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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
EMPRESARIAL
REVISTA FORENSE
As sociedades de economia mista
Revista Forense
09/12/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 156
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1954
Bimestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 156
CRÔNICA
DOUTRINA
- O princípio da igualdade perante a lei, Nestor Duarte
- Da Dogmática jurídica, Paulo Carneiro Maia
- A administração e o controle de legalidade, Caio Tácito
- As sociedades de economia mista, Válter T. Alvares
- A condição civil da mulher casada, Lino de Morais Leme
- O processo administrativo tributário, Rui Barbosa Nogueira
- Culto, João De Oliveira Filho
PARECERES
- Impôsto de Vendas e Consignações – Impôsto de Exportação, Francisco Campos
- Rendas Locais – Arrecadação Estadual – Impôsto de Renda – Participação dos Municípios, Gilberto de Ulhoa Canto
- Mercado Municipal – Domínio Público – Autorização Administrativa – Executoriedade Dos Atos Administrativos, Antão de Morais
- Anistia – Conceito – Pagamento de Vantagens a Militares, A. Gonçalves de Oliveira
- Juiz – Promoção Automática – Elevação de Entrância, Gabriel de Resende Passos
- Ministério Público – Unidade e Indivisibilidade da Instituição, J. A. César Salgado
- Advogado – Ingresso nos Cancelos dos Juízos e Tribunais, Cândido de Oliveira Neto
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Hugo Grocio, Hidelbrando Acióli
- Lúcio de Mendonça, F. C. San Tiago Dantas
- Do Corpo de Delito, José Frederico Marques
- A Homologação das Sentenças Estrangeiras de Divórcio, João de Oliveira Filho
- A Emissão de Ações com Ágio, Sílvio Marcondes
- Poder Discricionário do Juiz
- Exceção de Inexecução de Contrato Bilateral, Arno Schilling
- Reintegração de Posse “Initio Litis”, Enéias de Moura
- Justiça do Distrito Federal, José Pereira Simões Filho
- José Antônio Pimenta Bueno, Dr. Laudo de Almeida Camargo
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Noção jurídica e espécies. Criação espontânea e por via legal. Participação de Municípios. Iniciativa de constituição da emprêsa. Capitais e administração. Elementos característicos da companhia mista. Linha de evolução. A sociedade comercial pública.
Sobre o autor
Válter T. Alvares
DOUTRINA
As sociedades de economia mista
I Noção jurídica e espécies
1. A sociedade de economia mista, em plena floração no Brasil, começa a declinar na Europa e nos Estados Unidos antes de ter alcançado no campo do Direito a sua devida configuração ou conceituação jurídica.
Realmente, FLEINER não hesita em ensinar que a expressão sociedade de economia mista não designa noção jurídica alguma, porém sòmente indica que o capital privado e os fundos públicos reuniram-se a fim de contribuir para a exploração de uma emprêsa econômica: “Cette expression (gemischt – wirtschalftliche Unternehmung) ne designe pas une notion juridique” (FLEINER, “Droit Administratif Allemand”, pág. 82).
2. RIPERT não se afasta substancialmente do ponto de vista de FLEINER, quando observa que se torna necessário recorrer à lei sempre que se deseja criar êste tipo de sociedade. Distingue, então, duas grandes classes de leis com êsse objetivo: umas determinando que na sociedade a ser constituída o Estado será acionista ou administrador, ou os dois ao mesmo tempo; e outras criando sociedades de tipo especial, com tantas particularidades que cada sociedade se torna única em seu gênero (RIPERT, “Traité Elémentaire de Droit Commercial”, nº 1.500, pág. 588).
O eminente mestre, em outro trabalho, adianta que as sociedades de economia mista foram criadas ao sabor das circunstâncias, representando no fundo uma socialização disfarçada (RIPERT “Regime Democrático e o Direito Civil Moderno”, pág. 268), ao associar capitais públicos e privados em “um desejo tímido de socialização conciliadora” (RIPERT, “Aspecto Jurídico do Capitalismo Moderno”, página 54), mas de maneira a perturbar a vida das sociedades comerciais: “L’Etat justifie son intervention en faisant apport a la société. Mais sa seule presence suffit à bouleverser las règles des sociétés” (RIPERT, “Le Déclin du Droit”, pág. 59).
3. Neste mesmo diapasão também MIRANDA VALVERDE aborda o problema, quando escreve que as pessoas jurídicas de direito público podem figurar como subscritoras e as companhias assim constituídas denominam-se sociedades de economia mista “e contêm, nos seus estatutos, comumente, disposições aberrantes das regras que governais as sociedades anônimas” (MIRANDA VALVERDE, “Sociedades por Ações”, I, nº 223).
E VALDEMAR FERREIRA chega a fazer ironia: “Essa curiosa associação do Estado com os indivíduos, com o objetivo de industrialização dos serviços e explorações industriais daquele, efetiva-se sob a forma das sociedades mercantis, em regra sociedades por ações. Organizam-se como estas. Funcionam regularmente, com os órgãos estruturais da anônima. Diretoria. Assembléia geral. Conselho fiscal. Essa regularidade, entretanto, é mais aparente que real. Acionista preponderante, o Estado nelas intervém tomando para si a parte do leão… O Estado nelas se movimenta por via de dispositivos legislativos especialíssimos” (VALDEMAR FERREIRA, “Compêndio de Sociedades Mercantis”, volume III, § 172).
4. Estas sociedades poderão apresentar as variações seguintes: capital público majoritário ou minoritário ou igual à participação privada, acionistas só entidades públicas ou acionistas particulares e públicos. ARENA e RAVA denominam mesmo por azionariato misto vero e proprio, quando se reúnem capitais públicos e particulares, e azionariato misto impróprio, quando a colaboração é feita sòmente entre o Estado e outras entidades públicas (cf. ARENA, “Le società commerciali pubbliche”, págs. 20-21).
RAYMOND RACINE ainda distingue entre as sociedades de economia mista de formação espontânea (participação pública majoritária, ou minoritária ou igual à participação privada) e as sociedades de economia mista instituídas por decreto, com participação pública majoritária ou minoritária (R. RACINE, “Au service des nationalisations, l’entreprise privée”, páginas 18-19).
Participação de Municípios
5. A participação dos Municípios na constituição de sociedades de economia mista não apresenta dificuldade, de vez que são pessoas jurídicas de direito público (Cód. Civil, art. 14, III) e nesta qualidade os seus capitais associam-se aos de particulares, satisfeitas as exigências peculiares para aplicação de fundos públicos.
No Brasil, neste âmbito, ARRUDA VIANA refere-se expressamente a companhias mistas municipais, ao comentar a lei paulista de organização municipal (“O Município e sua Lei Orgânica”, pág. 260), e CRISTIANO MARTINS DA SILVA, comentando a lei mineira de organização municipal, não hesita em admitir que o Município participe de sociedades de economia mista, e completa sua informação: “Semelhante sistema, quando utilizado, não tem produzido resultados satisfatórios, e a maioria das autoridades de direito administrativo tem procurado demonstrar os seus inconvenientes. As sociedades de economia mista constituem-se, via de regra, segundo o sistema das sociedades por ações. A entidade pública, na eventualidade de constituição de sociedade dêste gênero, deve ser reservada a prerrogativa de aprovar ou vetar as suas decisões, ou pelo menos reter a maioria de votos em seu órgão deliberativo” (“Direito Público Municipal”, página 180).
6. Na Alemanha, a lei de organização municipal prevê mesmo a participação do Município em emprêsas mistas, exigindo sòmente que fôsse limitada a responsabilidade da comuna, daí ser invariàvelmente escolhida a forma da sociedade por ações ou da sociedade por responsabilidade limitada (ALTHAUS, “Das Recht der Gemeinden und Gemeindeverbande”, página 115).
Aliás, a própria Constituição alemã de 1919 previa, no art. 156, a participação dos Municípios, bem como dos Estados (Lander) e do Reich, como participantes da administração (Mitgesellschafter als Aktionar), segundo a lição de STIER SOMLO (“Handbuch der Kommunalen Verfassungsrechts”, in “Preussen”, pág. 35).
Na Itália, também a participação do Estado ou de outras entidades públicas (altri enti pubblici) em sua sociedade por ações constitui a sociedade mista (società mista), prevista pelo próprio Cód. Civil (arts. 2.458 e segs.), ensina RUGGIERO (“Istituzioni di Diritto Privato”, vol. II, pág. 330).
Na França, a comuna pode ser acionista, desde que tenha direito a ser representada no conselho de administração da sociedade organizada (M. FELIX, “L’activité économique de la commune”, vol. II, pág. 72).
Na Suíça, desde a primeira grande guerra, acentuou-se a tendência para a participação de pessoa jurídica de direito público, sob a forma de sociedades de economia mista, na exploração da indústria de energia elétrica, e são inumeráveis os exemplos oferecidos por comunas suíças, ainda que os cantões fôssem de início os maiores interessados (GIRTANNER, “Verstaatlichung oder aktive Gemeinschaftlenkung der et passim”).
7. No México a situação difere um pouco, pois a lei sobre emprêsas de participação estatal, como a legislação mexicana denomina as sociedades de economia mista, prevê sòmente a participação do govêrno federal em quatro distintas hipóteses (GABINO FRAGA, “Derecho Administrativo”, págs. 404-405), e nos Estados Unidos a corrida tem sido para as sociedades comerciais públicas, as government corporations, mas, quando se caracteriza uma sociedade de economia mista, tem sido sempre mediante participação do govêrno federal.
É o que se depreende dos ensinamentos de HALL, quando informa que a segunda guerra mundial testemunhou um outro extraordinário desenvolvimento, em número e em importância, das federal government corporations (HALL, “Government and business”, pág. 526).
E no caso da participação do govêrno federal ao lado do capital privado, dizia: “at the cost of more than $ 15.000.000.000,00 the United States Government through the RFC and other governmental agencies built and owned at least in part more than 2.800 plants for the production of war materials, including airplanes, iron and steel – products, machine tools, radios, aluminum, ships, ordenance equipment and many other products. Although the government owned all or part of these plants the greater number were privately operated” (idem, pág. 296).
8. Os Estados da União americana podem possuir e operar com emprêsas destinadas a serviços de utilidade pública, ou qualquer outra atividade comercial, segundo jurisprudência da Suprema Corte, enquanto que os Municípios ficam a depender das Constituições ou leis estaduais, quer através de autorização expressa ou implícita, que poderá lhes dar competência de criar e organizar emprêsas municipais, como expõem JONES e BIGHAM (“Principles of Public Utilities”, págs. 715, 716 e 719).
Em livro recente ERNEST STEEL é igualmente expresso: “All states now allow municipal ownership and operation of most utilities” (“Municipal Affairs”, pág. 263).
Mas, tanto o Estado como os Municípios não escolhem a forma da economia mista, antes preferindo o contrôle total, como ensina o clássico JOHN BAUER: “Under presents conditions, a municipal plant is usually owned directly by the municipality and is operated by a special department or comission. Like organization mostly applies to states or other government units” (“The Electric Power Industry”, pág. 332).
No mesmo sentido informa STEEL (ob. cit., pág. 258).
III. Capitais e administração.
9. A participação de capitais públicos e privados, exclusivamente, não tem sido considerada bastante para caracterizar a sociedade de economia mista, e o elemento administração tem sido sempre discutido.
A famosa definição de PASSOW, no seu “Die gemischt privaten und offentlichen Unternehmungen”, punha em destaque a participação da capital público e privado ao lado da participação particular e da entidade pública na administração, inclusive de parte de municipalidades: “Unter gemischt privaten und offentlichen Unternehmungen werden solche Unternehmungen verstanden, bei denen das verantwortliche, das eigene Unternehmungskapital teils von Privaten teils vom offentlichen Korperschaften (inshesongere Stadten und Kreisen) aufgebracht ist, und bei denen auch die oberste Leitund des Betriebes auf Grund des geminschaftlichen Eigentums von Privaten und offentlichen Korperschaften gemeinsan ausgeubt wird”.
Assim, PASSOW admite como tranqüila, baseado na lei e na doutrina alemã, a participação municipal, mas, entende que devem estar presentes as entidades públicas na parte do capital e na parte de administração, como a definição citada consigna.
Não se afasta substancialmente, do conceito de PASSOW, o oferecido por TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, como se constatará da seguinte transcrição: “A sociedade de economia mista é aquela em que se verifica sob uma estrutura de direito privado a participação financeira de uma pessoa pública e dos particulares, regendo-se por normas especiais e organizada a sua administração de forma a conciliar os interêsses econômicos dos sócios com o interêsse público, representado êste pela participação da pessoa de direito público na constituição do capital da empresa e na sua administração” (“Tratado de Direito Administrativo”, volume IV, pág. 336).
10. A participação da pessoa jurídica de direito público na administração da sociedade tem sido pacificamente admitida por toda parte.
Assim expõem RIPERT, como já se mostrou no início dêste trabalho, PASSOW, PIROU, ROGER BONNARD, STIER-SOMLO, MAURICE FELIX, TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, MIRANDA VALVERDE, e RUGGIERO chega mesmo a falar da possibilidade de administradores até sem participação do capital: “Quando in una società per azioni hanno participazione lo Stato o altri enti pubblici l’atto constitutivo puó conferire ad essi la facoltà di nominare uno o più amministratore o sindaci. Ciò può avvenire anche in maneanza di participazione azionaria” (RUGGIERO, “Istituzioni di Diritto Privato”, vol. II, pág. 330).
No mesmo sentido expõe ZANOBINI (“Corso di Diritto Amministrativo”, vol. V, pág. 231), e FLEINER também ensina que em virtude do Estado ou Município participarem do capital, tornam-se membros da sociedade e exercem influência sôbre a gestão da mesma (FLEINER, ob. cit., página 83).
HENRI ZHAHLEN, no seu famoso livro “Des Sociétés Commerciales avec Participation de l’Etat”, igualmente insiste neste particular de participação na administração: “Une entreprise à la direction de laquelle participent des personnes publiques, qui ont en vue l’intérêt de la communauté et des personnes privées, qui ont en vue leur intérêt particulier”.
11. No Brasil, não resta a menor dúvida, na doutrina, de que as sociedades de economia mista nascem da vontade do Estado e não da iniciativa particular, como observa OSCAR SARAIVA (artigo in “REVISTA FORENSE”, vol. 100, pág. 234), e ARNOLD WALD registra que a administração das sociedades de economia mista é regulada pela lei que cria a emprêsa (artigo in “Rev. do Serviço Público”, agôsto, 1953, pág. 50).
Também o Prof. VICENTE RAO ensina que: “O Estado, ao participar das chamadas sociedades de economia mista, sempre o faz criando para si, por lei ou contrato, uma situação especial, impondo diretrizes ou participando, predominantemente, de sua direção, o que confere a estas sociedades, embora formalmente sujeitas às leis do direito privado, uma natureza peculiar, resultante da circunstância de executarem fins ou serviços administrativos, ou estatais” (VICENTE RAO, “O Direito e a Vida dos Direitos”, vol. I, pág. 361).
E o eminente MIRANDA VALVERDE igualmente esclarece que no Brasil as sociedades de economia mista têm sido criadas por leis especiais, com derrogações do direito comum afim de assegurar ao Estado o contrôle da administração (artigo in “REVISTA FORENSE”, vol. 102, página 419).
Enquanto isso, o ilustrado consultor geral da República, CARLOS MEDEIROS SILVA, sustenta o cunho privado das sociedades de economia mista, de tal maneira que, qualquer desvio das normas legais peculiares às sociedades de natureza mercantil, deve resultar de texto expresso de lei (parecer in “REVISTA FORENSE”, vol. 145, pág. 100), ainda que reconheça que as sociedades de economia mista, como as autarquias, nascem da vontade estatal (parecer in “Rev. do Serviço Público”, outubro de 1953, pág. 114).
Elementos característicos da companhia mista
Ora, justamente estas leis de constituição de emprêsas mistas têm sido quase regra geral na criação destas sociedades, importando que “não será, admissível aplicar os textos da lei das sociedades por ações em pontos resolvidos pela lei de autorização” (parecer de SEABRA FAGUNDES, in ” REVISTA FORENSE”, vol. 146, pág. 87).
Tôda esta exposição doutrinária decorre da circunstância de não existir entre nós contribuição legislativa a respeito da forma e estrutura das sociedades de economia mista.
12. Há, todavia, no particular da legislação sôbre sociedades de economia mista, uma consideração especial no caso de participação da União na constituição dos órgãos da administração dessas sociedades, quando a lei chega mesmo a prever derrogação de artigos do diploma relativo às sociedades por ações, como se verifica do dec.-lei nº 2.928, de 1940, que exclui a aplicação obrigatória dos arts. 127, I, e 130 do dec.-lei nº 2.627, também de 1940, cujos dispositivos serão regulados pelos próprios estatutos.
Assim, o exame dos livros, papéis da sociedade, estado da caixa, e as reservas legais deduzidas dos lucros líquidos, serão livremente fixados pelos estatutos, nas sociedades de economia mista nas quais a União interfira diretamente em sua administração.
IV
13. A sociedade de economia mista, portanto, deve contar com o capital de entidades públicas e a participação destas em sua administração, sendo, em geral, muito comum estar ligada a atividades próprias da pessoa jurídica de direito público que tomou a iniciativa de sua organização.
Em voto vencedor, na reclamação nº 96, junto ao Supremo Tribunal Federal, o ministro GOULART DE OLIVEIRA afirmava: “No que concerne às sociedades de economia mista, justa a ponderação de que, regidas embora, em suas linhas mestras, pela legislação federal, pressupõem, para sua existência e funcionamento, a iniciativa estadual, desde que ligadas as suas atividades aos serviços do Estado” (“REVISTA FORENSE”, volume 125, pág. 132).
O Supremo Tribunal Federal, portanto, neste acórdão, inclina-se para a orientação doutrinária de que para a existência da sociedade de economia mista se torna necessária a iniciativa da pessoa jurídica de direito público em campo de sua atividade. Sem esta iniciativa da entidade pública não se caracteriza a emprêsa de economia mista.
14. Nesta altura já se pode ir tirando as seguintes conclusões, para que se caracterize uma sociedade de economia mista:
a) iniciativa de pessoa jurídica de direito público;
b) participação da entidade pública na administração mediante nomeação de representante ou através do contrôle direto da maioria das ações, ou as duas hipóteses simultâneamente;
c) ligação em geral a um serviço público;
d) participação do capital público;
e) participação do capital privado.
Êstes elementos aplicam-se tanto para a União, para os Estados, como para os Municípios. De sorte que, se a iniciativa fôr do Estado, participando o mesmo da administração, e no caso de eventual participação de municipalidades com capital, sem participar da administração, resultará que, ao se afastar o Estado, desaparecerá a sociedade de economia mista, ainda que as municipalidades permaneçam com o seu capital.
Igualmente, em uma sociedade de economia mista de iniciativa municipal, com representantes do Município na direção da emprêsa, e com quota de capital do Estado, desde que o Município se retire da emprêsa, a sociedade deixará de ser de economia mista, ainda continuando a quota do Estado, porém afastado da administração, ou não possuindo seu contrôle por meio de maioria de ações.
A sociedade comercial pública
15. Uma sociedade de economia mista será federal, estadual ou municipal, de acôrdo com a preponderância de cada uma destas entidades na formação do capital e na participação da administração.
Será municipal, mesmo havendo capital estadual ou federal, se o Município tiver o controle da administração e a maioria das ações, e o mesmo critério deverá ser aplicado quanto ao Estado e à União.
O afastamento da entidade pública responsável pela iniciativa de criação da emprêsa mista importará em que desapareça o seu capital e o seu contrôle da administração, assim descaracterizando a sociedade de economia mista. Caso participem outras entidades públicas, desde que as mesmas não tenham representantes na administração e nem o contrôle da maioria das ações, torna-se clara a inexistência da emprêsa mista.
Assim, caso o Estado se retire e os Municípios não tenham participação na, administração e nem o seu contrôle, em uma sociedade de economia mista de iniciativa estadual, esta emprêsa terá perdido a característica de uma sociedade de economia mista.
No caso de participação minoritária da entidade pública na formação do capital, nada impede que a lei de autorização da emprêsa mista estabeleça a participação obrigatória de representantes das entidades públicas, ou ao menos daquela que teve a iniciativa da constituição da empresa, na sua administração. Ora, neste caso, a ausência da entidade pública na administração também descaracteriza a companhia mista.
Conclusão
18. A conclusão inevitável da análise realizada é de que, apesar de funcionar sob a égide do direito privado, e de expressamente desejar ser uma entidade privada, a sociedade de economia mista lógica e inevitàvelmente coloca-se em zona de tangenciamento dos domínios do direito público e privado.
E RAYMOND RACINE ainda vai além, quando abertamente as coloca na órbita do direito público: “Dans la mesure ou, sur la base de ce qui précéde, de telles sociétés remplissent les conditions que requient un service public, à savoir: 1º, organisation suppléant à l’insuffisance de l’initiative privée; 2º, emploi éventuel de prérogatives de l’autorité publique; 3°, satisfaction régulière et continue d’un besoin collectif, primant ipso facto les dispositions du droit privé dont relévent les sociétés commerciales, la société d’économie mixte appartient bien au domaine du droit public” (R. RACINE, ob. cit., pág. 23).
17. Estas considerações doe RAYMOND RACINE são confirmadas por cresto do Tribunal Federal suíço quanto a uma sociedade de economia mista que explorava uma ferrovia: “En sa qualité de société anonyme, la defenderesse, a savoir l’exploitation d’un chemin de fer, n’est pas une entreprise de droit privé ordinaire, elle, au contraire, dans une trés large mesure le caractère d’un entreprise publique” (apud RACINE, loc. cit.).
E RACINE informa que êste acórdão fez jurisprudência para tôdas as sociedades comerciais públicas ou semipúblicas que exploram serviços públicos, como as emprêsas de energia elétrica, de distribuição de água, de gás, etc. (ob. cit., pág. 24).
18. Neste particular de serviço explorado pela entidade que teve a iniciativa de criação da sociedade de economia mista, não se deve deixar de repetir, porque também colhendo na espécie, a nosso ver, a observação do Prof. DARCI BESSONE sôbre as autarquias, de que a circunstância de ser direta ou indireta a administração não lhe subtrai o caráter de administração pública (DARCI BESSONE, “Contribuição ao Serviço Jurídico do Estado”, pág. 139).
Parece-nos que uma sociedade de economia mista explorando um serviço de utilidade pública está, na realidade, no exercício indireto de uma função pública, o que, todavia, não lhe subtrai o caráter de administração pública.
Esse exercício indireto de funções públicas está bem delineado por ZANOBINI (“Corso di Diritto Amministrativo” volume III, pág. 301) e BUTTGENBACH demonstra com clareza que são elementos fundamentais da definição do serviço público: 1 – a iniciativa de criação; 2 – a direção do poder público (artigo in “Revista de Serviço Público”, julho de 1953, pág. 71).
Ora, a sociedade de economia mista resulta de iniciativa do poder público, que regra geral, sôbre o mesmo mantém contrôle satisfatório ou direção imediata.
19. Também no Brasil já se fazem ouvir opiniões no sentido de ser classificada a sociedade de economia mista como parestatal, ainda que, segundo RUI DE SOUSA, “nesse plano, tendo como pressupostos a definição legal e os característicos próprios, intrínsecos, as entidades parestatais seriam organismos quase públicos, mas sujeitos, na carência de expresso texto legal, às normas de direito privado”, sem que se confundam com o Estado (“Serviços do Estado e seu regime jurídico”, in “Jurisprudência Mineira”, volume II, ns. 5 e 8, pág. 791).
E ALIOMAR BALEEIRO observa que as sociedades de economia mista estão submetidas quase ao regime de direito administrativo especial, “porque o govêrno é o seu maior acionista e também porque escolhe os seus diretores e lhes dá certas imunidades e regalias, colocando-as na zona de osmose entre o direito público e o direito privado” (apud JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira de 46”, vol. II, pág. 63).
20. De grande importância, nesta direção, o fato da Constituição federal, no art. 141, § 38, estabelecer o seguinte:
“Qualquer cidadão será, parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e sociedades de economia mista”.
Ora, o parágrafo citado, como ensina TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, institui a ação popular, preceito de aplicação auto-executória (“Constituição Federal Comentada”, vol. III, pág. 265) e se constitui circunstância de excepcional importância, para a caracterização das sociedades de economia mista, estarem as mesmas consignadas na Carta Magna e sob o alcance da fiscalização de qualquer do novo.
Trata-se de regra, a instituída pelo § 38, que possui tôda generalidade, orienta PONTES DE MIRANDA, e o direito existente como seu conteúdo não pode ser limitado pelas Constituições estaduais (“Comentários à Constituição de 46”, vol. III, pág. 381).
21. RIPERT dizia com muito, propriedade que as sociedades de economia mista representam uma socialização disfarçada e tudo indica que a sua linha de evolução é a de completa absorção pelo Estado.
E no presente estas sociedades cedem terreno às sociedades comerciais públicas, assim caracterizadas por ARENA: “surgem da vontade da lei declaradas de direito público, capital pertencente a entidades públicas com responsabilidade de participantes só no limite da quota subscrita, sujeitas a contrôle ministerial, com representante do govêrno em sua administração e tendo os seus estatutos aprovados pelo poder público” (ARENA, ob. cit., págs. 38-39).
Ou a formulação oferecida por BILAC PINTO, que denuncia “o declínio das sociedades de economia mista e advento das modernas emprêsas públicas; forma de emprêsa comercial, de propriedade e direção exclusivamente governamentais e com personalidade jurídica de direito privado” (artigo in “REVISTA FORENSE”, vol. 147, pág. 17).
Em ambos os casos, a sociedade de economia mista, que parecia ao professor GOPPERT, em 1924, um organismo providencial, oriundo não do desejo das entidades públicas de se livrarem de uma carga pública, mas resultando de duas fôrças provenientes de tendências que vão uma ao encontro da outra, sem conflito, para realizarem conjuntamente (HEINRICH GOPPERT, “Staat und Wirtschaft”, pág. 17), terá chegado ao apogeu, e, na linha de sua última conseqüência, abre caminho a novas formas de intervenção do Estado no domínio econômico, como, aliás, revelam as centenas de government corporations, de capital estatal, que proliferam nos Estados Unidos.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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