanto, sejam inquéritos policiais (dirigidos pela Autoridade Policial), inquéritos civis e PICs (Procedimentos Investigatórios Criminais – ambos dirigidos por representante do Ministério Público); Procedimentos Investigatórios no âmbito de Corregedorias (Administrativos), Procedimentos quaisquer de âmbito Fiscal, Tributário e Administrativo. O acesso deve ser dado, segundo o dispositivo, ainda que estejam os autos conclusos à Autoridade responsável por conduzí-la. Este acesso, entretanto, pode não ser imediato. Parece evidente que o dispositivo deve estar em consonância com o próprio espírito da investigação, seja ela qual for. Se os autos estão conclusos, há que se interpretar que a Autoridade necessita proferir alguma manifestação ou determinação. Neste caso, e como a Lei não estipula prazo, há que prevalecer o bom senso. Muitos dos casos envolvem extrema complexidade, e um despacho pode exigir da Autoridade algum prazo para reflexão, não se podendo afastar que o princípio da ampla defesa exercida pelo Advogado não pode se sobrepor ao da busca da verdade real. Ambos devem coexisitr, hamoniosamente. Há casos, ainda que os autos se encontrem em reprografia, em análise do setor técnico, procedendo juntadas de documentos etc. Além disso, prevendo a Lei que os Advogados podem solicitar acesso aos Autos – mesmo sem procuração; imagine-se a hipótese em que vários Advogados demonstrem interesse em ter conhecimento do teor da investigação e, sucessivamente, no mesmo dia, solicitem o acesso. Há de fato, casos de rumor social, que ensejam especial interesse no mundo jurídico e também por vezes até da mídia. Com eventual obrigação de dar acesso a todos, indistinta e indeterminadamente, a investigação pode chegar a ponto e ficar impedida de prosseguir. Claro que seria hipótese inadmissível, especialmente considerando que o tempo joga contra a eficiência na colheita de provas e elementos de provas, causando irreparável prejuízo à busca da verdade real. Qual seria então o prazo razoável para que o Advogado possa ter acesso aos autos, conforme determina a Lei? Deve-se aplicar, aqui, o princípio da razoabilidade. À falta de disposição de prazo, e interpelando o bom senso, parece-nos razoável o prazo de 5 (cinco) dias. Se os autos estiverem disponíveis, vale dizer, descansando na prateleira do cartório, o acesso deve ser imediato, deferindo-se, fundamentada e criteriosamente o acesso aos Advogados solicitantes. Caso contrário, se o processo não estiver disponível no momento da solicitação, ou se houver muitos pedidos ao mesmo tempo, cabe ao Advogado protocolar petição de acesso aos autos para, em prazo razoável conforme a complexidade da situação, ter o acesso para examiná-lo e tomar apontamentos. Se quiser cópias, poderá fazê-las com máquinas fotográficas digitais, scanners manuais etc., ou solicitar as cópias físicas ou em arquivos magnéticos, recolhendo as custas.
Note-se que a Lei isentou o Advogado de apresentar procuração para ter acesso aos autos da investigação. Isto significa que qualquer Advogado, mediante apresentação do documento da OAB, poderá ter acesso aos autos. Trata-se de medida que, no fundo, antecipa o princípio da publicidade para o procedimento investigatório preliminar. A medida praticamente torna pública qualquer investigação civil ou criminal – em relação à qual não houver sido decretado sigilo – expressamente – pela Autoridade responsável pela sua condução. O dispositivo privilegia o princípio da publicidade em prejuízo do princípio da inocência, já que, com o acesso livre de todo e qualquer Advogado – mesmo sem procuração – a própria Lei torna impossível controlar a difusão daqueles fatos e documentos. Note-se que não raras vezes os Advogados apresentam procurações com dezenas de Advogados do mesmo escritório habilitados ao acesso aos Autos. A partir desta condição, com o livre acesso dos autos de investigação, qualquer meio de imprensa evidentmente conseguirá acesso fácil aos autos e seus documentos e poderá publicá-los. Haverá evidente prejuízo às pessoas notórias investigadas, estas mais sujeitas ao assédio da mídia. Como o direito de fonte de jornalisatas é garantido pela própria Constituição Federal, em caso de eventual arquivamento dos autos, quer nos parecer, o prejuízo à imagem do investigado será inevitável e inestimável…
Nos casos sujeitos a sigilo (exceção), para o exame dos autos por parte dos Advogados permanece a exigência de procuração – mais à frente analisados.
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
Este dispositivo permite ao Advogado, “durante a apuração das infrações” – ou seja, no curso dos Procedimentos Investigatórios, assistir seus clientes. Por “assistir”, deve-se interpretar, “acompanhar”, “comparecer”, “estar presente”. Embora pareça novidade, não consta que Advogados em tempo algum do regime democrático foram (ou pudessem ser) impedidos de assistir os seus clientes. Isto seria, aliás, impensável! Sempre que forem ouvidos, seja na condição de “investigados” ou de “testemunhas”, todos poderão ter ao seu lado um Advogado, que impedirá, no exercício de suas prerrogativas, qualquer abuso, excesso, indagação capiciosa, intimidatória ou vexatória em relação ao seu assistido.
Nos termos da alínea “a”, note-se que os Advogados podem – no curso da apuração, “apresentar razões e quesitos”. De se concluir, a contrário senso, que não se previu como direito do Advogado fazer reperguntas ao seu cliente. Se a Lei fixou expressamente “no curso da respectiva apuração”, e não “no ato da oitiva”, apresentar razões e quesitos, entende-se que deva fazê-lo por escrito. Ao contrário, oitiva de suspeito e de testemunha são atos procedimentais orais. Nem poderia ser de outra forma, já que no Procedimento Investigaório Preliminar não existe jurisdição instaurada e, portanto, não se aplica o princípio do contraditório. Ademais, se pretendesse a Lei estabelecer como direito a o Advogado elaborar reperguntas durante a oitiva, o teria previsto expressamente, como o fez em relação à elaboração de razões e qusitos; se não previu expressamente, foi porque não pretendeu estabelecer este direito. Nada obsta, entretanto, por liberalidade, que o Agente Público que conduza a investigação permita eventuais reperguntas. Não é direito, mas liberalidade.
A assistência do Advogado durante os atos investigatórios, é evidente, tem o condão de destinar maior valor probatório à prova produzida. Entendemos que qualquer depoimento, seja de suspeito ou de testemunha, perante a Autoridade Policial ou ao Promotor de Justiça, assumem maior valor probatório quando exercidos na presença de Advogado (ou Defensor Público), – no aspecto da forma – porque dedutível que prestados sem que o depoente possa se sentir, de qualquer forma, intimidado ou coagido. Depois, restaria analisar o conteúdo, do depoimento, de cada caso, para que ele seja corretamente valorado. Sobre o conteúdo, vejamos:
Testemunho no distrito policial, à autoridade policial, com a presença do promotor e/ou de advogado: Considera-se nesta situação, a coleta de depoimento no distrito policial, presidido pela Autoridade Policial, mas com a presença do Promotor, do Advogado ou Defensor Público, ou, ainda melhor, de ambos. Não se trata de realizar ato processual com atenção ao princípio contraditório, que por definição, repita-se, somente se idealiza no âmbito da jurisdição instalada, quer dizer, presidido por um Juiz de Direito em ação própria. Mas os atos probatórios se revestem de forma e conteúdo. Ambos importam para a sua análise valorativa. Em todo caso, a presença das partes processuais na polícia delineia cunho evidentemente mais valorativo, não só porque se pode admitir às partes realizarem perguntas (portanto com maior exploração do tema), se assim de acordo com a Autoridade Policial que preside o ato, mas porque permite ou viabiliza a essas partes processuais, a quem incumbirá ônus de cada ato processual, a vigilância da forma de sua execução. Como dito, não há como negar que a presença de Advogado e/ou de Promotor no ato investigativo policial permite ao Juiz inclinar-se a emitir juízo de valor maior do que sem a presença deles.
Testemunho ao promotor, no seu gabinete: No caso do representante do Ministério Público realizar investigações através de procedimento próprio investigatório do Ministério Público (PIC), não parece haver qualquer dúvida a respeito do fato de, no seu bojo, poder colher o depoimento de testemunha ou denunciante, ou as declarações de uma vítima, e também de ouvir o suspeito no seu próprio gabinete. Também neste caso o representante do Ministério Público deve permitir a presença do Advogado da pessoa ouvida para assisti-la.
Em ambos, esta presença do Advogado também garante ao Juiz maior clareza em face da forma da colheita da prova oral. Já não será possível alegar qualquer espécie de coação moral, intimidação, induzimento de respostas etc (forma). Restará ao Juiz o trabalho mais facilitado de se ater à questão da valoração do conteúdo da prova colhida, no momento oportuno.
Ainda, vale lembrar que, também em ambas as situações jurídicas, a assitência de Advogado à parte ouvida pela Autoridade responsável pela investigação, é seu direito. Evidente, então, que a parte também pode não querer, ou seja, pode dispensar, por qualquer razão, a presença de Advogado.
Também nos parece correto interpretar que, com o advento da Lei n° 11.719/08 (que alterou o Código de Processo Penal) com a previsão de resposta à acusação nos artigos 396 e 396-A, que acontece logo após o recebimento da Denúncia (ou Queixa); a oitiva dos suspeitos passou a ser ainda mais dispensável na anterior fase de investigação preliminar. Isto porque, jogando muito a favor do acusado, depois de ter conhecimento prévio da sua versão, que “poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário”; o Juiz poderá, pelo teor do artigo 397 absolvê-lo sumariamente quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narradoevidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente.
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.
Autos de investigação sob sigilo: Esta é a exceção. O sigilo decorre de duas situações:
- Na primeira delas, não referida no dispositivo, o sigilo decorre do teor de outras Leis, como, por exemplo, nos casos de afastamentos de sigilos de comunicações e bancários. Não há conflito entre as Leis, de forma que somente o Advogado com procuração pode ter acesso aos autos destas medidas, e somente após a sua conclusão para que a eficácia não seja comprometida.
- Quando a Autoridade que conduz a investigação decretar sigilo. As investigações, como dito, sempre buscam a verdade real. Para tanto, precisam ser eficientes. Há momentos, especialmente no início, em que são realizadas medidas assecuratórias e/ou cautelares de toda natureza. Busca e apreensão, Afastamento de sigilos das comunicações são exemplos clássicos em relação aos quais o acesso aos Advogados, mesmo com procuração, não só podem como devem ser impedidos, até a conclusão das diligências. Não há como estabelecer critérios que possam ter aplicação genérica. O caso concreto vai estabelecer o momento em que o sigilo dos autos pode/deve ser levantado para que os Advogados possam passar a ter o livre acesso.
E como aplicar o §10? Em quais casos os Advogados necessitam de procuração? Há necessidade, mais uma vez, de análise lógica e coerente para compatibilizar os dispositivos desta e de outras Leis. Segundo interpretamos:
- os autos de medidas cautelares que envolvem sigilos determinados por outras Leis, (caso do número 1), sempre, somente os Advogados com procuração poderão ter acesso, já que as Leis que determinam o seu sigilo seguem o mandamento constitucional da proteção de suas intimidades. Autos de medidas assecuratórias e cautelares devem ser autuados sempre em apartados, anexos/apensos, exatamente pelo limite e restrição de acessos.
- Nos demais casos, sempre que não se pretender consultar autos de medidas cautelares, assim que a Autoridade encerrar formalmentre o sigilo por despacho fundamentado, os Advogados, todos, mesmo sem procuração, poderão ter acesso aos autos principais.
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.” (NR).
Por fim, para buscar garantir o acesso aos autos de investigação por parte do Advogado, o § 12 previu a responsabilização criminal e funcional do condutor da investigação que fornecer autos incompletos ou que promover a retirada de peças do caderno investigativo.
Se não estivermos enganados, a única Lei que prevê a possibilidade de responsabilização criminal no caso deste parágrafo, é a Lei n° 4.898/65 (Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade). Nela encontramos o seguinte dispositivo, (incluído pela Lei nº 6.657, de 05/06/79):
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: […]
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Há várias punições previstas para o tipo, que, evidentemente, devem variar conforme a culpabilidade do agente e não nos afigura possível, desde logo, uma punição grave para o caso do § 12 desta Lei n° 13.245/2016, pela evidência da desproporcionalidade.
Responsabilização funcional, esta parece possível no âmbito das respectivas corregedorias dos órgãos incumbidos pelas investigações. Entretanto, a clareza do dispositivo exige a atuação com dolo direto, que também vale para eventual responsabilização criminal. É preciso demonstrar que o agente público responsável pela investigação desejou e agiu propositadamente para fornecer autos incompletos ao Advogado, ou retirou peças para impedi-lo de ter acesso – especificamente para prejudicar o seu exercício de defesa.
Estas são as nossas considerações, que ora colocamos à discussão da sociedade jurídica brasileira, sempre no intuito de debater e aprimorar o Direito como ciência, para melhor interpretar e aplicar os dispositivos legais.
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