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CONSTITUCIONAL
Súmula Vinculante 8 e a Constitucionalidade da Lei de Execução Fiscal
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUPERVENIENTE
EXAME DE COMPATIBILIDADE DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL EM FACE DA ATUAL ORDEM CONSTITUCIONAL
ORDEM CONSTITUCIONAL PRETÉRITA
Leonardo Vizeu Figueiredo
22/11/2016
Considerações sobre o verbete nº 08 da Súmula Vinculante do egrégio Supremo Tribunal Federal e a constitucionalidade da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, DE 1980) em face da Constituição de 1967 (EC 1969) e da constituição da república federativa do brasil de 05 de outubro de 1988
1 –Introdução.
1 . O presente artigo cuida da análise do Verbete nº 08 da Súmula Vinculante do Egrégio Supremo Tribunal Federal e dos seus reflexos sob o ordenamento jurídico pré-constitucional, mormente a Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), no que tange ao conteúdo tributário da mesma. Objetiva-se a fixação da devida hermenêutica em relação à aplicação do art. 2º, §3º, do art. 8º, §2º, e do art. 40, caput, e §4º, tendo por parâmetro a ordem jurídico-constitucional de 1967 e 1969, bem como à ordem jurídico-constitucional inaugurada em 05 de outubro de 1988.
2 . Tal estudo se faz necessário tendo em vista que a jurisprudência da Corte Superior da Justiça, das Cortes Federais Regionais, bem como das Cortes de Justiça, tendem a reconhecer a inconstitucionalidade formal superveniente da Lei de Execução Fiscal no que se refere aos dispositivos que versam sobre as causas de interrupção e suspensão de prescrição em matéria tributária, tomando por parâmetro de controle a regra do art. 145, III, “b”, da Constituição da República Federativa do Brasil. Respaldam, tal entendimento, ainda, na recente edição do Verbete nº 8 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, a seguir transcrito:
SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAM DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
3 . Assim, mister se faz fixar a devida hermenêutica histórico-constitucional da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), situando o presente estudo na verificação da constitucionalidade material e formal da referida norma de acordo com o ordenamento jurídico constitucional na data de sua edição, bem como em face das disposições constantes na Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
2 – DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL.
4 . Não obstante os fortes argumentos levantados na jurisprudência infraconstitucional para o reconhecimento da inconstitucionalidade da aplicação da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), em relação à matéria tributária, pedimos vênia para discordar, ante as razões de direito a seguir expostas.
5 . Passemos a análise do respectivo dispositivo legal, por didático e oportuno.
6 . Ab initio, não há como se desconsiderar a aplicabilidade das regras do art. 2º, §3º, do art. 8º, §2º, e do art. 40, caput, e §4º, da Lei nº 6.830, de 1980, a seguir transcritos, que determinam, expressamente, causas de suspensão e interrupção de prescrição:
Art. 2º – Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
(…)
3º – A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
(…)
Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
(…)
2º – O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.
(…)
Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
(…)
4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
7 . Isto porque, em que pesem as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, há que se privilegiar o princípio de presunção de constitucionalidade de leis e, enquanto não houver pronunciamento oficial do Supremo Tribunal Federal, aplicar-se os dispositivos susomencionados da Lei de Execução Fiscal, mormente por se tratar de ato normativo existente, válido, eficaz, efetivo e aplicável.
8 . Há que se ter em mente que a vontade estatal manifesta-se através do exercício de suas funções típicas, emanações de seu Poder Constituinte Absoluto, que, na lição de Montesquieu, inspirado na obra de Aristóteles, materializa-se nas seguintes expressões do Poder Constituído do Estado: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si[1], que são basilares na estrutura da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito.
9 . Ao Legislativo, dotado de representatividade popular, compete, precipuamente, a função normativa de elaboração de lei e fiscalização das contas decorrente do regular exercício das demais funções; ao Executivo compete a fiel execução da lei, isto é, sua conversão de ato geral e abstrato em ato individual e concreto, daí dizer-se que o Executivo aplica a lei ex officio; ao Judiciário compete a aplicação da lei aos casos que lhe são submetidos mediante provocação das partes interessadas, com o fito de compor os conflitos de interesses decorrentes dos litígios que lhes são submetidos para apreciação e julgamento, bem como o controle da verificação de validade e compatibilidade dos atos editados pelo Legislativo com a Carta Política.
10 . Destarte, em estrita obediência ao Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis, bem como ao Princípio da Separação Harmônica dos Poderes Constituídos do Estado, conforme demonstraremos adiante, torna-se juridicamente impossível ao Executivo deixar de aplicar lei vigente, de observância obrigatória e caráter cogente, mormente por se tratar de ordenamento legal que versa sobre arrecadação de receitas públicas, sob pena de responsabilização penal, cível e administrativa.
11 . Via de regra, reserva-se ao poder constituído executivo a função administrativa de dar fiel cumprimento a constituição e as leis, tendo competência normativa para sua regulamentação. Todavia, não como negar que o atual texto constitucional reserva ao chefe do executivo uma certa atribuição política no que tange ao controle de constitucionalidade. Isso porque, o texto constitucional é expresso ao determinar que:
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. (…)
1º – Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
12 . Resta claro, portanto, que o chefe do executivo exerce um papel político no que se refere ao controle de constitucionalidade de leis, uma vez que a constituição lhe confere atribuição para vetar os projetos de leis que julgue inconstitucionais (caráter jurídico) ou inconvenientes (caráter político).
13 . Assim, surge a seguinte indagação: poderia o chefe do executivo deixar de executar uma lei por entendê-la inconstitucional? Sobre o tema, apresentam-se duas correntes:
1ª De cunho mais tradicional, formada na vigência do ordenamento constitucional anterior, entendia que o chefe do Executivo poderia, por sua conta e risco, autorizar a não aplicação de lei que reputa inconstitucional. Principais defensores: Carlos Maximilliano (in Comentários à Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos. 1918. P. 226 e 252); Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (in Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT. 1974.p. 624); Miguel Reale (Parecer publicado no Diário Oficial de São Paulo, de 19 de março de 1963); e Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: RT. 1989. P.615);
2ª Após a vigência da atual CRFB, entendem os defensores desta corrente que não subsiste mais a faculdade do Chefe do Executivo de negar aplicação a lei, uma vez que este pode deflagrar o controle de constitucionalidade, representando, ainda, tal ato, em grave violação ao princípio da legalidade. Principais defensores: Zeno Veloso (in Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. p. 322); Celso Antônio Bandeira de Melo (in Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. p. 175); e Gilmar Ferreira Mendes (in O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade. Revista Arquivos do Ministério da Justiça 186/41, ano 48, jul/dez de 1995).
14 . A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende pela 2ª corrente. Neste sentido: ADIn nº 221-0DF, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 151/131.
15 . Isso porque, há que se privilegiar inexoravelmente o princípio de presunção de constitucionalidade das leis. Nessa linha, havendo mais de uma possibilidade hermenêutica de subsunção da norma, deverá prevalecer aquela que se revela compatível com o ordenamento jurídico-constitucional.
16 . Corroborando tal entendimento, tanto a clássica, quanto a moderna doutrina são acordes. Na lição de Carlos Maximiliano[2]:
“Todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo; portanto, se a incompetência, a falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade, em geral, estão acima de toda a dúvida razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do deliberado por qualquer dos três ramos em que se divide o Poder Público. Entre duas exegeses possíveis, prefere-se a que não infirma o ato de autoridade. Os tribunais só declaram a inconstitucionalidade de leis quanto esta é evidente, não deixa margem a séria objeção em contrário. Portanto, se, entre duas interpretações mais ou menos defensáveis, entre duas correntes de idéias apoiadas por jurisconsultos de valor, o Congresso adotou uma, o seu ato prevalece. A bem da harmonia e do mútuo respeito que devem reinar entre os poderes federais (ou estatais), o Judiciário só faz uso da sua prerrogativa quando o Congresso viola claramente ou deixa de aplicar o estatuto básico, e não quando opta apenas por determinada interpretação não de todo desarrazoada”. – grifamos.
17 . Outrossim, vale citar o magistério de Luís Roberto Barroso[3]:
“A presunção de constitucionalidade das leis, encerra, naturalmente, uma presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido contrário do órgão jurisdicional competente. O princípio desempenha uma função pragmática indispensável na manutenção da imperatividade das normas jurídicas e, por via de conseqüência, na harmonia do sistema. O descumprimento ou a não-aplicação da lei, sob o fundamento de inconstitucionalidade, antes que o vício haja sido proclamado pelo órgão competente, sujeita a vontade insubmissa às sanções prescritas pelo ordenamento. Antes da decisão judicial, quem subtrair-se à lei o fará por sua conta e risco. Em sua dimensão prática, o princípio se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor.” – grifamos.
18 . Assim, uma vez que a Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), se trata de norma legal cogente e em plena vigência, não há razões de fato ou de direito que justifiquem o afastamento de seu campo de incidência, devendo ser privilegiada a boa técnica hermenêutica constitucional, consoante as lições doutrinárias susomencionadas.
19 . Visto isso, passemos a análise do tem em tela, em uma perspectiva histórico-constitucional, por didático e oportuno.
3 – DA ANÁLISE HISTÓRICO-CONSTITUCIONAL DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL.
20 . Ainda que se argumente que prescrição é matéria processual- tributária de reserva à lei complementar, há que se ter em mente que a reserva a lei complementar em matéria processual-tributária somente foi introduzida no direito pátrio com a Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, a teor do art. 146, III, “b”, a seguir transcrito:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. – grifamos.
21 . Todavia, o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966) foi promulgado como lei ordinária sob a égide da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, o qual não reservava a matéria à lei complementar, a teor dos arts. 15, 21, 65, II, e 141, §34.
22 . Outrossim, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, posteriormente emendada em 17 de outubro de 1969, foi reservada à Lei Complementar, tão-somente, as matérias relativas às normas gerais sobre direito tributário, sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como matérias relativas às limitações constitucionais do poder de tributar, a teor do art. 18, §1º, a seguir transcrito, ficando de fora matérias relativas à obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários, as quais somente foram especial e expressamente colocadas sob a reserva de Lei Complementar com a atual Constituição:
Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir:
(…)
1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar. – grifamos
23 . Por sua vez, a Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), que trata de normas processuais-tributárias relativas à inscrição em Dívida Ativa, dentre as quais a prescrição se inclui, foi promulgada igualmente como lei ordinária, sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, posteriormente emendada em 17 de outubro de 1969, a qual, conforme já visto, não reservava o tema prescrição à normatização exclusiva por lei complementar.
24 . Assim, tendo em mente o princípio tempus regit actum, à época em que as legislações acima vieram a lume, ambas eram leis ordinárias, as quais foram recepcionadas, a posteriori, pelas constituições ulteriores com status de lei complementar, sendo que, no que se refere, especificamente, à prescrição em matéria tributária, esta somente passou a ser reserva de lei complementar a partir do atual diploma constitucional.
25 . Isto porque, tão-somente com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, tal matéria, como já foi visto, ficou expressa e especialmente sob a reserva de lei complementar, sendo consenso doutrinário que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966) foi recepcionado como lei complementar, em caráter formal.
26 . Em um exame perfunctório da matéria, dá-se, em regra, à Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980) natureza de lei ordinária, após 05 de outubro de 1988. Todavia, uma vez que, ao ser promulgada nos idos de 1980, a mesma igualmente tratava de matéria processual-tributária que não se encontrava, à época, sob a estrita reserva de lei complementar, a exegese, em sede de jurisdição constitucional[4], que melhor se aplica é a de que a Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), no que se refere à matéria de prescrição em seara tributária, foi recepcionada com status de lei complementar, procedendo-se a uma interpretação conforme à constituição.
27 . Todo e qualquer entendimento em sentido contrário, redundaria em se reconhecer a inconstitucionalidade formal superveniente do art. 2º, §3º da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), o que não se coaduna com a nossa melhor doutrina, tampouco com nossa mais autorizada jurisprudência constitucional.
28 . Nesse sentido, confira-se a clássica lição de Norberto Bobbio:
“É certo, portanto, que com a revolução tem-se uma interrupção na continuidade (do ordenamento jurídico); ela é um divisor de águas entre um ordenamento e outro. Mas essa divisão é absoluta? O ordenamento velho e o ordenamento novo estão em relação de exclusão recíproca entre si? Eis o problema. A resposta só pode ser negativa: a revolução opera uma interrupção, mas não uma completa solução de continuidade; há o novo e o velho, mas também o velho que se trasvaza no novo e o novo que se mistura com o velho. É um fato que, normalmente, parte do velho ordenamento, passa para o novo e apenas alguns princípios fundamentais referentes à Constituição do Estado se modificam. Como se explica essa passagem? A melhor explicação é aquela que recorre à figura da recepção. No novo ordenamento tem lugar uma verdadeira e autentica recepção de boa parte do velho (…). A recepção é um ato jurídico com o qual um ordenamento acolhe e torna suas as normas de outro ordenamento, onde tais normas permanecem materialmente iguais, mas não são mais as mesmas com respeito à forma”[5]
29 . Outrossim, colaciona-se a lição de José Joaquim Gomes Canotilho:
A inconstitucionalidade superveniente refere-se, em princípio, à contradição dos actos normativos com as normas e princípios materiais da Constituição e não à sua contradição com as regras formais ou processuais do tempo de sua elaboração. O princípio tempus regit actum leva a distinguir dois efeitos no tempo: a aprovação da norma rege-se pela lei constitucional vigente nesse momento; a aplicação da mesma norma tem de respeitar os princípios e normas constitucionais vigentes no momentos em que se efectiva essa mesma aplicação. A tradicional dicotomia entre vícios formais e materiais, conducente a uma disciplina de fiscalização diferente (competência do Tribunal Constitucional para conhecimento dos vícios materiais das leis pré-constitucionais e incompetência para controlar os vícios formais), nem sempre se impõe como uma evidência. Além de não ser princípio constitucional, o princípio tempus regit actum não pode significar a irrelevância material das normas sobre a produção jurídica (ex.: exigência de reserva de lei formal aponta para exigência materiais de democraticidade do órgão e da publicidade do processo). Por outro lado, há que distinguir duas hipóteses: (1) possibilidade de fiscalização da regularidade formal de actos normativos pré-constitucionais, de acordo com os novos parâmetros sobre a produção jurídica; (2) possibilidade de controlo da legitimidade formal dos actos normativos pré-constitucionais segundo as normas sobre produção jurídica vigente na altura. No que toca a primeira questão, a resposta só pode ser negativa, pois isso conduziria à inconstitucionalidade de grande parte do ordenamento jurídico anterior, mesmo quando, rigorosamente, as suas normas não estão em contradição com as normas e princípios da Constituição (materialmente considerados). O segundo problema merece também resposta negativa em termos gerais, dado que o Tribunal Constitucional garante a supremacia da Constituição actual, mas não é um defensor do sistema anterior. Mas, por outro lado, poderia haver no anterior sistema requisitos formais, transportadores de garantias ou valores materiais semelhantes aos acolhidos pela nova lei fundamental (ex.: exigências de lei para aprovar restrições a direitos fundamentais, reserva de lei para provação de impostos). O problema ganhará acuidade nos casos de se tratar não apenas de vício formal, mas de um verdadeiro vício de competência”.[6]
30 . Nessa mesma linha, o magistério de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:
Se a controvérsia relativa aos aspectos materiais do ato assume o caráter de uma autência vexata quaesto, parece dominar maior uniformidade, na doutrina, no que tange aos aspectos formais. Assenta-se que, no tocante aos pressupostos de índole formal, há de prevalecer o princípio do tempus regit actum. No mesmo sentido, assevera García Enterría que “essa inconstitucionalidade superveniente há de referir-se precisamente à contradição dos princípios materiais da Constituição, e, não, às regras formais da elaboração das leis que a Constituição estabelece no momento presente”. No Direito português, não se coloca em dúvida, igualmente, a intangibilidade dos pressupostos dos atos legislativos adotados em face da lei constitucional superveniente. Ressalta Canotilho que “a inconstitucionalidade superveniente refere-se, em princípio, à contradição dos actos normativos com as normas e princípios materiais da Constituição e não à contradição com as regras formais ou processuais do tempo de sua elaboração. Da mesma forma, a matéria parece isenta de maiores controvérsias entre nós. Sepúlveda Pertence, ainda, como Procurador-Geral da República, enfatizou, em parecer de 10-3-1987, que a aferição originária do vício formal “é verdade tão axiomática que poucos autores se preocupam em explicitá-la”. Conclui Sepúlveda Pertence: “Assim, ninguém discute, o Código Comercial, de 1850, sobrevive incólume à queda do Império, a cuja Constuição se submetera a sua elaboração legislativa. Assim, também, o advento da Constituição de 1946, que não admitia decretos-lei, não prejudicou a constitucionalidade formal dos que se haviam editado sob o Estado Novo. De igual modo, é óbvio a EC 6/63, abolindo a delegação legislativa, não afetou a validade formal questionada LD 4/62, editada no exercício de delegação, ao seu tempo, permitida”.[7]
31 . Por sua vez, conforme leciona André Ramos Tavares:
“Aceitar que leis pré-constitucionais possam ser classificadas como inconstitucionais, no momento atual, em relação à Constituição já superada, é admitir estapafúrdia situação de dois regimes distintos de inconstitucionalidade, um para as normas anteriores e outros para as normas posteriores à Constituição-parâmetro (Nota do autor: Assim, as leis anteriores não são consideradas inconstitucionais por violação do procedimento (forma) pela nova Constituição. Também não se pode admitir uma inconstitucionalidade superveninte ab initio no caso). (…) O problema situa-se, pois, no plano da existência das normas. É que ocorre um fenômeno peculiar no caso: a novação da legislação anterior que esteja em compatibilidade com a novel Constituição. Assim, há uma avaliação, do ponto de vista da conformidade das normas anteriores com a Constituição posterior, para fins de admitir aquelas que não sejam incompatíveis. Ou, em outros termos, há uma avaliação das normas anteriores de acordo com os requisitos de validade da nova Constituição. Se desconformes, simplesmente, se desconsidera sua existência (Nota do autor: Com temperamentos com relação ao requisito formal de validade das leis. Assim, norma anteriormente editada por meio de lei ou decreto-lei, para cuja matéria atualmente se exija lei complementar, é recepcionado como se tal fosse. Se se tratasse de um fenômeno de inconstitucionalidade, ter-se-ia de admitir também aqui um defeito de procedimentos em relação às leis anteriores à Constituição”.[8]
32 . Nessa linha, pacífica a jurisprudência constitucional do Pretório Excelso, a teor do ementário a seguir transcrito:
“Ação direta de inconstitucionalidade: descabimento, segundo o entendimento do STF, se a norma questionada e anterior a da Constituição padrão. 1. Não há inconstitucionalidade formal superveniente. 2. Quanto a inconstitucionalidade material, firmou-se a maioria do Tribunal (ADIn 2, Brossard, 6.2.92) – contra três votos, entre eles do relator desta -, em que a antinomia da norma antiga com a Constituição superveniente se resolve na mera revogação da primeira, a cuja declaração não se presta a ação direta. 3. Fundamentos da opinião vencida do relator (anexo), que, não obstante, com ressalva de sua posição pessoal, se rende a orientação da Corte”. (ADI 438 / DF – DISTRITO FEDERAL; AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE; Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; Julgamento: 07/02/1992; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; DJ 27-03-1992 PP-03800; EMENT VOL-01655-01 PP-00081RTJ; VOL-00140-02 PP-00407). – grifamos.
“CONSTITUIÇÃO – LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE – REVOGAÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE – 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido”. (STF – ADI 2 – DF – T.P. – Rel. Min. Paulo Brossard – DJU 21.11.1997). – grifamos.
“PROCESSO – REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – DISCIPLINA – PERSISTÊNCIA NO CENÁRIO NORMATIVO. As normas processuais insertas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, relativas a ações e recursos situados na respectiva competência, foram recepcionadas pela Constituição de 1988, no que com esta harmônicas. Inexistindo o instituto da inconstitucionalidade formal superveniente, o conflito entre normas processuais, sob o ângulo material, resolve-se mediante a consideração da revogação tácita”. (RE (AgR-EDv) N. 242.061-SC; RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO; Informativo STF, Brasília, 21 a 25 de abril de 2003- Nº305) – grifamos.
33 . No que se refere à promulgação do Verbete nº 08 da Súmula Vinculante do Pretório Excelso, a seguir transcrito, mister se faz analisar seu processo de edição, pois, em um exame superficial e perfunctório, pode-se chegar a ilações precipitadas que colocam em posição periclitante a ordem jurídica pátria:
SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAM DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
34 . Da leitura do Debates para aprovação do respectivo verbete, publicado no STF-DJe nº 172/2008, depreende-se que os leading cases que motivaram sua edição foram os Recursos Extraordinários nº 559.943-4, nº 559.882-9 e nº 560.626-1[9], cujo respectivo ementário encontra-se a seguir transcrito:
EMENTA: “DIREITO TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DOS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI N. 8.212/1991. ARTIGO 146, INCISO III, ALÍNEA B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR. ARTIGOS 173 E 174 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição da República de 1988 reserva à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência, nos termos do art. 146, inciso III, alínea b, in fine, da Constituição da República. Análise histórica da doutrina e da evolução do tema desde a Constituição de 1946. 2. Declaração de inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei n. 8.212/1991, por disporem sobre matéria reservada à lei complementar. 3. Recepcionados pela Constituição da República de 1988 como disposições de lei complementar, subsistem os prazos prescricional e decadencial previstos nos artigos 173 e 174 do Código Tributário Nacional. 4. Declaração de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, salvo para as ações judiciais propostas até 11.6.2008, data em que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei n. 8.212/1991. 5. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 559943 / RS – RIO GRANDE DO SUL; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA; Julgamento: 12/06/2008; Órgão Julgador: Tribunal Pleno;DJe-182 DIVULG 25-09-2008 PUBLIC 26-09-2008; EMENT VOL-02334-10 PP-02169; LEXSTF v. 30, n. 359, 2008, p. 321-366).
EMENTA: “PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo ú nico do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69. V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento”. (RE 556664 / RS – RIO GRANDE DO SUL; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 12/06/2008; Órgão Julgador: Tribunal Pleno;DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008; EMENT VOL-02341-10 PP-01886)
EMENTA: “PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69. V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento”. (RE 560626 / RS – RIO GRANDE DO SUL; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 12/06/2008; Órgão Julgador: Tribunal Pleno;DJe-232 DIVULG 04-12-2008 PUBLIC 05-12-2008; EMENT VOL-02344-05 PP-00868; RSJADV jan., 2009, p. 35-47).
35 . Conforme se depreende do exame do ementário acima, bem como da leitura do inteiro teor dos respectivos julgados, que ora se anexa como parte integrante da presente manifestação, em hora nenhuma foi ventilado nos julgados do Pretório Excelso as regras da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980) sobre prescrição.
36 . Observe-se que, no que se refere à recente jurisprudência constitucional da Egrégia Suprema Corte brasileira sobre a Lei de Execução Fiscal, há registros dos julgados a seguir transcritos:
Recurso extraordinário. Execução fiscal. Alegação de prescrição rejeitada, com base no art. 2., PAR. 3., da Lei n. 6.830/1980. Não se ventilou, no acórdão, o art. 174 do CTN. Incidência das Sumulas 282 e 356. Dissídio jurisprudencial não conhecido. Súmula 369. Recurso não conhecido. (RE 113692 / SP – SÃO PAULO; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA; Julgamento: 05/08/1988; Órgão Julgador: Primeira Turma; DJ 21-02-1992 PP-01696; EMENT VOL-01650-03 PP-00414). – grifamos
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO: SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO. LEI N. 6.830/80. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (RE 593311 AgR / RS – RIO GRANDE DO SUL; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA; Julgamento: 25/08/2009; Órgão Julgador: Primeira Turma;DJe-176 DIVULG 17-09-2009 PUBLIC 18-09-2009; EMENT VOL-02374-07 PP-01292).
1 – É inviável o processamento do apelo extremo, por suposta ofensa ao art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal, para debater matéria processual, relativa à possibilidade do juiz da execução fiscal extingui-la de ofício, ante a ocorrência da prescrição. 2. Agravo regimental improvido. (AI 666848 AgR / RR – RORAIMA; AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 23/06/2009; Órgão Julgador: Segunda Turma;DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009; EMENT VOL-02369-12 PP-02502).
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. LEIS NS. 6.830/80 E 11.280/06. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 713295 AgR / SP – SÃO PAULO; AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Relator(a): Min. EROS GRAU; Julgamento: 24/06/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma;DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008; EMENT VOL-02328-09 PP-01844).
37 . Perfazendo-se um exame histórico da jurisprudência da Egrégia Suprema Corte Constitucional brasileira, depreende-se que, no período relativo aos anos de 1980 a 1988, as regras de interrupção e suspensão da prescrição, mediante realização da citação, nos termos do art. 8º, §2º, ou pela remessa ao arquivamento, nos termos do art. 40, caput, todos da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), eras tidas como formal e materialmente compatíveis com o ordenamento jurídico-constitucional então vigente, a teor do ementário a seguir transcrito:
“EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO POR EDITAL. – NÃO ENCONTRADO O EXECUTADO NEM BENS PARA ARRESTAR, CABE A CITAÇÃO-EDITAL REQUERIDA PELO CREDOR PARA INTERROMPER A PRESCRIÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO”. (RE 98412 / RJ – RIO DE JANEIRO; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. RAFAEL MAYER; Julgamento: 19/11/1982; Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA; DJ 10-12-1982; PP-02794; EMENT VOL-01279-04 PP-01188). – grifamos.
1 – EXECUÇÃO FISCAL. JULGADO EXTINTO O PRIMEIRO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, CESSARAM OS E FEITOS DA CITAÇÃO, NOTADAMENTE O DE INTERROMPER A PRESCRIÇÃO. 2. NA SEGUNDA EXECUÇÃO ENTENDE-SE POR VALIDA A CITAÇÃO NELA REALIZADA, NÃO APROVEITANDO, PARA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO, A CITAÇÃO FEITA NO PROCESSO FINDO. 3. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO. (AI 92546 AgR / MG – MINAS GERAIS; AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Relator(a): Min. ALFREDO BUZAID; Julgamento: 26/08/1983; Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA;DJ 23-09-1983 PP-14497 EMENT VOL-01309-01 PP-00162; RTJ VOL-00108-03 PP-01105). – grifamos.
EXECUÇÃO FISCAL. A INTERPRETAÇÃO DADA, PELO ACÓRDÃO RECORRIDO, AO ART. 40 DA LEI N. 6.830-80, RECUSANDO A SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO POR TEMPO INDEFINIDO, E A ÚNICA SUSCEPTIVEL DE TORNA-LO COMPATIVEL COM A NARMA DO ART. 174, PARAGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, A CUJAS DISPOSIÇÕES GERAIS E RECONHECIDA A HIERARQUIA DE LEI COMPLEMENTAR. (RE 106217 / SP – SÃO PAULO; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI; Julgamento: 08/08/1986; Órgão Julgador: Primeira Turma; DJ 12-09-1986 PP-16425 EMENT VOL-01432-02 PP-00411).
38 . Assim, há questão sobre a compatibilidade material e formal da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980), ainda não se trata de matéria pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, estando longe de ser alcançada pelo binding efect do Verbete nº 08 da Súmula Vinculante do Pretório Excelso.
4 – CONCLUSÃO.
39. Ante todo o exposto, resta claro que as regras sobre prescrição, em matéria processual-tributária, foram recepcionadas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 com o status formal de lei complementar.
40. Outrossim, uma vez que as regras sobre prescrição em seara tributária da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980) não foram objeto de controle de constitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal, entendemos que não há como se afastar sua aplicação, devendo ser privilegiado o princípio da presunção de constitucionalidade das normas.
41. Destarte, salvo melhor juízo, não há que se falar, até eventual manifestação em definitivo do Supremo Tribunal Federal, em inaplicabilidade da Lei de Execução Fiscal (nº 6.830, de 1980) em relação às cobranças administrativas e judiciais de créditos públicos tributários, uma vez que não existe no direito pátrio, tampouco em nossa jurisprudência constitucional, a figura da inconstitucionalidade formal superveniente.
5 – BIBLIOGRAFIA
BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3ª ed. São Paulo:Saraiva. 1999.
Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UNB. 1999.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed.. Rio de Janeiro: Forense. 2003.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008.
[1]“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
[2] MAXIMILIANO, Carlos; “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 19ª edição, editora Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 251 e 252.
[3] BARROSO, Luiz Roberto; “Interpretação e Aplicação da Constituição”; 3ª edição; editora saraiva; São Paulo; 1999, p. 170 e 171.
[4] Inicialmente, há que se ter em mente que o controle de constitucionalidade se trata de medida extraordinária, uma vez que se traduz em invasão do campo de atribuições do poder constituído legislativo, por parte do poder constituído judiciário, que atua na qualidade de legislador em caráter negativo, constituindo medida de exceção em relação ao princípio republicano de separação harmônica dos poderes constituídos do Estado.
Some-se a isso que, um dos princípios regedores da boa interpretação das normas constitucionais é o da presunção de constitucionalidade dos atos do legislativo, ainda que em caráter iuris tantum.
Destarte, em estrita obediência ao Princípio da Presunção de Constitucionalidade das Leis, bem como ao Princípio da Separação Harmônica dos Poderes Constituídos do Estado, conforme já visto, não é juridicamente recomendável deixar de aplicar lei vigente, de observância obrigatória e caráter cogente, devendo-se privilegiar as possíveis interpretações que se revelem compatíveis com as normas constitucionais.
Em que pese a literalidade do preceito legal mostrar-se, por vezes, conflitante com a norma constitucional, nem sempre o mesmo restará em confronto com a Lei Maior, mormente quando do exercício de sua aplicação ao caso concreto, não havendo, nessa hipótese, necessidade de se declarar a inconstitucionalidade integral da lei com redução do texto, mas, antes, permite uma interpretação conforme.
Assim, o exercício de jurisdição constitucional será perfeito através da fixação da correta interpretação da norma legal em face das disposições da Constituição. Nessa linha, pode o operador do direito, a fim de se compatibilizar a atividade legislativa com a judicante, valer-se de técnicas de hermenêutica especiais, conforme a seguir listado:
a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto: ocorre quando a compatibilização da norma legal com a constituição se dá com a supressão total ou parcial do texto sub judice, fato que não ocorre com o veto do Chefe do Executivo, uma vez que a este é defeso vetar partes do texto. O art. 28, § único da Lei 9868, trata deste assunto.;
b) interpretação conforme a Constituição: ocorre quando se induz à interpretação de uma norma legal em harmonia com a Lei Maior, em meio a diversas outras possibilidades que o preceito admite. Busca-se encontrar um único sentido possível para a norma legal, excluindo-se expressamente as outras possibilidades de interpretação, elegendo-se uma única forma de exegese em consonância com a Lex Magna. Trata-se de princípio hermenêutico pelo qual nós devemos sempre interpretar as normas jurídicas à luz da Constituição. Quando essas normas puderem ser interpretadas de mais de uma forma, o intérprete sempre deve buscar aquele entendimento que torna a norma compatível com a Constituição, em detrimento daquele que tornaria a norma inconstitucional. Esta interpretação está prevista no art. 28 § único da Lei 9868;
c) declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto: significa reconhecer a inconstitucionalidade da norma sob algum aspecto de suas diversas possibilidades de interpretação. Destarte, preserva-se o texto da norma, apenas restringindo o alcance de seu conteúdo, para excluir de seu campo de incidência determinada forma de aplicação da norma, sem, contudo, afetar as demais hipóteses de interpretação da mesma. Desta forma, mantém-se o texto incólume, impedindo, todavia, que recaia sobre determinadas hipóteses, em clara diminuição de sua aplicabilidade seja no seu aspecto espacial, pessoal, temporal, dentre outros.
[5] Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UNB. 1999. p.177
[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina. P. 1307 e 1308.
[7] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 1020 e 1021.
[8] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 175 e 176.
[9] Em que pese ter sido incluído os Embargos Declaratórios nº 556.664-1, os mesmos tratam exclusivamente de matéria processual, a qual não guarda relação de pertinência com o caso sub examine.
Veja também:
- Interpretação Constitucional
- Dos instrumentos constitucionais de preservação de competência legislativa
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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