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A Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Parte I)

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A Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Parte I)

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA

LEI 14.112/2020

LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA

RECUPERAÇÃO JUDICIAL DO PRODUTOR RURAL

REFORMA DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA

Diogo Rezende de Almeida

Diogo Rezende de Almeida

06/01/2021

Depois de quinze anos de vigência, o regramento da insolvência do empresário no Brasil demandava uma reforma mais substancial. Muito embora não revogue a Lei 11.101/2005, mantendo sua estrutura, a Lei 14.112/2020 traz significativas alterações nos processos de recuperação judicial e falência.

A reforma realizada, que entra em vigor já em janeiro de 2021, consolida entendimentos arraigados na jurisprudência de nossos tribunais – como, por exemplo, a prorrogação do stay period, se a demora da aprovação do plano não decorreu da (in)atividade do devedor -, positiva medidas já estimuladas pelo Poder Judiciário na experiência de casos complexos – um exemplo é o incentivo à mediação e à conciliação entre devedor e credores e entre outros envolvidos, como acionistas, sócios, controladores etc. – e oferece novidades que tentam melhorar o ambiente de restruturação, como a criação da negociação prévia e a enumeração de novos meios de recuperação judicial.

O presente estudo, dividido em cinco partes, tem como objetivo abordar as principais alterações introduzidas pela Lei. 14.112/2020, a fim de facilitar o conhecimento por todos aqueles que se dedicam à recuperação judicial e à falência.

  1. Petição inicial e pedido de recuperação judicial

O empresário que objetiva a repactuação de suas dívidas via recuperação judicial deve distribuir petição inicial e preencher os requisitos previstos no art. 51 da Lei 11.101/2005. Lá constam requisitos como a exposição da situação patrimonial do devedor e os motivos que o levaram à crise, a apresentação das demonstrações contábeis recentes e a relação de credores, entre outros.

Com a nova redação dada pela Lei 14.112/2020, outros documentos e informações passaram a ser exigidos: (i) a descrição das sociedades integrantes do grupo econômico, de direito ou de fato (art. 51, inciso II, e); (ii) a inclusão, na relação de credores, dos credores não-sujeitos à recuperação judicial (art. 51, inciso III); (iii) o relatório detalhado do passivo fiscal (art. 51, inciso X); (iv) a relação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante, incluídos aqueles não sujeitos a? recuperação judicial, acompanhada dos negócios jurídicos celebrados com os credores de que trata o § 3º do art. 49 (art. 51, inciso XI).

Os novos documentos e informações exigidos servem à apresentação de uma radiografia mais precisa da sociedade empresária ou do grupo econômico, de modo que os credores possam verificar com mais clareza a viabilidade de soerguimento da empresa e do plano de recuperação judicial proposto.

O valor da causa constante da petição inicial deve corresponder ao montante dos créditos sujeitos à recuperação judicial (art. 51, §5º).

A reforma positivou uma prática corriqueira, que vinha sendo adotada em inúmeros processos de recuperação judicial. Antes de deferir o pedido de processamento, o juiz pode nomear perito para realizar uma constatação prévia (art. 51-A), cuja finalidade é verificar (i) a existência de atividade empresarial, de modo a evitar pedidos fraudulentos, destinados a proteger empresas que não estão mais em operação; e (ii) a regularidade e a completude da documentação apresentada, isto é, se foram anexados à petição inicial todos os documentos exigidos pela lei.

Antes da reforma, tornou-se comum a determinação judicial de realização de perícia prévia com o intuito de analisar viabilidade econômico-financeira do devedor. Se a perícia constatasse que a empresa não era viável sob esse aspecto, o juiz se inclinava pelo indeferimento do processamento da recuperação judicial. O legislador reformista, porém, vedou a utilização da constatação prévia para exame da viabilidade econômica do devedor e o indeferimento do processamento por este motivo (art. 51-A, § 5º).

De fato, a análise realizada pelo perito antes da apreciação do pedido de processamento da recuperação judicial é muito superficial, em virtude do prazo exíguo que se oferece ao profissional para a elaboração de seu laudo. No entanto, não me parece correto vedar o indeferimento do processamento em hipótese de evidente ausência de viabilidade da empresa, quando facilmente aferível do exame dos documentos apresentados. A recuperação judicial serve à reestruturação de empresas viáveis em dificuldade, mas não pode ser usada para submeter inúmeros credores a um processo claramente destinado ao fracasso.

Nomeado o perito, o laudo deve ser apresentado no prazo máximo de cinco dias. O prazo tão curto se justifica pelos potenciais prejuízos que a demora da apreciação do pedido de processamento pode ocasionar ao devedor. Depois de tornado público o pedido de recuperação judicial, o devedor terá maior dificuldade de obtenção de crédito e seus credores passarão a tomar medidas mais enérgicas de cobrança. Desse modo, o pleito de proteção – que inclui o stay period – deve ser objeto de decisão o quanto antes.

Com o propósito de tornar todo esse processamento célere, a lei reformada prevê que não haverá apresentação de quesitos, nem serão ouvidos devedor e credores para a realização da constatação. Apresentado o laudo, o juiz decidirá. Se concluir que o pedido esconde a intenção fraudulenta de proteção à empresa inativa, o juiz o indeferirá (art. 51-A, §6º). A constatação prévia pode indicar também que o local do principal estabelecimento do devedor não se insere na área de competência do juízo onde tramita a recuperação judicial. Nessa hipótese, o juiz determinará a remessa dos autos ao juízo competente (art. 51-A, §7º).

  1. Consolidação processual e consolidação substancial

Não é novidade o pedido de recuperação judicial em litisconsórcio ativo formado por empresas do mesmo grupo econômico. Em um grande número de processos, as empresas optam pela estratégia de veiculação de um pedido conjunto. Embora não houvesse previsão na Lei 11.101/2005, o litisconsórcio ativo na recuperação judicial era admitido pelos tribunais e acolhido pela doutrina especializada, com base no regramento contido no Código de Processo Civil.

Por outro lado, as espécies de litisconsórcio e seus consequentes efeitos têm sido objeto de grandes discussões. Admitem-se, com efeito, duas modalidades de litisconsórcio: a consolidação processual e a consolidação substancial. Pela primeira, os devedores em litisconsórcio se valem do mesmo processo, contudo, segregam suas respectivas listas de credores, apresentam planos de recuperação judicial distintos, que são votados separadamente. O destino de cada uma das empresas pode ser diverso: enquanto um dos litisconsortes tem seu plano aprovado e se recupera o outro não resiste à recuperação judicial e quebra.

Na consolidação substancial, em razão da relação simbiótica entre as empresas do grupo, é apresentada uma única lista de credores, um único plano de recuperação judicial, que é votado por todos os credores do grupo, mesmo que um credor não possua crédito contra um dos litisconsortes. O destino é único para todos os devedores: ou o plano é aprovado em assembleia e todas as empresas que se encontram no polo ativo ganham uma nova chance de soerguimento ou plano é rejeitado e todas quebram.

Como não havia previsão na Lei 11.101/2005 acerca dos requisitos para se adotar uma ou outra modalidade de litisconsórcio ativo, os tribunais foram estabelecendo entendimentos para solucionar os casos concretos, admitindo a consolidação substancial desde que presentes algumas características que revelem a confusão patrimonial entre as sociedades, comumente identificada a partir da identidade societária e de endereço, garantias cruzadas, participação em negócios comuns etc.

A reforma introduziu dispositivos que diferenciam as duas modalidades e seus efeitos. Por meio do art. 69-G, o novo regramento passa a admitir especificamente o pedido de recuperação judicial por empresas que integram o mesmo grupo econômico, em litisconsórcio ativo. Em regra, segue-se a forma de consolidação processual. Cada um dos devedores deverá apresentar a documentação obrigatória de maneira separada e individualizada (art. 69-G, §1º), o pedido deverá ser realizado perante o juízo do local do principal estabelecimento do grupo como um todo (art. 69-G, §2º), as empresas litisconsortes, integrantes do grupo econômico, deverão apresentar separadamente meios de recuperação específicos, ainda que em um único plano (art. 69-I, §1º) e os planos serão objeto de deliberações e votações em assembleias independentes e individualizadas para cada devedor (art. 69-I, §2º). Na hipótese de convolação da recuperação judicial em falência para um ou parte dos litisconsortes, o processo será desmembrado em tantos processos quantos forem necessários (art. 69-I, §§3º e 4º).

Não obstante a regra seja segregação dos devedores e de suas estratégias de recuperação, a Lei 14.112/2020 permite que o juiz autorize a consolidação substancial dos ativos e passivos do grupo devedor se constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, duas das seguintes situações (art. 69-J): (i) existência de garantias cruzadas; (ii) relação de controle ou de dependência; (iii) identidade total ou parcial do quadro societário; e (iv) atuação conjunta no mercado entre os postulantes.

Como consequência da consolidação substancial, os ativos e passivos dos litisconsortes serão considerados como se fossem de um único devedor (art. 69-K), acarretando a extinção imediata de garantias fidejussórias e de créditos detidos por um devedor em face de outro (art. 69-K, §1º). Autorizada essa modalidade de litisconsórcio, os devedores apresentarão plano unico, que será submetido à deliberação e votação em uma só assembleia, com todos os credores dos devedores (art. 69-L).

  1. Competência

A competência para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência é do juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil, conforme prevê o art. 3º da Lei 11.101/2005. O art. 6º, § 8º define regras de prevenção, que fazem atrair a competência para o juízo no qual já se processou um pedido anterior de falência ou de recuperação judicial. A reforma aumenta a lista de prevenções, indicando que a distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor.

  1. Recuperação judicial do produtor rural

A Lei 11.101/2005 não regulava com muitos detalhes a possibilidade de proteção do produtor rural mediante pedido de recuperação judicial. Como o art. 48 exigia que o devedor, independentemente de sua área de atuação, deveria demonstrar o exercício regular de sua atividade empresarial pelo prazo mínimo de dois anos, discutia-se a forma de comprovação desse exercício pelo produtor rural. O § 2º do mesmo dispositivo dispunha que as pessoas jurídicas com atuação na produção rural deveriam comprovar o exercício da atividade por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ. A lei não regulava, porém, a forma de comprovação do empresário rural pessoa natural.

O Código Civil, em seu art. 967, considera “obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”. Desse modo, parte da doutrina e da jurisprudência passou a interpretar que o produtor rural só poderia se valer da recuperação judicial se comprovasse o exercício de sua atividade empresarial pelo prazo de dois anos depois de ocorrido o registro.

No entanto, o próprio Código Civil contém regime distinto para a atuação do produtor rural. O art. 970 dispõe que “a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes” e o art. 971 determina que “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”.

Interpretando esses dispositivos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão publicada em 30.5.2019,[1] considerou que o registro do produtor rural tem natureza declaratória – com eficácia ex tunc, portanto -, podendo ser comprovado o exercício regular da atividade empresarial pelo prazo mínimo de dois anos por outros meios.

Seguindo essa orientação, o legislador reformista alterou a forma de comprovação do exercício da atividade rural por pessoa jurídica – admitindo agora a apresentação da Escrituração Contábil Fiscal (art. 48, § 2º) – e introduziu a forma de demonstração do tempo de atividade do produtor rural pessoa física.

Dispõe o art. 48, § 3º, da Lei 11.101/2005, com a redação dada pela Lei 14.112/2020, que “para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente”.

Desse modo, mesmo que o produtor rural não tenha realizado a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis há pelo menos dois anos, poderá cumprir a exigência do art. 48 mediante comprovação do exercício da atividade empresarial por meio da apresentação de livro caixa, declaração de imposto de renda e balanço patrimonial.

Para evitar confusão entre o endividamento do produtor rural pessoa física decorrente de sua atividade empresarial com as dívidas contraídas em sua vida pessoal, os §§ 6º e 7º do art. 49 excluem do regime concursal algumas dívidas: (i) dívidas em geral que não decorram da atividade empresarial; (ii) a dívida contraída nos 3 anos anteriores ao pedido com o objetivo de aquisição de propriedade rural (art. 49, §9º); (iii) as dívidas oriundas de contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados (art. 6º, §13); (iv) as dívidas e as garantias cedulares vinculadas à Cédula de Produto Rural com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou em caso de CPR representativa de operação de troca por insumos – salvo motivo de força maior ou caso fortuito impeça a entrega do produto (art. 11, §1º, Lei nº 8.929/1994).

*          *          *

No próximo artigo, examinarei os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial, incluindo as alterações referentes ao stay period, as novas atribuições do administrador judicial e o estímulo legislativo ao uso da mediação e da conciliação para solucionar litígios entre devedor e credores e entre outros envolvidos no processo, como sócios e acionistas do devedor.

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[1] REsp n. 1.800.032-MT. Rel. Min. Marco Buzzi. Voto vencedor do Min. Raul Araújo.


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