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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
A ação popular constitucional
Revista Forense
11/01/2023
REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 157
CRÔNICA
DOUTRINA
- Os partidos políticos nacionais, Afonso Arinos de Melo Franco
- A ação popular constitucional, Paulo Barbosa de Campos Filho
- A ação popular e o poder discricionário da administração, Rafael Bielsa
- Estabelecimento de cláusula de escala móvel nas obrigações em dinheiro. A valorização dos créditos em face do fenômeno inflacionário, Caio Mário da Silva Pereira
- A revogação dos atos administrativos, José Frederico Marques
- O tempo e a tutela dos direitos no processo civil, Torquato Castro
- O poder discricionário da administração – Evolução doutrinária e jurisprudencial, L. Lopes Rodó
PARECERES
- Constituição Rígida – Proposta de Emenda – Trâmites – “Quorum” – Sessão Legislativa Extraordinária, C. A. Lúcio Bittencourt
- Autarquias – Caixa de Mobilização Bancária – Alienação de Bens, A. Gonçalves de Oliveira
- Autarquias – Estabelecimentos de Serviço Público – Fundação da Casa Popular – Requisição de Funcionário Público, Caio Tácito
- Compra e Venda – Inadimplemento Contratual e Exceções de Garantia – Retenção – Execução de Hipoteca, Miguel Reale
- Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução por Morte de Sócio, Lino de Morais Leme
- Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação, Amílcar de Araújo Falcão
Município – Autonomia – Criação e Desmembramento, Lafaiete Pondé
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
- O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
- Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
- Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
- O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
- Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
- Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
- Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
- Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Os preceitos constitucionais de 1934 e 1946. Exame e crítica dos projetos de regulamentação. Patrimônio público. Atos nulos e anuláveis. Atos lesivos. Atos legislativos e atos jurisdicionais. Sujeitos ativo e passivo da ação. Ações supletivas e corretivas. Conclusões.
Sobre o autor
PAULO BARBOSA DE CAMPOS FILHO, Professor na Faculdade de Direito de São Paulo
DOUTRINA
A ação popular constitucional
Os preceitos constitucionais de 1934 e 1946
1. Ao escrevermos o nosso “Ensaio sôbre a Ação Popular”,1 regia os destinos do país a Carta de 1937, que deixara de reproduzir, no capítulo relativo às garantias individuais, o preceito da Constituição anterior, que fizera de qualquer cidadão “parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios” (art. 113, nº 38).
A conclusão que se impunha era, pois, a de ter aquêle diploma ditatorial abolido as ações populares no único caso em que o nosso Direito as admitira, e isso mesmo dissemos naquele nosso estudo, quer ao afirmar que havíamos voltado, na matéria, à regra da, proscrição de tais ações, imposta pelo Cód. Civil, quer ao repetirmos o mesmo pensamento, escrevendo: “A conclusão a se tirar, em sendo aquêle o único texto permissivo (o da Constituição de 1934), é que em caso algum as admite o Direito pátrio, como se disse aliás, no capítulo III, in fine”.2
Tal, porém, era, o nosso interêsse pelo instituto, plenamente justificado pelo teu valor como arma de civismo e meio de perfeição das instituições político-administrativas, que passamos a imprimir àquele trabalho o sentido de um voto pelo seu imediato restabelecimento, que encontraria oportunidade no iminente advento do Cód. de Proc. Civil, cujo anteprojeto acabava de ser publicado com o fim de receber sugestões.
Lembramos, então, pleiteando a intervenção do Instituto dos Advogados de São Paulo para se conseguir tão alto objetivo, que o que se havia verificado era apenas a proscrição do remedium juris como garantia constitucional, nada impedindo o readmitisse a legislação processual, nos mesmos ou em diferentes têrmos.
Tudo, aliás, nas linhas mestras do projeto do Código, inspirado no pensamento de se atribuir ao processo, como finalidade precípua, a atuação do direito objetivo, parecia ensejar o acolhimento das ações populares, uma vez que se deve reconhecer, nestas, a expressão mais alta da crescente tendência à imaterialização do interêsse de agir, como então observamos, invocando UGO FERRONE.3
Prevaleceram, no entanto, sôbre a pureza e rigor dos princípios, os interêsses imediatos do Estado Novo, que prometera tornar-se “republicano-federativo”, mas continuara ditatorial e unitário, como no fundo o haviam desejado os seus Instituidores. E a Comissão elaboradora do Código fechou ouvidos à sugestão do Instituto, se é que chegou a apreciá-la.
O que não fêz, entretanto, o novo Cód. de Proc. Civil, fê-lo a Constituição vigente, e em mais largos têrmos do que a Carta Magna de 16 de julho, pois admitiu a ação popular nem só em defesa dos patrimônios da União, dos Estados e dos Municípios, como ainda das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista, a entender, pois, como patrimônio público, nem só o próprio daquelas entidades político-administrativas, mas anda os destacados dos das Fazendas Públicas pela constante descentralização Institucional de serviços e ainda aquêles outros em que tenham elas participação, ou em cuja administração intervenham.
Hoje, pois, onde quer se pratique um ato lesivo do patrimônio público, entendendo-se tal o da Fazenda Pública em qualquer de seus ramos e ainda o de organismos autônomos, dos quais a Fazenda de algum modo participe, pode intervir o autor popular (“qualquer cidadão”) pleiteando-lhe a anulação ou declaração de nulidade.
Patrimônio público.
3. Quem será, porém, “qualquer cidadão”? Sê-lo-á, apenas, o investido de direitos públicos políticos, ou ainda, e de modo geral, o brasileiro, nato ou naturalizado?
Que serão, por outro lado, “atos lesivos” dos referidos patrimônios? Bastará que se trate de atos prejudiciais aos interêsses das entidades mencionadas no preceito ou será também necessário que o ato, além de lesivo, padeça de algum vício, de nulidade ou anulabilidade?
E que atos estarão em causa? Apenas os atos administrativos, sejam êles praticados por quaisquer ramos do poder público, ou também os atos do Poder Legislativo? E se forem apenas os primeiros, haverá distinguir entre os atos de império, para excluí-los da incidência da ação, ou serão êles, também, passíveis de ataque semelhante ao que possam sofrer os atos gestionis?
Em seguida, resolvidas essas primeiras dificuldades quanto ao sujeito ativo da ação e quanto a alguns dos seus primeiros pressupostos, quais serão os seus sujeitos passivos? Apenas a pessoa jurídica de Direito Público, cujo patrimônio estiver em causa, ou ainda o participante do ato increpado de lesivo? E os atos não muito raros, em que não intervém a Fazenda Pública, mas que a esta, de algum modo, direta ou indiretamente, interessem?
Conhecidos, afinal, os sujeitos passivos da ação, despontam as questões de ordem processual. Poderá o autor popular ser assistido na ação por outro qualquer cidadão? Em qualquer de suas fases? Poderá desistir dela, quando se tenha convencido do seu desacêrto? Ou quando, por outro motivo, tiver entrado em composição com o réu, ou réus? E isso por haverem êsses últimos confessado o pedido, ou ratificado o ato anulável, ou mesmo reparado o prejuízo da Fazenda? Na afirmativa, poderá qualquer outro cidadão substituí-lo no interêsse pela causa pública., prosseguindo êle mesmo no feito e sustentando, então, as mesmas ou diferentes proposições? E quanto ás provas? Serão tôdas admissíveis? Indistintamente? Que efeitos produzirá, por exemplo, a confissão do autor popular? E a confissão ficta? E a confissão da Fazenda, citada como ré? O ato se entenderá, só por isso, nulo ou anulável, ou será necessário que os poderes legislativo ou executivo da entidade em causa reconheçam, êles próprios, o vício, propondo-se a reparar os danos ou a repetir o ato, quando isso lhes fôr possível? E a sentença? Que efeitos produzirá? Anulado o ato, restituir-se-ão sempre as partes ao estado de coisas anterior? Estará impedida a administração de o repetir, ou ratificar? E qual a situação dos particulares, que da ação, não tenham participado, se vinculados os seus interêsses ao ato declarado nulo?
E os recursos? E a prescrição? E as possíveis intervenções de terceiros? E a competência para conhecer da ação, quando, em sendo parte, por exemplo, um Município, tiver, na espécie, algum interêsse o Estado? Ou quando, em sendo parte um Estado, estiver em causa algum interêsse da União? Alterar-se-ão as regras gerais de competência, ou será competente o fôro do ato impugnado, ou ainda o da pessoa de direito público, que o tiver praticado ou autorizado?
4. O simples enunciado de tôdas essas questões – e muitas outras poderiam, aqui, acrescentar-se – está a revelar a importância e a complexidade do problema da disciplina da ação popular constitucional, objeto de estudo neste artigo.
Pode-se dizer, mesmo, tal o número e a gravidade delas, que da boa ou má disciplina da referida ação poderá depender, em grande parte, o próprio êxito da inovação constitucional, não faltando mesmo quem descreia da possibilidade de uma boa regulamentação, preferindo ficar com a autoridade de CLÓVIS, batendo-lhe palmas à vitória obtida sôbre ANDRADE FIGUEIRA, ao ver mantido o art. 76 do Código Civil tal como o havia apresentado. Haja vista ao ilustre processualista MACHADO GUIMARÃES, em conferência sôbre “A ação popular e a coisa julgada”, no “Boletim do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros”, vol. XIV, trabalhos de 1937, pág. 228.4
Andaram bem, por tudo isso, quer o Senado da República, quer a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, envidando os melhores esforços na elaboração do projeto de lei número 2.466, de 1952, que se propõe a regular a ação popular instituída pelo artigo 141, § 38, da Constituição federal e no detido estudo de seus diversos dispositivos, a culminarem no oferecimento de completo substitutivo pelo ilustre mestre de Direito, que é o deputado BILAC PINTO, que tanto se tem distinguido no acurado trato dos mais difíceis problemas jurídico-constitucionais e administrativos.
Projeto e substitutivo serão objeto, neste artigo, de ligeiro e despretensioso estudo, que se orientará no sentido de verificarmos que soluções procuraram dar às mais importantes das questões em tela, dizendo, também, do acêrto ou desacerto de cada solução e das nossas preferências pelo substitutivo ou pelo projeto, tudo, evidentemente, a título de mera colaboração, e sem perder de vista a nossa desvalia, mormente em assunto, como êste, inçado de tantas e tão graves dificuldades.
Comecemos pelo art. 1°, onde projeto e substitutivo assentam a pedra fundamental dos demais dispositivos, indicando a finalidade da ação popular constitucional, que é a defesa da coisa ou patrimônio público.
Ambos o fazem – nem pudera ser de outra forma – reproduzindo o preceito do art. 141, § 38, da Constituição, onde se diz que:
“Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista”.
Mas, ao passo que o projeto se limita isso, deixando à doutrina o trabalho complementar de esclarecer o que se deva entender como patrimônio público, o substitutivo vai além, acrescentando referências aos patrimônios dos Territórios e do Distrito Federal (que o texto constitucional omitira) e, também, a três outras espécies de patrimônios, que são: a) os das emprêsas incorporadas ao patrimônio da União; b) os das sociedades mútuas de seguros, nas quais a União represente os segurados ausentes; c) os das instituições ou fundações para cuja criação o poder público haja concorrido, ou para cujo custeio concorra com mais de 50%.
Quanto às emprêsas incorporadas ao patrimônio da União, acertada e útil se nos afigura a referência que a elas faz o substitutivo. Acertada, por isso que o patrimônio dessas emprêsas passa a integrar o da União, pelo fato mesmo da incorporação ao desta. E útil, porque, referindo-se o inciso constitucional apenas ao patrimônio da União, poderia entender-se, realmente, que a proteção não alcançasse os patrimônios incorporados. Lembraremos, no entanto, sempre a título de mera colaboração, que pode ocorrer, também, a incorporação aos patrimônios de Estado ou Município quando assim o determine lei federal. O substitutivo, pois, seria, a nosso ver, ainda mais completo, se aludisse, em têrmos genéricos, aos patrimônios das emprêsas incorporadas a qualquer das diferentes entidades que compõem a estrutura político-administrativa do país.
Quanto às instituições, ou fundações, cuja criação tenha sido obra do poder público, ou para o custeio das quais haja êle concorrido com mais de 50%, acertada, também, se nos afigura a referência, por ser evidente o seu interêsse na defesa dos patrimônios que êle próprio haja constituído, ou para manutenção dos quais tenha contribuído. Natural, portanto, que se estenda a qualquer cidadão a possibilidade de ação em defesa dêsses outros patrimônios, que podem ser havidos, sob certo aspecto, como patrimônios públicos, como o são, por exemplo, e por motivo semelhante, os das sociedades de economia mista, aos quais a Constituição expressamente se refere.
Quanto às sociedades mútuas de seguros, nas quais a União represente os segurados ausentes, não se pode dizer que os seus patrimônios se identifiquem, sob qualquer aspecto, com as patrimônios da União, Estados e Municípios. Trata-se, aí, de sociedades ou organizações particulares, que, por hipótese, não recebem subsídio dos poderes públicos. Há, porém, manifesto interêsse público na defesa dos respectivos patrimônios, dada a sua constituição mediante valores arrecadados à coletividade, donde o acêrto de, também, permitir-se a qualquer cidadão a sua defesa judicial. Apenas o substitutivo, nessa parte, não se limita a regulamentar a ação popular constitucional, mas na realidade institui uma outra modalidade de ações, não já em defesa do patrimônio público, como vem previsto na Constituição, mas de interêsses de ordem geral, dignos de proteção semelhante.
Poderá êle fazê-lo? Parece-nos que sim, pois nada impede que a União, competente para legislar sôbre direito processual para todo o território do país (artigo 5°, XV, letra a, da Constituição), atribua, no caso, o direito de ação, não, já, ao interessado direto (que séria o particular ausente, representado pela União), mas a todo o cidadão brasileiro, pelo seu geral interêsse, como membro da coletividade, qual se propõe no substitutivo. É questão, já se disse alhures, de mera “titularidade do jus actionis”.
Entendemos, por outras palavras, que o acolhimento, pela Constituição, de determinada modalidade de ação popular, como o é a destinada à proteção dos patrimônios que o § 3º especifica, não constitui obstáculo, antes incentivo, a que outras modalidades se vejam acolhidas, inspirando-se tôdas no conhecido aforismo de PAULUS: “Importa à República que muitos sejam chamados a lhe defender os interêsses” (“Republicae interest quam plurimus ad defendam suam causam admittere”).
Nesse sentido, aliás, já era o nosso pronunciamento desde 1930, pois, se é verdade sobretudo que cuidamos, naquele nosso “Ensaio”, da ação popular criada pelo art. 113, nº 38, da Constituição de 16 de julho, verdade, também, é que não deixamos de tratar das ações populares em geral, amplamente lhes discutindo, no capítulo final, as diversas condições de utilidade, quando então concluímos: “Como quer que seja, das considerações que aí ficam, prestigiadas pelo apoio dos mais eminentes escritores, parece resumir-se a conclusão de que as ações populares, disciplinadas que fôssem de maneira racional, tenderiam a produzir, se adotadas, os mais profícuos resultados”.
Coerente, pois, com o que então escrevemos, não hesitamos em registrar o nosso aplauso à ampliação proposta pelo substitutivo, tanto mais que a ação popular em defesa dos patrimônios das sociedades mútuas de seguros teria, pelos seus próprios fundamentos, um símile aproximado nas de que trata a legislação italiana sôbre as instituições de assistência e beneficência (nota 47 do nosso “Ensaio”), que são, também, organizações particulares, cujo regular funcionamento, porém, a todos indiretamente interessa.5
8. Reconhecido, no art. 1°, o direito que a Constituição defere a qualquer cidadão, de agir em defesa do patrimônio público, projeto e substitutivo passam a cuidar, nos artigos seguintes, dos casos em que tem lugar a referida ação, atendo-se ambos ao texto constitucional. E como se diga, neste último, que a ação terá por finalidade “a anulação ou a declaração de nulidade dos atos lesivos” do referido patrimônio, consagra o projeto o seu art. 2º ao dizer em que hipóteses o ato se entenderá nulo, reportando-se, no art. 3º, à legislação civil quanto àqueles que considera anuláveis. E orientação semelhante adota o substitutivo, distinguindo, também, entre nulidade e anulabilidade, com a diferença de que, no art. 80, expressamente declara que “poderão ser objeto de ação popular os atos lesivos do patrimônio das entidades enumeradas no art. 1º, desde que apresentem vícios que os tornem nulos ou anuláveis”.
Enfrenta, pois, o substitutivo a questão de saber se bastará que o ato seja lesivo para que ofereça oportunidade ao exercício da ação popular, ou se será necessário, para isso, que ainda padeça de algum vício, que o torne nulo ou anulável. E a resolve no segundo sentido, e a nosso ver acertadamente, diante do que dispõe o texto constitucional.
Êste, com efeito, o que permite a qualquer cidadão é que pleiteie “a anulação ou a declaração de nulidade dos atos lesivos”, ou seja, a decretação da invalidade dêstes, ou porque nulos, ou porque anuláveis. E essa conclusão é tanto mais imperativa quanto não temos, no nosso Direito, a anulabilidade dos atos jurídicos pelo vício da lesão, não se podendo, pois, erigir a simples lesividade em causa que determine a rescisão do ato. Por outro lado, e como bem observa o eminente juiz Prof. JOSÉ FREDERICO MARQUES, em conhecida decisão constante do volume 181, págs. 826 e segs. da “Rev. dos Tribunais”, “se a invalidade decorresse apenas da lesão, como graduá-la para dizer qual a lesão que dá origem à nulidade e qual a que dá causa à simples anulabilidade?” Como determinar-se – diríamos nós em refôrço – onde é que o ato, muitas vêzes naturalmente lesivo, começa a sê-lo de maneira irregular, de sorte a que se possa reputá-lo vicioso, sujeitando-o a aniquilamento?
Tal decisão, aliás, foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que ainda num segundo caso – que é o constante do vol. 190, pág. 197, da citada revista – reafirmou que “não basta, para o exercício da ação popular, que o ato seja lesivo do patrimônio do Estado, mas é necessário, também, que seja nulo ou anulável”.
Essa tese, no entanto, não é pacífica, pois, em decisão publicada no vol. 51, páginas 314 e segs. do “Paraná Judiciário”, o Tribunal de Justiça do Estado vizinho, dando pela procedência de determinada ação popular, teve ocasião de salientar que: “O que cumpria verificar, diante do espírito do texto constitucional, era se a alienação dos bens a que se referia a concorrência pública, de que tratam os autos, lesava, ou não, o patrimônio do Município de Guarapuava, pouco importando que a concorrência se tenha processado regular ou irregularmente, e se os bens, sôbre que versava, eram ou não inalienáveis”.
E adiante “A indagação a se fazer é se da concorrência e atos subseqüentes resultava ou podia resultar prejuízo ao patrimônio municipal”.
De se notar que tão incisivas afirmações, ambas no sentido de bastar a lesividade, buscam apoio na autoridade de TEMÍSTOCLES B. CAVALCÂNTI, quando êste, ao comentar o § 38 do art. 141 da Constituição,6 observa que “a fórmula anulação ou declaração de nulidade é redundante, porque o objetivo é a ineficácia do ato lesivo”.
Não tem razão, data venia, o eminente mestre de Direito Administrativo, se quer dizer com isso que basta a lesividade. A verdade, a nosso ver, é que sem a lesividade do ato não se poderia cogitar de ação popular, pois faltaria interêsse que a pudesse justificar. Mas, para que a simples lesividade bastasse, fôra necessário que a Constituição o dissesse, e isso não está na Constituição, que, acertadamente, distingue entre anulação e declaração de nulidade, pois a distinção existe no nosso Direito, separando a nulidade da anulabilidade, esta, objeto de anulação e, aquela, de declaração de nulidade. A lesividade constitui, portanto, pressuposto necessário, porém não pressuposto suficiente, da ação popular constitucional.
Mas, se essa é a nossa opinião diante do texto da Carta Magna, nem por isso deixaremos de reconhecer que casos haverá em que a simples lesividade pareça dever justificar o exercício da ação popular, e possa mesmo, de jure constituendo, ser chamada a legitimá-lo. Casos haverá, com efeito, de tão cuidadoso esmero na prática de ato lesivo, que vício algum se lhe possa apontar, quer de forma, quer de fundo, que venha a acrescer ao da lesividade, de sorte a ensejar a propositura da ação popular constitucional.
Suponhamos uma venda de imóvel, feita a alguém, nela administração, por preço vil ou irrisório, precedida e cercada, no entanto, de tôdas as cautelas legais. Ou, ainda, a adjudicação, a alguém, de contrato prejudicial ao patrimônio público, observadas, porém, na sua feitura, tôdas as exigências legais. Serão, é certo, hipóteses de difícil, porém, possível ocorrência. E, então, se perguntará: deverão êsses atos ficar a salvo da ação popular sòmente porque, no praticá-lo, agiram interessados e administradores com solércia bastante a não remanescer vício aparente?
A negativa, a nosso ver, se impõe, e isso com apoio na própria Constituição, pois, se é certo que esta, como deixamos demonstrado, não se contenta com a só lesividade do ato como condição de exercício da ação popular, menos certo não é que em caso algum a dispensa, devendo ver-se, pois, na lesividade, a razão primeira da impugnabilidade do ato por iniciativa de qualquer cidadão.
E então, se tudo está a exigir, ainda que em casos excepcionais, que, também, o ato apenas lesivo possa ser anulado por iniciativa de qualquer cidadão, acertado seria incluir-se, na regulamentação em estudo, dispositivo que atribuísse à lesão, quando atingisse certo grau, ou quando concorressem certos requisitos, o caráter de vício autônomo que permita impugnar o ato por ação popular. Nem nos parece que a Constituição se oponha a isso, pois o que ela fêz foi acolher a ação popular nos têrmos do inciso 38 do art. 141, sem, contudo, impedir – repetimos – que as leis processuais em casos outros a instituam, sobretudo se o fizerem completando a proteção que o Estatuto fundamental buscou assegurar ao patrimônio público.
Semelhante solução, aliás, viria ao encontro de recente tendência da mais moderna civilística, que está a prenunciar, no dizer do Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, a ressurreição do instituto da lesão como causa de anulação dos atos jurídicos.7 E, para fugir às objeções que geralmente se opõem ao acolhimento da lesão como vício dos atos, bastaria que o acolhimento se fizesse com discrição e prudência, só se admitindo, por exemplo, a rescisão do ato apenas lesivo quando o prejuízo causado ao patrimônio público fôsse de mais de 50% do valor do bem alienado, ou do contrato celebrado em seu detrimento.
Atos nulos e anuláveis
9. Ainda no tocante aos pressupostos da ação popular constitucional, quer nos parecer que o substitutivo se avantaja ao projeto, nem só quando exige que o ato impugnado, além de lesivo, padeça de algum vício que o torne nulo ou anulável, como ainda no enunciado dos diferentes motivos de nulidade ou anulabilidade. Aliás, o elogio do substitutivo, nessa parte, pode-se dizer feito pelo ilustre mestre de Direito Administrativo, que é o citado juiz JOSÉ FREDERICO MARQUES, em artigo que escreveu sôbre a ação popular e sua regulamentação, publicado no “O Estado de São Paulo” de 31 de dezembro último. Só nos resta subscrevê-lo, principalmente quando opina merecer o substitutivo encômios “por haver feito expressa menção ao desvio de poder como caso de nulidade dos atos administrativos, tanto mais que, em seguida, esclarece, com muita eficiência e técnica, o alcance e sentido dêsse instituto”. Vem, de fato, o esclarecimento no art. 25, como vêm, no arts. 23, 26 e 27, explicações seguras do que se deva considerar, respectivamente, “violação da lei”, “vício de forma” e “incompetência”.
Há, no entanto, uma disposição do projeto primitivo que, embora suprida pela configuração que nos dá o substitutivo do que seja “desvio de poder”, melhor seria fôsse conservada, tão felizes são os têrmos em que se viu concebida. É a da letra e do art. 2º, que considera nulo o ato administrativo “pela falsidade dos motivos expressamente alegados”.
Êsse preceito se harmoniza, às maravilhas, com o do art. 90 do Cód. Civil, onde se reconhece à falsa causa, sempre que expressa sob a forma de condição ou como razão determinante do ato, o efeito de viciá-lo. Corrigida, pois, a disposição do projeto para fazer-se da “falsidade dos motivos expressamente alegados” uma hipótese, não de nulidade, mas de “anulabilidade” do ato, conviria que o inciso permanecesse, ainda que perfilhada a estruturação geral do assunto, proposta pelo substitutivo. É que são freqüentes os atos administrativos lesivos, praticados por falsa causa. Consulte-se, a propósito, MARCEL WALINE, no estudo que faz da “causa”, em Direito Administrativo, e nos exemplos, que figura, de “motivo determinante ilícito” e “motivo determinante inexistente”.8 E se alguém duvidar do alcance do preceito, daremos, também, o nosso exemplo, precedido da advertência de que tôda semelhança com possíveis casos reais será de mera coincidência. Suponha-se que certa administração, dizendo-se vencida em juízo por determinado particular, que lhe reclamava a restituição de certos bens imóveis, a êle lhe faça a restituição pretendida, declinando aquêle motivo como causa e dando-lhe a forma de transação perfeita e acabada. Suponha-se, mais, que ao depois se verifique que o beneficiário, longe de haver ganho a demanda, já a tivesse definitivamente perdida. Não se configura, aí, caso típico de ato administrativo praticado por falsa causa? Um caso, como se diz na letra e do art. 2° do projeto, de falsidade dos motivos expressamente declarados? E se temos, na legislação pátria, no citado artigo do Código, admitida a falsa causa como vício de ato “quando expressa como razão determinante” dêste, por que esconder a hipótese debaixo da expressão francesa do détournement de pouvoir, bem menos precisa nos seus jurídicos contornos?
Outra disposição do projeto, que nos parece preferível à disposição paralela do substitutivo, é a do art. 3º. Nêle, com expressa referência à aplicação subsidiária da legislação civil, está dito que são anuláveis os atos quando viciados por êrro, dolo, coação, fraude ou simulação, ao passo que no artigo correspondente do substitutivo (art. 7º, nº 1) nem só se não faz remissão à legislação civil subsidiária, como não se mencionam os motivos de anulabilidade do ato, limitando-se a dizer o dispositivo que “são anuláveis” (os atos) nos casos em que contenham outros vícios.
Ora, por mais que se esforcem os mestres de Direito Administrativo no sentido de criar uma teoria da-, nulidades dos atos administrativos, diversa da teoria das nulidades do campo do Direito Civil, o mais que poderão alcançar será apontar peculiaridades do Direito Administrativo, jamais se libertando das linhas gerais da teoria, tal como vem traçada pela legislação civil. Entenderemos nós, então, que não é autônomo o Direito Administrativo? Ou que se sujeite, nessa parte, ao predomínio do Direito Civil? Absolutamente, não. O que entendemos é que a teoria das nulidades diz respeito aos atos jurídicos em geral, e que é uma só. O que entendemos é que o ato administrativo, ainda que se revista de características próprias, que o erigem numa categoria autônoma, não deixa de ser espécie do gênero “atos jurídicos”, disciplinados pelo Código na sua Parte Geral. Daí o necessário subsídio da legislação civil, que não será motivo de estranheza a quem tiver presente a compreensão das disposições da Parte Geral do Cód. Civil, em rigor e na verdade preceituação comum a todos os ramos do Direito, e não apenas um capítulo da legislação “civil”.
Atos lesivos
10. Estabelecido que o ato, além de lesivo, deve padecer de algum vício, que o torne nulo ou anulável, ainda assim não estará completa a determinação de quais sejam os atos invalidáveis por iniciativa de qualquer cidadão. E isso porque, referindo-se a Constituição a atos lesivos do patrimônio público sem distinguir entre as possíveis espécies de atos, permite indagar, por exemplo, se não se compreenderão na órbita da ação popular os atos legislativos e os atos jurisdicionais, desde que lesivos do referido patrimônio.
O projeto, ao que apuramos, nada dispõe a êsse respeito, preferindo deixar a dificuldade ao cuidado dos tribunais. O substitutivo, porém, já procede diversamente. Para êle, não poderão “constituir objeto de ação popular os atos materialmente legislativos e jurisdicionais e os exclusivamente políticos” (art. 29).
Ora, se em relação aos atos exclusivamente políticos a solução proferida não comporta dúvidas, o mesmo não é de se dizer dos atos legislativos e dos atos jurisdicionais, ainda que restrita a exclusão aos “materialmente” tais. É que pode haver atos materialmente legislativos, mas ainda assim lesivos do patrimônio público. Suponha-se uma lei que contravenha ao princípio constitucional da igualdade de todos perante a ordem jurídica, estabelecendo desigual tratamento para contribuintes de mesma classe, categoria ou condição. Suponha-se ainda – num exemplo em que melhor se acentue o caráter lesivo do ato – um diploma legislativo que conceda isenções fiscais sem atender a quaisquer requisitos, mas por mero arbítrio ou favoritismo. Nesses dois casos, haverá atos legislativos no sentido material da expressão, mas atos legislativos preceitos ou princípios constitucionais. E então, sendo êles lesivos do patrimônio público, poderá duvidar-se de que dêem lugar à ação popular? Parece-nos que não, ficando assim demonstrada a inconveniência do art. 25 do substitutivo.
Aliás, o que parece ter levado o substitutivo a abrir a questionada exceção para os atos materialmente legislativos, foi a consideração de que o legislativo não erra, ou ainda a de estarem os seus atos, por fôrça do princípio constitucional da separação de poderes, a coberto de censura ou invalidação por parte do Judiciário.
Entre nós, porém, – talvez o tenha olvidado o ilustre redator do substitutivo – superpõem-se às leis ordinárias os princípios e preceitos constitucionais, em face dos quais podem aquelas ser invalidadas. Não, evidentemente, como atos do Poder Soberano, que a tenha editado, mas em todos os seus efeitos em relação ao particular prejudicado. Fôsse necessário citar autores (e não o é para um mestre da estatura de BILAC PINTO), e lembraríamos FRANCISCO CAMPOS, em seu magistral parecer intitulada “Elaboração Legislativa”.9
Nesse trabalho, com efeito, depois de judiciosas considerações acêrca das “nulidades em Direito Constitucional e em Direito Civil”, muito bem assinala o consagrado jurista que, por fôrça do regime representativo e de constituição escrita, que adotamos, também os atos do Poder Legislativo, quando contrários à Constituição, podem e devem ser invalidados, não já por fôrça de qualquer proeminência do Poder Judiciário sôbre os demais poderes, mas porque, no fundo, não são êsses atos, leis, mas apenas – e como também se expressa FRANCISCO CAMPOS – “coisa nenhuma em direito, antes e depois da declaração de sua inconstitucionalidade”, que em nada altera ou modifica o seu estado. Invalida-se, aliás, a lei Inconstitucional, não porque lhe seja superior a Constituição, que ela, por hipótese, tenha contrariado, mas par ser impossível considerar-se lei o ato do Poder Legislativo contrário à Constituição.10
Mas, se é assim, ou se também os atos legislativos, do mesmo modo que os administrativos, podem e devem, quando infringentes da Constituição, ser havidos como nenhuns em face do particular prejudicado, por que furtá-los ao exame do Poder Judiciário quando lesivos do patrimônio público, concorrendo, pois, os pressupostos da ação popular?
Por que excetuá-los, se a Constituição nenhum ato excetua, e se, no art. 200, expressamente se refere à declaração de inconstitucionalidade de lei, fazendo-o num pé de perfeita igualdade com a declaração de inconstitucionalidade de outro qualquer “ato do puder público”?
Se uns e outros, ouse tanto as leis como os demais atos do poder público podem ser declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário, desde que êste o faça pela maioria absoluta dos seus membros, razão não há para que se não admita tal declaração em ação popular, quando o ato lesivo de patrimônio público fôr um ato legislativo, que de lei, como se disse, só tenha a aparência.
Não estaremos, aliás, multo longe da verdade invocando, aqui, a autorizada lição de LÚCIO BITTENCOURT, no seu precioso livro “Contrôle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”,11 pois êsse acatado mestre nem só admite a declaração de inconstitucionalidade das leis mediante ação declaratória (“reputamos perfeitamente cabível – diz êle – semelhante forma de procedimento”) como se refere a um caso em que êsse “legítimo interêsse” (o interêsse em declarar a inconstitucionalidade) não precisa, sequer, de ser demonstrado. E qual a hipótese por êle relembrada? Precisamente a da ação popular constitucional, em que o ato é lesivo do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades anárquicas e das sociedades de economia mista.12
Atos legislativos e atos jurisdicionais
11. O que dissemos dos atos legislativos tem aplicação, mutatis mutandis, aos atos jurisdicionais. Também êstes, se lesivos do patrimônio público e se nulos ou anuláveis, poderão ser atacados por ação popular, ensejando-se, então, ao Poder Judiciário a possibilidade do seu reexame. Tudo isso. é bem de ver, se concorrem os pressupostos do referido procedimento. Há assinalar, apenas, que um tal reexame de atos jurisdicionais só se fará possível nas ações rescisórias, pois indispensável é que o ato se tenha tornado definitivo para que alguém o nossa acoimar de lesivo do patrimônio público e de nulo, ou anulável, por vício que se lhe aponte. Em resumo, portanto, não nos parece também acertada, a disposição do art. 25, na parte em que diz a salvo da ação popular quaisquer atos jurisdicionais, pois as sentenças que forem lesivas do patrimônio público e que estejam inquinadas de vício capaz de legitimar o exercício da ação rescisória poderão, se bem apreendemos o espírito da inovação constitucional, sofrer o iudicium rescindens, por iniciativa de qualquer cidadão.
Sujeitos ativo e passivo da ação
12. Mas passemos às disposições de índole processual, limitado o nosso estudo às que ofereçam maior interêsse, pelas questões que suscitem ou pelos problemas que se proponham a resolver.
Em primeiro lugar, a do sujeito ativo da ação. Quem se entenderá “qualquer cidadão”? O nacional do país, aqui nascido, ou naturalizado, ou apenas o investido de direitos políticos, por fôrça de alistamento eleitoral?
Se formos aos repertórios de jurisprudência, vários julgados encontraremos optando pela segunda alternativa. Sòmente o eleitor, decidem êles, é parte legítima para propor a ação popular. Nesse sentido, por exemplo, além da já, citada sentença do eminente juiz JOSÉ FREDERICO MARQUES, confirmada por acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo no vol. 181, pág. 826, da “Rev. dos Tribunais”, outra do ilustre magistrado WERCINGETORIX DE CASTRO GARMS, também confirmada, por aquêle mesmo Tribunal de Justiça.13 E ambos decidindo, ao nosso ver, com manifesto acêrto, pois o próprio PONTES DE MIRANDA, cuja autoridade viera invocada em abono da primeira tese, acentua, nos seus comentários, que o “direito de que se trata no § 38 do artigo 141 da Constituição é um direito da classe dos direitos políticos”, não gozando dêle os nacionais que os tenham perdido, ou que dêles tenham sido suspensos.14
No mesmo sentido PEDRO CALMON15 e, ainda, e principalmente, SEABRA FAGUNDES, êste a se deter no exame da dificuldade para descobrir, na expressão constitucional “qualquer cidadão”, a intenção de limitar o direito, aí consagrado, ao nacional “no gôzo dos direitos políticos”, negando-o, pois, aos estrangeiros e também aos nacionais afetados pelas sanções do art. 135 (suspensão e perda dos direitos políticos).16
A demonstrar, porém, que, apesar da acôrdo da doutrina e da jurisprudência, o preceito constitucional oferece margem a divergências, bastar-nos-á recordar que no primeiro dos citados arestos ficou vencido o esclarecido juiz Dr. CÂNDIDO DA CUNHA CINTRA, não por entender pude-se o “não eleitor” propor ação popular, mas por achar que também os partidos políticos, por isso que constituídos de cidadãos eleitores, estariam habilitados a promovê-la, não se opondo a isso a disposição constitucional. Associações de cidadãos, não poderiam, êles dispor de menores direitos do que os seus próprios componentes, a cada um dos quais, como cidadãos, a legitimação ativa é reconhecida. S. Ex.ª não compreende, por outras palavras, como possa uma faculdade essencialmente política, como o é a da ação popular, ser concedida a meros indivíduos, só porque investidas de direitos políticos, sem que o seja, também, aos agrupamentos políticos dêsses mesmos indivíduos, que são os partidos que êles integram.
O argumento, de comêço, muito nos impressionou, levando-nos quase a admitir que, também, os partidos políticos pudessem figurar em juízo como sujeitos ativos da ação popular Não estaria expresso, mas viria implícito na Constituição.
Mas depois, atentando melhor para o texto, que consagra um direito de exceção e que só se refere às pessoas dos cidadãos, jurìdicamente distintas das agremiações em que se reúnam, ficamos com a opinião vencedora, que recusa a estas últimas o que reconhece aos seus componentes.
Mas se essa é a conclusão que se impõe a quem se circunscreva ao exame da dificuldade do ponto de vista do direito constituído, bem diverso seria o resultado para quem, refletindo sôbre o problema de jure consitituendo, indagasse da possibilidade de se reconhecer aos partidos políticos a questionada legitimatio ad causam, para proporem ação popular. Visto, o problema dêsse novo ângulo, não hesitamos em propor que a lei em estudos, embora precìpuamente se destine a apenas regulamentar a ação popular constitucional, venha a permitir que, também, os partidos políticos possam ingressar em juízo pleiteando a invalidação dos atos lesivos do patrimônio público. Com isso se abririam, por certo, muito melhores perspectivas ao exercício da ação popular, muito irais ao alcance dos partidos políticos, que são os verdadeiros e naturais fiscalizadores da boa gestão dos dinheiros públicos, do que dos simples cidadãos, nem sempre a par das irregularidades verificadas e sempre, ou quase sempre, desprovidos dos meios de investigação e dos recursos necessários à útil aplicação do remédio constitucional.
13. Determinado o sujeito ativo da ação popular constitucional (“qualquer cidadão”, no sentido que acaba de ser exposto), cumpre verificar quem deva ser havido como seu sujeito passivo, questão essa que se não resolve com igual facilidade, reclamando, ao contrário disso, maiores reflexões e cuidados.
Indício primeiro, dessa maior dificuldade é o dissídio que se rota, a respeito, entre o projeto e o substitutivo, que estamos a estudar.
Para o primeiro, com efeito, a ação será movida “contra o beneficiário direto do ato comissivo da autoridade pública, ou órgão da entidade autárquica ou da sociedade de economia mista, devendo ser necessàriamente citados os representantes legais dessas instituições, os quais serão ouvidos em tôdas as fases do processo”. A ação, portanto, não será dirigida contra a pessoa de direito público, entidade autárquica, ou sociedade de economia mista, às quais se atribua o ato que se supõe lesivo dos respectivos patrimônios, mas contra os beneficiários dêsse mesmo ato, citem-se embora os representantes legais daquelas entidades para que se façam ouvir no curso do processo. É o que está no art. 8° do projeto e encontra confirmação no § 1° do mesmo artigo, onde se dispõe que, “se não houver beneficiário direto do ato lesivo, a ação intentar-se-á contra a entidade pública (União, Estado, Município, ou órgão autárquico) ou contra a sociedade de economia mista, sem prejuízo… etc….” Pode-se dizer, portanto, que, para o projeto, o sujeito passivo da ação popular constitucional é o beneficiário do ato suspeito de lesivo e que essa posição de réu só é reconhecida às entidades prejudicadas pelo ato, se dêste não houver quem aufira benefícios.
Já para o segundo, ou seja, para o substitutivo BILAC PINTO, outro é o sujeito passivo da ação popular constitucional, que será intentada “contra a autoridade, funcionário, diretor, gerente ou membro de órgão colegiado que houver praticado, autorizado ou ratificado o ato lesivo ou dado oportunidade à lesão, pela sua omissão” (art. 4º). Quanto aos beneficiários do ato, só serão citados para integrar a contestação, segundo se dispõe na oração final do mesmo artigo. E quanto às entidades, às quais o ato se deva, atribui, o que se lhes permite é, apenas, sue intervenham no processo como assistentes (art. 5°), advertidas de que, se o não fizerem, serão, substituídas nêle, para todos os efeitos, pelo autor da ação popular (parág. único do art. 5°).
Como se vê, projeto e substitutivo relegam para plano secundário, no processo, as entidades de direito público e as sociedades de economia mista em nome das quais se haja praticado a ação ou omissão que se arguam de lesivas dos respectivos patrimônios, solução que o primeiro procura corrigir fazendo-as ouvir no curso do processo, ao passo que o segundo pretende remediá-la admitindo-as a uma, intervenção que as regras gerais de processo costumam reservar a terceiros (real ou aparentemente).
Ora, ou muito nos enganamos, ou isso, data venia, não está certo.
A ação popular se destina – todos o sabem – a obter a anulação ou a declaração de nulidade dos atos lesivos dos patrimônios das referidas pessoas de direito público (União, Estados, Municípios e entidades autárquicas) e das sociedades de economia mista. E êsse resultado – ocioso será explicá-lo – sòmente poderá conseguir-se em processo em que fique assegurado o contraditório regular dessas mesmas pessoas e entidades, a que tais atos se atribuem. Elas, e não outras, são, pela natureza mesma da ação popular constitucional, os sujeitos passivos naturais da referida ação.
Como, por exemplo, anular-se uma alienação, irregular ou fraudulenta, de bens da União, ou de algum Estado, ou Município, senão assegurando-se, no processo, à pessoa de direito público a quem a alienação se atribua, a posição daquele de quem se pede alguma coisa? Como, noutro exemplo, anular-se um contrato em que sejam partes a União, os Estados, os Municípios, ou ainda entidades autárquicas ou sociedades de economia mista, sem que se lhes dê oportunidade de contestar, ou confessar o pedido como partes principais na ação? E os exemplos se multiplicariam ao infinito, reclamado sempre o contraditório regular da pessoa de direito público ou da sociedade de economia mista, com as quais se relacione o ato que se pretenda lesivo dos respectivos patrimônios.
Nem se argumente com a necessidade de ser também citado, para a ação, o beneficiário direto do ato lesivo, como se dá, por exemplo, na ação revocatória ou pauliana. Essa citação será, por certo necessário mas o será para que a sentença o abranja nos seus efeitos, de sorte a obrigá-lo à renúncia ou à restituição de quaisquer vantagens, que ilìcitamente tenha auferido, ou ainda pretenda colher. A posição de tais beneficiários será, portanto, a de litisconsortes necessários pela comunhão de interêsses no objeto do litígio e nunca a de parte primeira, ao ponto de relegar o verdadeiro réu para plano secundário, como se pretende com os quesitos dispositivos.
Nem se pretenda, por outro lado, que a ação deva ser intentada – “contra a autoridade, funcionário, diretor, gerente ou membro de órgão colegiado que houver praticado, autorizado ou ratificado o ato lesivo ou dado oportunidade à lesão por omissão sua”, como se quer no art. 4º do substitutivo. Tôdas essas pessoas – autoridade, funcionário, diretor, gerente ou membro de órgão colegiado – terão agido, necessàriamente, como representantes da União, Estados, Municípios, entidades autárquicas ou sociedades de economia mista, não se justificando, pois, chamá-las a juízo como sujeitos passivos da ação, mas apenas o serem citadas como responsáveis eventuais pelo dano sofrido pelas entidades ou instituições que representem, entidades ou instituições que conservariam, assim, direito regressivo contra elas. Situação que se enquadraria, assim, na figura geral do litisconsórcio necessário entre a Fazenda e seus servidores em quaisquer ações movidas contra esta, ações em que é ré a Fazenda, e nunca o agente imediato da ação ou omissão que haja motivado o processo.
Nem se argumente, por fim, que, em se propondo o autor popular a defender interêsses da Fazenda, não possa agir contra a mesma Fazenda, cujos interêsses intenta proteger. Essa mesma objeção já a vimos formulada com grandes visos de procedência pelo advogado paulista MESSIAS JUNQUEIRA, em ação movida contra o Estada pelo presidente do Centro Acadêmico Onze de Agôsto, visando à anulação de ato da Assembléia Legislativa que irregularmente teria aumentado os subsídios de seus próprios componentes. Pretendia, então, aquêle ilustre causídico que o autor oculto, mas real, da ação popular constitucional seria precisamente a comunidade política – prejudicada pelo ato que se dizia lesivo; e que, assim, não poderia essa mesma comunidade política – no caso o Estado de São Paulo – figurar como ré na referida ação. Seria isso – argumentava S. Ex.ª – atribuírem-se-lhe as posições opostas, de autor e réu ao mesmo tempo.
A objeção, já o dissemos, tem grandes visos de precedência. Só convencerá, entretanto, os que se deixem seduzir pelas aparências, que realmente mostram o autor popular como alguém que esteja a representar a pessoa jurídica de direito público ou a sociedade de economia mista, cujo patrimônio esteja a defender. Na realidade, porém, não se configura semelhante representação, mas procedimento do autor popular em nome próprio, uma vez que um seu interêsse, coincidente embora com o da entidade ou comunidade posta em causa, é que o leva a ingressar em juízo, mediante a ação popular.
Ações supletivas e corretivas
As ações populares, aliás, ou são supletivas ou corretivas. Nas primeiras, realmente, age o autor popular como que em lugar do poder público, para lhe suprir a inércia, representando-o. Já nas segundas, porém, o objetivo a que êle se propõe é, antes de correção de mal já consumado, razão pela qual não é possível pensar-se em representação do poder público pelo autor popular, mas em ação dêste contra o poder público. E, no caso que nos ocupa, da ação popular constitucional, ou da ação de que dispõe qualquer cidadão para obter a anulação ou a declaração de nulidade de ato lesivo do patrimônio público, não é possível duvidar-se da caráter corretivo da ação, nem, portanto, do interêsse próprio do autor popular, capaz de autorizá-lo a trazer a juízo a pessoa de direito público prejudicada, ainda que esta se conforme com o suposto prejuízo, ou se recuse a reconhecer vicioso o ato impugnado.
Substituição processual, portanto – e não apenas representação – é o que se passa na ação popular do inciso 38 do artigo 141 da Constituição, eminentemente corretiva, e não apenas supletiva, como à primeira vista poderia parecer. E na ação popular corretiva – quem o diz é o insigne CHIOVENDA – “Há um direito de que o autor é sujeito e do qual não tem apenas o exercício”, como acontece na ação meramente supletiva, onde o que existe é representação e não substituição.17
Veja-se, aliás, o nº 17 do nosso “Ensaio sôbre a Ação Popular”, onde aludimos à necessidade de bem se definir a natureza do interêsse do autor popular, admitindo que êsse mesmo interêsse ora se mostre dependente do que se faz valer pela ação, oferecendo oportunidade, então, à representação da coletividade pelo autor popular, ora se mostre apenas coincidente com o interêsse coletivo, dando ensejo, desta vez, a verdadeira substituição processual, com tôdas as conseqüências daí derivadas, entre outras a de agir o autor popular por direito próprio, como verdadeiro titular do direito de ação.
Entendemos, pois, e em resumo, que a ação popular constitucional há que ser intentada contra a União, Estado, Município, entidade autárquica ou sociedade de economia mista cujo patrimônio tiver sido prejudicado por ato ou omissão viciosa de qualquer dos seus representantes, e que êstes, os seus representantes, é que serão chamados a juízo como litisconsortes necessários, qualidade que terão, também, os beneficiários diretos do ato ou omissão lesiva, os primeiros, para responderem pelo que irregularmente tiverem feito ou omitido, e os segundos, para suportarem as conseqüências do julgado, se reconhecida a procedência da ação. Se estamos ou não com a boa doutrina, melhor dirão os elaboradores do projeto e do substitutivo, que conhecedores, como nós, das dificuldades do problema em equação, poderão chegar a conclusões definitivas, como poderão, também, relevar-nos a ousadia dêste dissídio, se a tiverem, como é possível, por infundado.
14. As demais disposições de ambos os projetos, umas pelo acêrto das soluções propostas, outras pela excelência da redação preferida, mereceriam, tôdas, estudo semelhante ao que acaba de ser empreendido em relação a algumas.
Mas a premência de tempo e sobretudo o receio de alongar em demasia êste trabalho nos obrigam a limitar ainda mais as nossas considerações, para dizermos, em síntese, o seguinte:
1º, que sobrelevam de interêsse as disposições dos ns. I e II do parág. único do art. 4° do substitutivo, que mandam intentar a ação, também, contra os autores de pareceres ou de votos que hajam contribuído para a realização do ato lesivo. E a razão é simples: assegurarão, desde logo, à pessoa jurídica de direito público ou à sociedade de economia mista prejudicadas nos seus patrimônios a possibilidade de logo se comporem de seus prejuízos, havendo-os dos referidos responsáveis;
2°, que acertadas nos parecem as regras de competência traçadas no art. 9° do substitutivo, bem como as dos arts. 11, 12 e 13: a primeira, a permitir ao juiz a sustação da execução do ato quando haja prova bastante do vício e da lesividade argüidas e se verifique a possibilidade de, pela demora, se tornar inócua a sentença ou difícil a restauração do estado de coisas anterior; e as duas outras, a admitirem o autor popular a invocar, desde logo, proteção possessória ou de preceito, sempre que concorram os requisitos dos interditos possessórios, ou da ação chamada cominatória. É possível que essas disposições se afigurem, à primeira vista, perigosas, mas representarão indiscutível progresso no sentido de mais eficiente proteção ao patrimônio público, tendo, afinal, por si, a incontestável generalidade do preceito constitucional, que não se limitou a instituir uma ação, mas erigiu em garantia constitucional um grande princípio, do qual a legislação processual deverá tirar tôdas as conseqüências;
3°, que acertada nos parece, também, a obrigatória audiência do Ministério Público com a largueza de movimentos que lhe é propiciada pelo art. 16, como acertada se nos afigura a proibição, que se lhe impõe, de assumir a defesa do ato impugnado, ou de seu autor;
4°, que acertadas nos parecem, ainda, as regras dos arts. 20 e 21, quanto à eficácia da sentença proferida na ação popular e quanto à possibilidade de ser esta renovada com idêntico objetivo por outro qualquer cidadão, uma vez que se proponha a produzir outras e novas provas;
5°, que é de se dizer o mesmo das disposições concernentes aos recursos, inclusive da que impõe ao juiz a obrigação de recorrer ex officio sempre que conclua pela improcedência da ação.
Algumas palavras, em especial, sôbre êste recurso. Não está por êle o eminente juiz JOSÉ FREDERICO MARQUES, que o quisera abolido do nosso Direito, louvando-se, para tanto, na autoridade do Professor ALFREDO BUZAID, que lhe propôs a extirpação do Cód. de Proc. Civil, “onde figura como remédio de terapêutica negativa, cuja manutenção nem a história, nem a ciência poderiam justificar”.18
Mas o Prof. ALFREDO BUZAID, a cuja inteligência e cultura sempre rendemos: as nossas melhores homenagens, partiu do pressuposto de que a tutela da ordem pública está, entre nós, suficientemente assegurada pela ação do Ministério Público e dos representantes da Fazenda; argumento êsse que, se pudesse ser invocado em relação à ação popular, conduziria nem só à supressão do recurso ex officio, mas à abolição do próprio remédio constitucional, que se inspira, exatamente, no pressuposto contrário, qual o da útil colaboração dos particulares na defesa judicial do bem público.
15. Duas palavras, afinal, de ligeira apreciação do substitutivo na sua necessária, correspondência com o fim a que se propõe e que outro não pode ser senão estimular e facilitar o exercício da ação popular, em boa hora estabelecida pelo Estatuto fundamental da República. Ação, aliás, que, em poucos anos de incipiente aplicação, já vai ocupando lugar de relevo nos nossos repertórios forenses.
Também sob êsse aspecto, julgamo-lo plenamente satisfatório. Acreditamos, mesmo, que muito se aproxime a disciplina por êle traçada daquilo que se deva reputar o ideal em tão delicado assunto, e que consiste, na exata lição de UMBERO BORSI, em procurar o legislador os mais prováveis fatôres de coincidência entre os interêsses da coletividade e os do autor popular, para neles assentar as regras processuais que se proponha a editar. E isso, claro está: fazendo-o com as cautelas necessárias a que não surjam facilidades que pe:sa:n degenerar em abusos, nem repontem demasias de disciplina, que lhe venham a emperrar o mecanismo, tornando-o pouco utilizável (vêde nosso “Ensaio”, nº 21).
16. São essas, numa apreciação rápida e despretensiosa, por isso mesmo imperfeita e incompleta, as nossas impressões do que possa e deva ser a disciplina da ação popular constitucional. Disciplina que, levada mais adiante, permitiria, também, marcar-se ao exercício da referida ação prazo prescricional próprio, como fôsse, por exemplo, o de dois anos, tôdas as vezes que o ato lesivo tivesse sido cercado de publicidade suficiente a levá-lo ao conhecimento de todos. Verificada a hipótese contrária, de ato sem publicidade, ou clandestino, o prazo seria o de quatro anos, das letras a e b do nº V do § 4° do art. 178 do Cód. Civil, aplicável às ações anulatórias dos atos jurídicos em geral. Não e de cinco anos, do n° VI do § 9°, aplicável às ações movidas contra a Fazenda Pública, federal, estadual ou municipal, pois a ação popular constitucional não é ação contra a Fazenda, no sentido em que a expressão ali vem empregada. Seu objetivo, com efeito, não é o de obter da Fazenda Pública qualquer prestação, mas sim o de favorecê-la, reintegrando-lhe o patrimônio.
Razão principal dêsse mais curto prazo, aqui sugerido: o interêsse do cidadão pela defesa da coisa pública deve surgir e manifestar-se tanto que tem conhecimento do ato lesivo, não se compreendendo, por outro lado, que os atos administrativos revestidos de publicidade permaneçam longo tempo sob a ameaça de invalidação por iniciativa de qualquer do povo. Há necessidade, parece-nos, de se conciliarem aqui os interêsses do cidadão com os da própria administração pública.
17. Impossível, enfim, o encerramento dêste estudo sem que se peça a atenção de todos para a mais importante conseqüência de quanto se dispõe no § 38 do art. 141 da Constituição, e que não é – parece-nos – a de ter êle facultado a qualquer cidadão o exercício da ação popular, mas é, isto sim, a de ter profundamente inovado em matéria de contraste judicial dos atos administrativos.
Até aqui, com efeito, não era dado aos nossos juízes, no julgamento de qualquer ação, dizer do mérito dos atos administrativos, examinando-os sob os aspectos de conveniência ou moralidade. Agora, chamados a julgar se o ato impugnado é, ou não, lesivo do patrimônio público, não vemos como possam evitar aquele mesmo pronunciamento, devendo apreciar, assim, a conveniência e a própria moralidade do ato.
Di-lo, aliás, o já citado SEABRA FAGUNDES, no belo estudo a que fizemos referência, estudo que conclui qualificando de “auspiciosa” a possibilidade que assim se abre ao Poder Judiciário, de também intervir na boa gestão do patrimônio público, fiscalizando-a.19 Intervenção essa que, ao nosso ver, se não fôr exercida com decisão e firmeza, tornará ocioso o próprio princípio constitucional, por melhor que seja a disciplina que se lhe trace.
________
Notas:
1 São Paulo, Livraria Acadêmica, 1939.
2 Capítulo V, no início.
3 Nota 110 do nosso “Ensaio”.
4 Confira-se o nosso “Ensaio sôbre a Ação Popular”, nº 11, e notas 65 e 66.
5 Confira-se o nosso “Ensaio”, nº 8, in fine, e nota 47.
6 Vol. III, pág. 266.
7 “Lesão dos Contratos Bilaterais”, Rio, 1943, ed. da “REVISTA FORENSE”, nº 103.
8 “Droit Administratif”, Paris, ed. de 1936, págs. 649 e segs.
9 Direito Constitucional”, ed. da “REVISTA FORENSE”, Rio, 1942, págs. 1 a 67.
10 Parecer citado, pág. 49.
11 Rio, 1949, ed. da “REVISTA FORENSE”.
12 Ob. cit., págs. 102-103.
13 Vol. 186, pág. 648, da “Rev. dos Tribunais”.
14 “Comentários à Constituição de 1946”, 2ª ed., vol. IV, págs. 442 e 443.
15 “Curso de Direito Constitucional”, 1946, pág. 264.
16 Vêde “Rev. de Direito Administrativo”, vol. VI, outubro de 1946, pág. 17.
17 “Instituições de Direito Processual Civil”, trad. da 2ª ed. italiana vol. 3º, § 35, nº 6, página 351.
18 “Da apelação ex officio”, Saraiva, 1951, conclusões.
19 “Rev. de Direito Administrativo”, vol. VI, pág. 19.
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