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Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

11/01/2019

Quando se fala em algo inovador, criativo, inédito todos nós ficamos eufóricos e, sobretudo, curiosos para conhecer a novidade. Depois vem a frustração com sensação de que se está assistindo a um filme velho, com um novo nome. Falando em filmes, quantas vezes já não fui enganado, adquirindo filmes “inéditos” que não passam de filmes antigos, batidos, mas,  com nova rotulagem e com capa totalmente reformulada  que em nada se assemelha aos antigos já assistidos reiteradas vezes?

Nem sempre a rotulagem condiz com a realidade, ou melhor, muitas vezes,  ela é utilizada como uma forma de disfarçar a realidade, conferindo aparência diversa da real. Parodiando o aforismo popular eu diria “quem quer faz, quem nada quer, rotula”. A rotulagem que pode ser sinônima de camuflagem, de enganoso, de tramoia ou até mesmo de cinismo incorporou-se na rotina da sociedade brasileira.

A rotulagem  começa com o texto constitucional. O art. 37 da Constituição inseriu uma séria de princípios que não passam de meros rótulos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Na realidade, há violação em bloco desses princípios. As leis são sistematicamente violadas por parte dos próprios entes políticos que as editam. Outrossim, na administração pública a pessoalidade tornou-se uma regra; o conhecido “QI” está sedimentado no seio da administração. A imoralidade, por sua vez,  impera, apesar das operações da Lava Jato. Quanto publicidade, o que de fato existe é apenas aquela destinada a dar visibilidade às obras faraônicas do governo; fabulosas verbas consignadas para os órgãos de comunicações do governo são tão somente para comprar, a peso de ouro, os espaços na mídia, para veicular matérias que nada têm de interesse público; não dão publicidade, por exemplo, aos gastos mensais do governo em confronto com as respectivas receitas, pelo que, o controle privado da execução orçamentária que está no texto da Constituição Cidadã fica absolutamente inexequível [1]. Por fim, o princípio da eficiência tornou-se uma piada; não há nada tão ineficiente como o nosso serviço público, absolutamente incompatível com o que o cidadão paga de impostos: cerca de 54% dos preços dos serviços e mercadorias que consome.

Ainda nesse mesmo art. 37 há a previsão do teto remuneratório para ocupantes de cargos, funções e empregos públicos representado pelo subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, “incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”. Se na vigência da Emenda Constitucional nº 19/98 havia a ressalva quanto às vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho, na redação atual não mais existem quaisquer ressalvas. O subsídio mensal, em espécie, inclui todas e quaisquer vantagens como decorre  da cristalina redação do novo texto constitucional.

Todavia, as antigas vantagens pessoais como auxílio-moradia, auxílio transporte, auxílio paletó etc. continuam engordando esses subsídios mensais. O que é pior, receberam, por via da jurisprudência,  a qualificação de “verbas indenizatórias” o que as coloca fora do âmbito de tributação pelo imposto de renda.

Outrossim, o § 4º do art. 39 da Constituição prescreve:

“§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, e os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outro espécie remuneratório, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.” (o destaque é nosso).

A clareza do texto dispensa qualquer comentário. Entretanto, a “parcela única” a que se refere o texto constitucional continua sendo recheada de inúmeros penduricalhos que engordam a remuneração mensal, mediante a incrível interpretação doutrinária e jurisprudencial  no sentido de que a expressão “parcela única” está a significar um único pagamento por mês, e não pagamentos em várias parcelas, ou seja, para contrapor-se ao conceito de diarista.

Com interpretações desse jaez só se pode concluir que os textos constitucionais não expressam a realidade das coisas, mas que os legisladores constituintes simplesmente procuraram camuflar por meio de rotulagens tudo aquilo que é repelido pelo senso comum e pelos valores éticos e morais.

Essa mania de rotulagem está generalizada no âmbito da sociedade brasileira abrangendo o setor público e privado. Quando há passagem de um determinado ponto comercial, posto de gasolina, por exemplo,  para outro agente econômico é costume colocar uma placa ou faixa chamativa – sob nova direção – dando a entender aos consumidores que o novo proprietário propiciará um atendimento de qualidade melhor do que a antiga direção do estabelecimento comercial. Na verdade, nada disso acontece. Continua prestando os mesmos serviços claudicantes com os mesmos funcionários de então. Às vezes, essa “nova direção” piora a qualidade dos serviços prestados.

Nos congressos, simpósios, seminários é comum ver propagandas na mídia anunciando temas palpitantes da atualidade  e questões  inéditas, despertando o interesse geral dos participantes. A grande surpresa é que a abordagem desses “temas palpitantes” e “questões inéditas” nada têm de novidade, repetindo sempre a mesma ladainha que ninguém mais consegue continuar ouvindo. Estão dando denominações novas  às “velharias” do passado por uma questão de concorrência ou outra razão qualquer. Hoje, tudo que acontece ou que deixa de acontecer é motivo para um simpósio, um seminário, uma jornada de estudos, uma profunda meditação etc. Já virou moda rotular um evento com uma denominação chamativa, sabendo de antemão os seus organizadores que o seu  conteúdo nada tem a ver com a denominação dada ao evento.

Tudo isso, em última análise, revela que estamos vivenciando um momento de profunda crise ética que faz com que os organizadores de eventos explorem a boa-fé de seus participantes para auferir vantagens indevidas, materiais e imateriais.


[1] Como estudioso do direito financeiro fiquei curioso em saber qual o percentual de verba consignada no Ministério de Ciências e Tecnologia tendo em vista o total da receita estimada. As publicações existentes nos sites do Ministério da Fazenda ou do Ministério do Planejamento são das mais nebulosas. Depois de abrir mais de vinte arquivos com dados confusos e complicados desisti da pesquisa. Tudo é feito para não trazer à tona a realidade: a aplicação de parcela ínfima da receita para a área responsável pelo crescimento econômico a médio e longo prazos. Não é possível que técnico-brurocratas remunerados a peso de ouro não consigam sequer apontar o percentual cabente a cada Ministério.

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