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Ei! Vai me deixar aqui? Ih! Pejotizou

CNPJ

Gladston Mamede
Gladston Mamede

07/03/2023

Vivemos um tempo de neologismos: a língua força os seus limites. Há alguns anos, uma propaganda de televisão martelou a cabeça dos brasileiros com o seguinte bordão final: Ei! Vai me deixar aqui? Ih! Desbancarizou! O anúncio procurava convencer a audiência a não manterem investimentos em bancos, argumentando que teriam rendimento inferior. Desbancarizar é tirar do banco e optar por corretoras de investimento: as DTVM: distribuidoras de títulos e valores monetários. Aliás, para não deixar passar batido, o fenômenos dos desbancarizados (unbanked) é internacional, nasceu entre os norte-americanos e vai bem além da simples migração para o mercado de valores mobiliários. Mas fica apenas a informação. Não é nossa intenção caminhar por nessa direção. Apenas usamos o bordão como mote para cuidar de outro neologismo e tendência: pejotizar, pejotização, pejotizado. Não são palavras que nos soem bem aos ouvidos, mas seu uso servirá para uma análise que, cremos, pode ser profícua.

Não há dúvida de que o neologismo pejotização vai ganhando corpo no português coloquial. Palavrinha estranha, mas tradutora de um fenômeno de inquestionável importância e para o qual é preciso não apenas atentar: é preciso explorar suas possibilidades e ir muito além do que está já sendo feito. Pejotizar, diz-se por aí, seria criar uma pessoa jurídica: PJ. Em muitos casos, cria-se contra a própria vontade, mas isso nos empurra para o plano das fraudes trabalhistas e, por tal caminho, chega-se ao pior do fenômeno. Nossa intenção é ir para outras bandas e explorar o melhor do fenômeno. Noutras palavras, não nos ater ao que já há, mas indicar o que ainda pode haver. E já nos adiantamos na denúncia: pejotizar com baixa tecnologia é apenas trocar o problema de lugar. Em muitos casos, um atalho para grandes prejuízos. 

Os desafios da pejotização

Os méritos de institucionalizar determinado patrimônio e/ou determinada(s) atividade(s) negocial, inclusive profissional, tem merecido estudos e, mais do que isso, já tem utilização à grande entre empreendedores, encontrando recomendação e instrumentalização em bons escritórios de advocacia e/ou contabilidade, para não falar das consultorias empresariais. Todos esses participantes do mercado empresarial perceberam que a rápida transformação econômica da sociedade contemporânea gerou e gera uma avalanche de carências e demandas para as quais se recomenda o uso de ferramentas que, na virada do século, seriam consideradas como manifestações de postura e abordagem heterodoxas. A realidade mudou; já não é heterodoxia. Basta acompanhar os números vultosos de microempreendedores individuais – MEI para observar que a ortodoxia mudou de posição e conteúdo. É indispensável acompanhar seu movimento para não perder o passo e deixar-se superar. Para além disso, é fundamental compreender as potencialidades ainda não tornadas comuns, pois aí está a oportunidade para estabelecer um diferencial entre os concorrentes profissionais.

Algumas situações de pejotização já se mostram comezinhas: caíram no gosto e no uso da sociedade. É o que se passa, antes de mais nada, com a proliferação de Holdings Familiares, infelizmente nem sempre constituídas a partir de contextos adequados ou utilizando de cautelas jurídicas indispensáveis para que cumpram as finalidades visadas pelos clientes. Reposicionar a prática das holdings à melhor engenharia jurídica é uma urgência. Mas não para por aí. Direitos sobre propriedades rurais e, principalmente, sobre atividades de agronegócio também já se beneficiam à larga das vantagens de se estruturarem sob a forma de pessoa jurídica. O mesmo se diga, pela especialidade e sofisticação advocatícia do setor, pessoas ou grupos de pessoas (nomeadamente herdeiros) que titularizam propriedades imateriais: direitos intelectuais (autorais, imagem), industrial (patentes, marcas e outros registros); estenda-se para os próprios artistas, bandas, grupos cênicos, influenciadores digitais etc. O desafio, contudo, permanece: não basta pejotizar; é preciso fazê-lo com qualidade jurídica.

Como pejotizar com qualidade jurídica

A questão é como extrair e utilizar conhecimento já disponível sobre o Direito Societário a bem de tal movimentação. Noutras palavras, o desafio é dominar e utilizar a tecnologia jurídica mais apurada e suas ferramentas corretas para ajudar a criar pessoas jurídicas com perfis adequados às finalidades do(s) envolvido(s). Não é uma simples questão do ser (a pessoa jurídica) mas de correto direcionamento de forma e conteúdo: as plataformas normativas (designadamente o ato constitutivo: plataforma normativa primária) para obter os melhores resultados. Nas grandes corporações, essa preocupação já é habitual: a ninguém falta a certeza clara de que é indispensável uma correta mensuração das cláusulas que compõem atos constitutivos (plataformas normativas primárias), pactos parassociais (plataformas normativas secundárias) e normas regulamentadoras da administração (plataforma normativas terciárias). Basta entrar na página de relações com o investidor (RI) de qualquer companhia aberta para constatar isso. O desafio está abaixo das grandes corporações: pequenas, médias empresas, sem excluir muitas grandes: um mercado amplo para a advocacia empresarial.

O busílis – ou, se preferirem, o x da questão – é o seguinte:  pejotizar por si só é tolo, salvo situações excessivamente simples e, sim, isso alcança as fraudes de que já aludimos. Mas esse viés não é tema que nos interessa; não é nossa aposta, nosso norte. Entrementes, ressaltamos: criar uma pessoa jurídica apenas para fazer uso de um CNPJ é algo excessivamente pequeno, quando não seja uma ilusão para lá de perigosa. E há, sim, quem venda essa ilusão. E os resultados negativos já apareceram, estão aparecendo e continuarão a aparecer. Muitos que migraram para o modelo da pessoa jurídica não encontraram solução para as dificuldades e dilemas que enfrentavam, quando não passaram a enfrentar adversidades novas, originadas por causas diversas, a começar pela inadequação, passando pelo despreparo, chegando a mecanismos jurídicos defeituosos – no mor das vezes, fruto de modelos estandardizados – que não atendem às finalidades prometidas. Um horror que depõe contra a advocacia empresarial. Em várias oportunidades, a troca do especialista permite correções que restauram a qualidade e utilidade das ferramentas e mecanismos jurídicos.

O foco correto, quando se vai constituir uma pessoa jurídica, deve estar em suas questões intestinas: é ali que os problemas podem ocorrer e é dali que devem sair as soluções para as questões existenciais da sociedade simples ou empresária que se venha a criar. E, sim, isso irá variar de caso a caso, havendo que se alterar a plataforma normativa em direções diversas; por exemplo: são – ou deveriam ser – bem diversas as cláusulas de um contrato social ou estatuto social entre uma holding patrimonial e uma sociedade pecuária. Um exemplo fácil para aclarar do que estamos a indicar. Essa especialização é a ponta de lança nas mudanças teóricas sobre as corporações em nossos dias. Eis um importante vetor de transformação para a problemática societária. E essa preocupação é ampla, partindo dos sócios, do tipo de atividade (e setor), aportes, funcionamento, entre outros fatores. A pejotização implica, na esmagadora maioria das vezes, ingressar no universo do Direito Empresarial. E há modos e circunstâncias de estilo para tanto.

A superação de uma cultura de improvisação na gestão jurídica dos empreendimentos negociais urge.  E isso parte da infraestrutura jurídica das sociedades para avançar sobre os contratos e negócios que são estabelecidos. Impressionante como, apesar de a teoria listar um leque vasto de operações possíveis, vale dizer, de múltiplas configurações e abordagem, ainda se insista em situações negociais de baixa tecnologia. Poucos sabem fazer negócios a partir de mutações societárias, poucos compreendem o benefício de uma cisão parcial, de uma cisão com incorporação, de operações com recebíveis, antecipação de receita etc. O amadorismo cobra um preço alto. O amadorismo limita a receita e acanha o lucro. Tomada a questão sobre o olhar do país, esse amadorismo e seus efeitos nefastos atravancam a expansão do mercado doméstico. Esse amadorismo também tem efeito sobre o acesso e o custo de capital próprio ou financiado: uma batida de olhos num contrato social malfeito recomenda recusar ou, pelo menos, pensar melhor o financiamento, quiçá ampliar garantias, reais ou fidejussórias.

Compreendendo o mercado nacional a partir desse ângulo, cabe uma crítica vigorosa aos atores privados pelos números acanhados da economia brasileira. É uma perspectiva não-usual, mas útil para a meditação e o debate. Nem todo desenvolvimento nacional resulta de políticas públicas ou atuação estatal. Não em regime capitalista. A exclusividade da iniciava estatal para o desenvolvimento de um país é própria do socialismo absolutoalias dicta comunismo –, com abolição ou forte limitação da propriedade privada. No capitalismo (ainda que com viés social, chame-o de social–democracia, de Estado Social de Direito, trabalhismo ou, apenas, de políticas socialistas em contextos de garantia de propriedade privada e livre-iniciativa), a economia constrói-se no somatório de vetores públicos e privados (em proporções variadas, conforme cada sistema constitucional). 

E o que ocorre no Brasil? Essa malha de decisões privadas, individuais, descoordenadas entre si (já que plurais), mas que tem impacto direto sobre a economia nacional, não contribui em sofisticação e modernidade. Regimes capitalistas não prescindem de capitalistas, ou seja, de atores privados que invistam em iniciativas que, no fim das contas, não beneficiam só a si, mas a todo o sistema. A recusa da tecnologia jurídica, do investimento em advogados e outros auxiliares que poderiam elevar a qualidade empresarial brasileira, é parte desse fenômeno. O empresário brasileiro recusa sofisticação e transformação, aceita ser tacanho e amador, na mesma toada em que reclama da concorrência internacional e do Estado.  O deslocamento do investimento para aspectos imateriais (a incluir a expertise jurídica) é algo por se consolidar entre nós. O mercado está por conquistar, ou melhor, por ser convencido.

Voltando ao tema central, vale dizer, recuperando a discussão sobre a constituição de pessoas jurídicas, essencialmente sociedades simples ou empresárias, a melhor expressão da tecnologia jurídica implica redobrada atenção com os sócios, definindo quais são suas obrigações e quais são suas faculdades, com especial cuidado para os quóruns de deliberação que foram excessivamente flexibilizados pela Lei 14.030/20, alterando o Código Civil, podendo não refletir a vontade efetiva dos envolvidos. Avança pela definição de uma regência cuidadosa da administração societária, ou seja, do que o administrador pode ou não fazer, do que vincula ou não vincula a pessoa jurídica, de eventuais requisitos, chancelas indispensáveis, aprovações prévias. Há coletividades sociais que encontraram harmonia a partir da previsão da obrigatoriedade de se submeter à reunião ou assembleia de sócios um plano de negócios e relatórios explicativos sobre cada operação. Harmonia social? Sim! A preocupação extremada com o bendito CNPJ faz com que se esqueçam da relevância do fator humano no ambiente societário. 

Boas pessoas jurídicas são, como resultado das normas privadas que as regem (cláusulas de contrato social ou artigos de estatuto social), meios de excelência para a interação de atores diversos, a principiar pelos sócios (os investidores diretos), eventuais administradores não-sócios, gerentes, colaboradores (incluindo empregados), no plano intrínseco. Mas, para além disso, interação da sociedade com atores externos, como fornecedores, consumidores, o Estado (e, nele, o Fisco), parceiros negociais (incluindo terceirizatários), financiadores etc. Boas plataformas normativas trazem previsões que otimizam tais interações, que inspiram segurança, que traduzem uma corporação em que se pode confiar e com a qual será bom positiva uma atuação conjunta. Os que lidam com startups sabem muito bem a importância disso. O restante do mercado também precisa aprender. É a oração que temos repetido e que deveria ser repetida por todo profissional do Direito Empresarial.  

Mas vamos além, ainda que o objetivo do texto seja uma mera revista – ou ilustração – sobre o tema. Em pessoas jurídicas para as quais se tem em vista negócios corporativos futuros (incorporação, fusão, cisão parcial para incorporação, trespasse etc), o ato constitutivo pode cumprir uma função comunicativa bem própria; deve passar segurança (que, de resto, deve estar lastreada em escrituração contábil primorosa e acervo documental compatível). Não é comum tomar o assunto da dimensão escritural de uma sociedade por tal ponto-de-vista. Entretanto, é impossível não tomar parte dessas negociações e não perceber que plataformas normativas confusas, contabilidade desordenada ou confusa ou deficiente (ou qualquer outro elemento que inspire desconfiança) e acervo documental incompleto, falho e mesmo desordenado, recomendam não levar as tratativas adiante. Pelo avesso, as decisões são mais ágeis e dinâmicas quando tais elementos comunicam segurança.

Na mesma linha, embora com ênfase nas plataformas normativas terciárias (ainda que seja benfazejo haver âncora na primária: o ato constitutivo, normas de regulação patrimonial e sobre a atuação empresarial, do que é exemplo o Código de Ética (compliance) e o regimento interno. Mas é possível ir além e muitas sociedades o fazem, nomeadamente holdings de controle e/ou de participação. Usando de acordos de sócios ou de plataformas terciárias, promovem uma caracterização minuciosa de seus ciclos de atuação, como fases obrigatórias para investimentos vultosos, programas de avalição e auditagem permanentes, obrigação de estudos e pareceres e referências assim? Demais para os pobres mortais? É preciso desmistificar isso. Basta o irmão que ocupa a administração societária de uma holding familiarfazer um investimento desastroso, à revelia dos demais sócios/parentes, para que se percebam que o parâmetro corporativo que se tinha como excessivo para uma pequena ou média azienda era… seria… a salvação. Mas não havia… não se previu… não se regulou… e agora, olha o leite ali, derramado, no chão. O que fazer?

A oportunidade está aí. A instigação está posta. Para os mais dinâmicos, eis o estímulo escancarado. Os investimentos em Direito terão que se dar; empresas terão que trabalhar mais e mais com tecnologia, inclusive jurídica. É preciso habilitar-se, aprimorar-se, qualificar-se para, enfim, notabilizar-se como solução para clientes e usuários. Esse é um nicho profissional de alta performance. Um nicho que exige eficiência, de maneira forte. Os investidores monitoram os resultados e, por eles, medem e marcam o mérito do trabalho, definindo novas oportunidades. Então, é preciso reformular a abordagem advocatícia para que haja um correspondente aumento na procura por serviços profissionais. Esse cenário, esse momento e suas chances, fazem-nos extremamente otimista em relação ao futuro do Direito Empresariale do Direito Societário. Mas é preciso foco na oferta de soluções idôneas e preferencialmente impecáveis.

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