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Acumulação de cargos: a vedação imposta pela lei nº 14.195/2021
GEN Jurídico
27/07/2022
Neste trecho do livro Lei das Sociedades Anônimas Comentada, de autoria de Fábio Ulhoa Coelho, Ana Frazão, Mauricio Moreira Menezes, Rodrigo R. Monteiro de Castro e Sérgio Campinho, Rodrigo R. Monteiro de Castro discorre sobre a acumulação de cargos e a vedação imposta pela lei nº 14.195/2021.
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Acumulação de cargos: a vedação imposta pela lei nº 14.195/2021
Operou-se, em 2021, com o advento da Lei nº 14.195/2021, uma desnecessária (e ao mesmo tempo brutal) intervenção na autonomia organizacional das companhias abertas. Introduziu-se, com efeito, o § 3º do art. 138, que passou a proibir a acumulação de cargos de presidente do conselho de administração e do cargo de diretor-presidente ou de principal executivo da companhia.
A LSA, desde sua origem, não havia elegido a proibição de acumulação dos principais cargos dos órgãos de administração como princípio e, assim, não a havia estabilizado em norma posta. A administração da companhia, aberta ou fechada, podia ser organizada conforme características que refletiam a estrutura interna de capital (e de poder).
No entanto, com os esforços para criação de um ambiente aproximado ao que existe em outros países, como o norte-americano, caracterizado pela notável participação do cidadão comum (que também poupa mediante aplicação em ações), idealizaram-se teorias afirmativas da prevalência da dispersão sobre o modelo de controle majoritário. Daí o surgimento de diretrizes ou de comandos proibitivos de natureza não legislativa, como os que constam dos regulamentos do Novo Mercado,114 Nível 2115 e Nível 1116 – além da recomendação do IBGC117–, simbolizadores, em conjunto com outras narrativas, de falaciosa democracia corporativa.
É bom lembrar: o surgimento e a evolução da teoria da governança decorrem da necessidade de proteger o acionista, provedor de capital, da dominação da empresa pelo administrador: agente responsável pela execução do objeto e pela geração de lucros distribuíveis, o qual, no entanto, justamente pela inexistência de acionista detentor de participação relevante, monopoliza as decisões internas e passa a controlar e a orientar a empresa conforme seus interesses. Trata-se, assim, de movimento que evidencia preocupações com os possíveis conflitos de agência que se potencializam em sociedades sujeitas a controle gerencial.
O ambiente brasileiro, apesar do surgimento de determinadas corporations e de companhias controladas por acionistas que não detêm a maioria do capital (controle minoritário), tem
acumulação de cargos, assim, sempre decorreu da própria estrutura de poder corporativo. A proibição, que até 2021 não estava positivada em lei, além de estimular movimentos artificiais, redunda em formalismos que não se coadunam com a realidade fática.
Sim: nesses casos, o controlador, inclusive o minoritário, irá indicar conselheiros alinhados que, em movimento subsequente, também elegerão diretores alinhados. A desconcentração não passará, como já afirmado, de formalismo.
Os efeitos pretendidos pela proibição da acumulação poderão ser verificados, é verdade, nas poucas companhias com capital disperso, evitando-se, nesses casos, a concentração de poder gerencial que, por vezes, assombra companhias norte-americanas.
O dilema brasileiro advém, pois, da tentativa de absorção de técnicas ou de debates sem a devida adaptação. Cria-se, com isso, uma casta gerencial que não corre riscos patrimoniais e é elevada ao nível de guardiã da boa governação.
Novamente, proibir o controlador majoritário de companhia aberta de indicar presidente do conselho de administração e de influenciar a escolha do diretor presidente representa a negação da realidade e a escolha pela formação, artificial, de uma elite corporativa que perambula entre companhias que se curvam ao discurso “corporativamente” correto.
E, ainda, é importante destacar: não há evidências concretas de que a cumulação dos cargos de presidente do conselho de administração e da diretoria, em abstrato, é maléfica ou prejudicial, seja à própria companhia, seja ao mercado. Toda e qualquer análise nesse sentido deve ser casuística, sob pena da consolidação de pressupostos genéricos que são dissociados da realidade.
Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que, mesmo sem querer, evita-se, com a proibição, a tomada do controle empresarial nas poucas corporations brasileiras, a partir, justamente, do domínio de ambos os órgãos de administração. A indução do fortalecimento da posição do presidente do conselho de administração, em companhias com essas características, tende a criar um sistema interno de controle decisório que, aí sim, se aproxima do problema disseminado em companhias ianques.
De todo modo, eventuais conflitos pontuais não justificam a inserção da proibição na LSA.
Mas, com o advento da Lei nº 14.195/2021, qualquer companhia aberta, aderente aos segmentos do Novo Mercado, ou não, passou a se submeter ao regime da segregação obrigatória. A adaptação, quando o caso, deverá ocorrer em até 360 dias da data da publicação da lei, nos termos do art. 58, II.
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NOTAS
114 “Art. 20 A companhia deve prever, em seu estatuto social, que os cargos de presidente do conselho de administração e de diretor presidente ou principal executivo da companhia não poderão ser acumulados pela mesma pessoa” (Regulamento do Novo Mercado).
115 “Item 4.1 As Companhias listadas no Nível 2 de Governança Corporativa devem observar as seguintes exigências: (ii) observar, na eleição do Conselho de Administração, o mandato unificado de, no máximo, 2 (dois) anos; a exigência de Conselheiro(s) Independente(s); a vedação à acumulação de cargos de presidente do conselho de administração e de diretor presidente ou principal executivo da Companhia e as demais disposições da Seção V deste Regulamento” (Regulamento de Listagem do Nível 2 de Governança Corporativa).
116 “4.3. Vedação à Acumulação de Cargos. Os cargos de presidente do conselho de administração e de diretor presidente ou principal executivo da Companhia não poderão ser acumulados pela mesma pessoa, excetuadas as hipóteses de vacância que deverão ser objeto de divulgação específica ao mercado e para as quais deverão ser tomadas as providências para preenchimento dos respectivos cargos no prazo de 180 (cento e oitenta) dias” (Regulamento de Listagem do Nível 1 de Governança Corporativa).
117 “Item 2.3.1 O diretor-presidente não deve acumular o cargo de presidente do conselho de administração” (Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas).