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O Advogado e a Engenharia de Capital

Gladston Mamede
Gladston Mamede

05/08/2024

Ficamos felizes com as repercussões positivas de nosso primeiro artigo sobre engenharia de capital, ainda que o tema (Engenharia de Capital e Equalização de Custos nas Parcerias Empresariais). O interesse das comunidades acadêmica e profissional sinalizando para um contexto mercadológico em que capitalistas (investidores), gestores (administradores societários, gerentes etc) e assessores empresariais (advogados, contadores, economistas etc) deixa patente que o mercado brasileiro está interessado em se profissionalizar, em ser mais técnico em seus movimentos, incorporar tecnologia de todas as ordens (inclusive das Ciências Sociais Aplicadas), visando um desenvolvimento sustentável, soluções de metodologia mais segura, inovação e redução de riscos e impactos. Perceber isso é alvissareiro: um manejo organizacional mais sólido é a chave para o impulso econômico que o país e sua população necessitam. 

Para quem não está à par das investigações em torno da engenharia de capital, vamos a um começo, uma introdução. No geral, negócios demandam investimentos. Demandam capital. Como consegui-lo? Eis a pergunta que inaugura a engenharia de capital, área multidisciplinar de vital importância que lida, com questões interessantes como: necessidade (qual o capital necessário?), origem (onde conseguir?), meios (como conseguir?), custo (quanto custará?) etc. Nem todo mundo se preocupa sequer com o mais elementar: quanto será necessário para montar e tocar adiante certa empresa ou empreendimento; um negócio, como se diz por aí. Capital não é algo que abunde; pelo contrário: caçam-no avidamente empresas, instituições financeiras, fundos etc. E o capital tem custos, sejam implícitos, sejam explícitos (juros como melhor exemplo). Sim, somos enfadonhos na repetição do tema, seja em nossos livros, seja em nossos artigos; mas sua importância é tanta que, sim, demanda uma ladainha.

Se dá para tirar do próprio bolso, das próprias economias, não há grande mistério, embora ainda seja recomendável e responsável fazer cálculos e estudos sobre os impactos disso. Sim! Também o capital próprio tem um custo! E se o custo do capital próprio supera o retorno esperado (provável), não vale a pena investir. E essa equação é técnica; o achismo geralmente é trágico, salvo muita sorte. Mas sorte é assunto de cassinos, não de estudos acadêmicos (Direito, Contabilidade, Administração de Empresas, Economia). Quem não faz do empresariar um ato de jogatina, recorre à engenharia de capital. Quer ver? Você não acreditará, mas há casos em que não vale a pena usar capital próprio (ou transformar bens em capital, alienando-os). Não há uma fórmula: é preciso avaliar todas as implicações e repercussões, calculando e comparando as alternativas. Por isso se fala em engenharia. Mas não vamos adiante: essa parte da engenharia de capital não é jurídica. Na mais absoluta cara-de-pau, enunciamos um truísmo: aos juristas cabe a parte jurídica. E meios jurídicos diversos impactam o cálculo do custo de capital, razão pela qual contadores, economistas, gestores financeiros, entre outros, deixam-nos sentar à mesa. Aliás, precisam de nós à mesa. Quer ver?

Feitos os cálculos, o empreendimento demanda um investimento de R$ 5.000.000,00 em seis meses, para que seu estabelecimento possa ser instalado e a atividade negocial pode ter princípio. Os especialistas (não somos nós, ainda; são outros; por exemplo, se é uma mineração, teremos que incluir o pessoal da Engenharia de Minas) que fizeram o cálculo das instalações também estimaram uma necessidade adicional de R$ 1.000.000,00 para capital de giro, estimando que o caixa passará a experimentar ingresso (vendas!) em tempo estimado de… Viu? Engenharia de capital não é coisa simples. É sério. Mas, há que se encontrar R$ 6.000.000,00, percebeu? Qual meio jurídico para isso? Aporte pelos sócios? Aceitar novos sócios? Está se levando em conta a diluição da participação societária e o impacto sobre o controle societário? Se companhia, que tal emitir ações preferenciais? Sócio para a sociedade ou só para o empreendimento? Constituir uma subsidiária para a participação deles? Deixá-lo(s) ingressar na sociedade e posicionar os sócios anteriores numa holding? Recorrer a um contrato de sociedade em conta de participação? Financiamento bancário? Qual tipo? Quais cláusulas contratuais? Emissão de debêntures? Qual modalidade e com quais cláusulas?

O advogado não decide isso. Ele fornece os subsídios jurídicos para que os empreendedores (sócios, gestores) tomem a decisão. Ele, advogado, em conjunto com os demais profissionais (experts) de outras áreas, como dito: a engenharia de capital é matéria de diálogo interdisciplinar obrigatório. E isso envolve não apenas o cálculo do volume de capital que será preciso alocar para o empreendimento (uma empresa, mas também, um novo produto, uma filial etc), assim como uma estimativa do volume de negócios, do retorno provável (receita e lucratividade, incluindo impostos e contribuições parafiscais, o que é matéria jurídica) e mesmo os riscos envolvidos. Não basta perceber uma oportunidade; o empresariar responsável (não-leviano) considera um mapa bem mais amplo. E, como temos repetido à exaustão, demandam-se advogados que dominem tecnologia jurídica à altura de tais desafios. No mínimo para criar alternativas para o vício brasileiro de levantar capital por meio de financiamentos caríssimos e com riscos pessoais elevados: garantias reais e/ou fidejussórias.

É claro que existem zonas mistas, vale dizer, áreas em que o trabalho deverá ser compartilhado de forma mais próxima entre os diversos experts, incluindo o advogado. Um exemplo claro está na opção por uma capitalização modalizada da sociedade: se o projeto de constituição do empreendimento (a incluir, por exemplo, imobilização: a construção de uma planta de produção) compreende um tempo mais demorado, o aporte total e simultâneo do capital necessário implica uma perda óbvia: o custo do capital parado. Muitos não percebem isso: dinheiro parado tem um custo. A deliberação financeira e jurídica, então, pode ser por aportes sucessivos: em prazos ou termos (datas) certos, ou em fases definidas, tomadas como condições suspensivas para o exercício da obrigação de integralizar o montante subscrito, quando não operações de financiamento em que a disponibilização dos valores se faça modalizada (prazo, termo ou condição suspensiva: fases). Isso é negociado e deve constar de plataformas normativas que regulamentem a alternativa: contrato ou estatuto social (plataformas normativas primárias), acordo de sócios (plataforma secundária) ou mesmo o contrato de financiamento, a exemplo do project finance

O desafio é que há variantes a serem consideradas, como a proporção oportunidade versus riscos, que pode ser tratada de maneiras jurídicas; por exemplo, o mercado fala (e pratica) o chamado prêmio de oportunidade e, mesmo, prêmio de risco. Assim, não é incomum que participações societárias (participações no capital investido em determinada sociedade empresária) sejam vendidas com ágio (com valor superior ao seu valor contábil: capital social dividido pelo número de quotas ou ações), remunerando (premiando) o cedente pela vantagem de mercado que conquistou e, com o negócio, transfere ao cessionário. O prêmio de oportunidade também é comum na transferência de ativos, pontos empresariais, oportunidades negociais. Compõe a tecnologia da engenharia de capital de múltiplas maneira, inclusive na contratação de retorno menor como forma de remunerar a oportunidade. O risco, por seu turno, funciona de forma inversa. O capital que experimenta risco maior é premiado para ver-se alocado na empresa/empreendimento; se um financiamento, juros maiores; se quotas ou ações, aquisição por valor menor do que o contábil. Não são referências jurídicas, mas referências que podem ter reflexo, implicações e expressão jurídicas.

Reiteremos o aspecto multidisciplinar: advogados não calculam custo de capital, não recorrem às fórmulas apontadas para tanto, a exemplo do custo médio ponderado; listam meios jurídicos de capitação, discutem sua adequação ao caso concreto; os especialistas financeiros fazem suas contas, a incluir custos explícitos e implícitos. É claro que há áreas cinzentas: a opção pelo financiamento bancário, por exemplo, tem expressões diversas com impactos jurídicos, financeiros e contábeis: periodicidade da disponibilização dos valores, periodicidade e forma dos pagamentos, modelo de juros, garantias exigidas e seus reflexos. Destaque-se que, dependendo da forma como se estruture a operação, seu resultado para a azienda é tão ou mais positivo do que a capitalização com recursos próprios (aporte direto, conversão de reservas, conversão de lucros etc). Exemplo comum são operações de financiamento em que o aporte do capital  emprestado se faz à medida em que será empregado no empreendimento, evitando que a azienda suporte valores parados no caixa (ou aplicados em investimentos cuja remuneração é baixa). Reiteramos: não há fórmula única. Mais do que isso: em incontáveis situações, a escolha entre os caminhos é estratégica: uma aposta fundamentada (que leva em conta estudos técnicos) entre alternativas que se equivalem quando comparadas: um equilíbrio entre ônus e bônus, riscos e oportunidades, vantagens e desafios. Esse último passo, a decisão, é próprio do capitalista (investidor) e/ou gestor (administrador societário).

Veja um exemplo verdadeiro. Há muitos anos, um empresário, analisando suas contas, percebeu que o aluguel de galpões para estoque de insumos pesava fortemente em seus custos. Pareceu-lhe que seria melhor, e com efeitos positivos de longo prazo, imobilizar capital na compra de terrenos e construção de dois galpões amoldados às suas necessidades. Havia reservas de capital para tanto e, somadas a uma projeção do fluxo de caixa, a construção, sem uso de financiamento, poderia ocorrer facilmente, segundo sua avaliação. Os terrenos foram identificados e comprados, os projetos foram feitos sob a medida de suas necessidades, aprovados junto ao Município, e a construção iniciou-se. Infelizmente, a aposta se mostrou equivocada. A imobilização de capital acabou provocando uma crise de liquidez no caixa: passou a faltar capital de giro, como diz o mercado: dinheiro para pagar contas correntes. Poderíamos gastar alguns parágrafos narrando essa odisseia: a luta para reequilibrar o patrimônio empresarial ou, como gostam de dizer os teóricos da Contabilidade, a azienda. Mas vamos direto ao final: apesar de todos os esforços, a sociedade viu-se engolida por uma crise econômico-financeira e o pedido de recuperação judicial foi inevitável.  O mais interessante: a sociedade tinha balanço no azul, ou seja, seu patrimônio ativo era muito superior ao patrimônio passivo; seus bens, créditos e direitos superavam suas obrigações. Mas, sem liquidez, não há dinheiro para pagar o que se deve no momento em que a obrigação conhece seu vencimento. E isso pode ter outras repercussões, como multa e juros. 

Essa é a realidade: a melhor condução de uma empresa envolve alta tecnologia jurídica. E isso inclui áreas multidisciplinares, como a engenharia de capital. De qualquer sorte, o mercado terá que aprender que sem um bom advogado, não há boa estruturação jurídica de empresa; o que se gasta com um advogado não é despesa, nem custo: é investimento.


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