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Considerações rasas às propostas de alteração do artigo 9º da Lei 6.385/76  feitas pelo Projeto de Lei 2925/2023

LEI 6.385/76

LEI Nº 6.404

Gladston Mamede

Gladston Mamede

12/06/2023

Em 2 de junho de 2023, o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei para alterar “a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para dispor sobre a transparência em processos arbitrais e o sistema de tutela privada de direitos de investidores do mercado de valores mobiliários.” O Projeto foi elaborado pelos juristas Guilherme Setoguti e Gustavo Gonzalez e tomou por referência um estudo elaborado pela OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Eis o seu inteiro teor:

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2284015&filename=PL%202925/2023

Sobre a proposta de alteração do Projeto de Lei 2925/2023

É uma iniciativa digna de aplauso e se insere num esforço internacional de private enforcement, refletindo um trabalho conjunto do Ministério da Fazenda, nomeadamente da equipe liderada por Marcos Barbosa Pinto, Secretário de Reformas Econômicas, em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, consagrando o o excelente trabalho do prof. João Pedro Nascimento em sua Presidência. Em fato, o tema é discutido há anos, não apenas no Brasil, mas no exterior, por igual, com importância vital para corrigir distorções que, sim, podem comprometer a credibilidade do Mercado de Valores Mobiliários. Agora, cabe ao Congresso Nacional e à sociedade civil dar debate ao tema. 

Como parte desse esforço, ouso apresentar algumas questões pontuais, rasas, mas que podem, tenho a esperança, ser úteis a tal debate. Talvez outras surjam, depois; o estudo tem esse efeito de colocar camadas, de fazer ver algo e, posteriormente, fazer rever em cada retorno.  Não são mais do que alguns pontos e ponderações, seguindo a linha do que tive ocasião de tratar em Direito Societário (14.ed. Barueri: Atlas, 2022), obra que compõem a coleção Direito Empresarial Brasileiro,  bem como no Manual de Direito Empresarial (17.ed. Barueri: Atlas, 2023).

1. Artigo 9º, VII, da Lei nº 6.385/76

O artigo 1º propõe a seguinte redação para o artigo 9º, VII, da Lei nº 6.385/76: “realizar inspeção, na sede social, no estabelecimento, no escritório, na filial ou na sucursal da empresa investigada, de estoques, de objetos, de papéis de qualquer natureza, de livros comerciais, de computadores e de arquivos eletrônicos, e extrair ou requisitar cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos”.

1.1. Em primeiro lugar, é preciso atentar para o termo empresa investigada; a bem da precisão, não se investiga a empresa, mas a pessoa jurídica que a titulariza, ou seja, a sociedade por ações ou, preferindo-se, a companhia. 

1.2. O uso do artigo em “na sede social” (em + a) está correto. A sede é determinada pelo estatuto social da companhia. Para as figuras seguintes, constituiu uma limitação indevida (em + a = na; em + o = no) vez que pode haver mais de um e, assim, a determinação trabalha contra o texto. Melhor seria: “… em estabelecimento, escritório, filial ou sucursal da empresa investigada…”. Dessa maneira, não se fará necessário precisar o lugar; a norma autoriza a diligência em qualquer deles.

1.3. Há um outro ponto que deve ser pensado (discutido) para a disposição: a eventual inclusão de sociedades controladoras, sociedades controladas, subsidiárias integrais, sociedades que componham o mesmo grupo econômico. Estruturas societárias em teia são extremamente comuns entre empresas que compõem o Mercado de Capitais brasileiro. A Companhia X, de capital aberto, normalmente é controladora de outras companhias e mesmo sociedades limitadas. Não se pode olvidar, ademais, as figuras das sociedades de propósito específico constituídas para certos empreendimentos específicos, como concessões de estradas e afins. Não estou afirmando ser necessário incluir tais figuras, mas, sim, ser indispensável discutir se tais figuras devem, ou não, ser incluídas na previsão normativa.

1.4. Por mera questão de estilo, pode-se retirar a repetição da preposição de. Então, teríamos: “…investigada, de estoques, objetos, papéis de qualquer natureza, livros comerciais, computadores e arquivos eletrônicos…” Ademais, para evitar as duas partículas aditivas ao final da disposição, recorrendo ao gerúndio: “… eletrônicos, extraindo ou requisitando a extração de cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos”.

2. Artigo 9º, VIII, da Lei nº 6.385/76

O artigo 1º propõe a seguinte redação para o artigo 9º, VII, da Lei nº 6.385/76: “requerer ao Poder Judiciário mandado de busca e apreensão de objetos, de papéis de qualquer natureza, de livros comerciais, de computadores e de arquivos magnéticos de empresa ou de pessoa física, no interesse de inquérito ou processo administrativo”. 

A leitura da previsão deixa uma dúvida no ar: por que houve uma omissão da prova oral, ou seja, uma renúncia ao poder de demandar a produção, mesmo em tutela de segurança, antecipada ou não, da oitiva de testemunhas? Em incontáveis situações, será meio essencial para se apurar o que efetivamente ocorreu, o que não se limita a pessoas que ocupem função na administração (diretoria e conselho de administração) da companhia, mas empregados, prestadores de serviços, terceirizatários (ou empregados de terceirizatários); são meros exemplos de uma lista que precisa ser pensada.

3.  Artigo 9º, IX, da Lei nº 6.385/76

O artigo 1º propõe a seguinte redação para o artigo 9º, IX, da Lei nº 6.385/76: “requerer vista e cópia de inquéritos policiais, de ações judiciais de qualquer natureza, de inquéritos e de processos administrativos instaurados por outros entes federativos, observadas pela Comissão de Valores Mobiliários as mesmas restrições de sigilo eventualmente estabelecidas nos procedimentos de origem”.

3.1. A grande pergunta, aqui, refere-se à alteração que o artigo 2º deste Projeto de Lei 2925/2023 propõe para o artigo 109, § 4º, da Lei 6.404/76: “Os procedimentos arbitrais relativos a companhias abertas serão públicos, nos limites estabelecidos na regulamentação a ser editada pela Comissão de Valores Mobiliários.” Ora, diante de tal previsão, o inciso IX do artigo 9º deveria trazer a previsão de vista e cópia de procedimentos arbitrais, creio. No mesmo sentido aponta a norma que se está propondo para o  § 5º do artigo 31 da Lei 6.385/76: “O disposto no caput também se aplica quando a disputa sobre a matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários for submetida à arbitragem.” E o que prevê a cabeça do artigo 31? “Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação”

3.2. Há uma outra questão a ser debatida sobre a previsão. A proposta refere-se a “requerer vista e cópia”; não seria requerer exame e cópia? Atente-se para o artigo 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), a prever prerrogativas do advogado: há uma distinção entre o inciso XIV (“examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital”) e o inciso XV (“ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais”). Afinal, em termos estritos, vista é ato atribuído a quem participa do processo: é uma oportunidade para examinar e se manifestar (requerer); a vista pressupõe o exame; o direito de examinar não é direito de ter vista.

Assim, é preciso aferir se o pretendido pela norma é dar o direito de examinar e tirar cópias ou, mais do que isso, de ter vista e participar, ainda que como terceiro interessado, dos procedimentos que são listados na sequência do inciso. Se a opção for essa (dar vista), melhor será acrescer o direito de retirada dos autos e definir prazo para tanto (por exemplo, cinco dias). Aliás, essa investigação e decisão sobre a natureza do ato (mero exame ou direito de vista) deve levar em conta o texto do artigo 31 da mesma 6.385/76 (já transcrito) e seus incisos. Assim, ainda que a CVM não tenha sido intimada – por exemplo, pelo fato de o julgador considerar tratar-se de matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários – poderá fazer uso do direito de vista (e não mero exame e retirada de cópia) para, enfim, poder peticionar (inclusive requerendo a aplicação da cabeça do aludido artigo 6.385/76.

Como dito na abertura deste pequeno ensaio, nada mais apresento que considerações rasas. Pitacos, quiçá. Pequenos detalhes que, sim, podem levar a debates que, ao cabo, representem uma evolução para a necessária modernização da legislação que regula o Mercado de Valores Mobiliários brasileiro. Sigo estudando a proposição e, assim, é possível que outras considerações venham a ser publicadas. Afinal, melhor vai a República se a sociedade civil participa, também, dos debates legislativos.

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