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A Greve Ante O Direito, de João Batista Amorim Do Amaral Gama

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CLÁSSICOS FORENSE

CONSTITUCIONAL

REVISTA FORENSE

A Greve Ante o Direito, de João Batista Amorim Do Amaral Gama

REVISTA FORENSE 166 — ANO DE 1954

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19/09/2024

* Os empregados dos nossos serviços portuários declararam-se em greve, suspendendo coletivamente a prestação do trabalho. Em face disso, entendi oportuno algumas considerações sôbre o aspecto jurídico da situação criada.

A vigente Constituição federal declarou, no art. 158:

“É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.

Diante dêsse dispositivo, não faltou quem logo argüisse a derrogação do Código Penal, sustentando inaplicável o seu art. 201, que considera crime

“Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interêsse coletivo”.

A questão estava em verificar se o texto constitucional criara, realmente, um “direito” de greve, ou, em melhores têrmos, se êsse alegado “direito” existe como tal. Trata-se de um problema já discutido e resolvido pela doutrina, no sentido de que as leis disciplinares da greve, constitucionais ou ordinárias, são apenas enunciativas, dispondo tão-só quanto à faculdade dos empregados suspenderem a prestação do trabalho, em situações excepcionais, como manifestação de autotutela de direitos seus. Não há reconhecimento de um direito, pois não há direito à greve. Os empregados dispõem, apenas, dessa faculdade, como recurso de defesa de direitos, equiparando-se, assim, a greve à legítima defesa, como esta é concebida no plano do ordenamento jurídico.

Êsse ponto de vista vem explanado num excelente trabalho do Dr. MOACIR LOBO DA COSTA, publicado na “REVISTA FORENSE”, vol. 154, pág. 29, em que citando tratadistas nacionais e estrangeiros, refere: “A circunstância do ordenamento jurídico permitir o recurso à greve e inscrevê-la como garantia legal, e, mesmo; constitucional, não importa, necessàriamente, no seu reconhecimento como “direito”.

Depois de explicar o paralelo entre a greve e a legítima defesa, com base no cotejo, do antijurídico e o ilícito, conclui: “O homicídio é sempre um ato antijurídico, muito embora o homicida, que age em legítima defesa ou em estado de necessidade, esteja ao abrigo de qualquer penalidade e o seu ato não seja considerado crime pelo Cód. Penal. Ninguém poderá pretender que dessa forma o Cód. Penal tenha reconhecido o direito de matar…”

“A greve não é, portanto, um direito, que o texto constitucional possa reconhecer, e que se contraponha ao exercício de outros direitos, como, por exemplo, os que decorrem para o empregador da existência do vínculo contratual do trabalho. Por isso mesmo, tem-se que êsse “reconhecimento” do “direito” de greve, feito pela Constituição, é mais declaratório que jurídico” (MOACIR LOBO DA COSTA, trab. cit.).

Negada a postulação da greve como direito, não mais seria difícil admitir a limitação de seu exercício, na prática, tendo em vista os superiores interêsses da coletividade. Nem seria razoável que, em matéria de tal magnitude, se entendesse o texto constitucional de modo amplo, aceitando, na hipótese de conflito, a proeminência dêsse alegado “direito”, de que os empregados seriam os titulares, sôbre os interêsses coletivos. E, realmente, por decisão que se vê publicada na “Rev. dos Tribunais”, vol. 189, pág. 559, o excelso Supremo Tribunal Federal decidiu pela aplicação das penas criminais cominadas pelo art. 201 do Cód. Penal aos empregados de emprêsas privadas, por motivos de greve, após a Constituição federal de 1946. Na discussão dêsse caso, o eminente ministro OROZIMBO NONATO teve oportunidade de afirmar que o dispositivo constitucional não é auto-aplicável, porque, nos próprios têrmos de sua redação, depende de regulamentação. E disse que, enquanto isto não se fizer, “as leis anteriores subsistem até que o legislador ordinário tome as providências necessárias, as quais, porém, não poderão atingir o essencial do princípio da liberdade”.

No magnífico parecer do Dr. CARLOS MEDEIROS SILVA, então consultor-geral da República, inserto na “Rev. dos Tribunais”, vol. 198, pág. 37, observou êsse jurista que a Constituição, dispondo sôbre o reconhecimento de greve, não teve em vista impedir qualquer limitação a êsse direito. E cita a opinião de HERMES LIMA, para quem o texto resultou de uma “média de opiniões”. O certo no entanto é que, segundo conclui o ilustre consultor, as leis anteriores à Constituição, que disciplinam a greve, acham-se de pé, em pleno vigor. Assim não só o art. 201 do Cód. Penal, como também o dec.-lei nº 9.070, de 15 de março de 1946.

Nesse tocante, aliás, o articulista não está só. Também NÉLSON HUNGRIA proclama que, “sem dúvida alguma, continua em pleno vigor o dec.-lei nº 9.070, que reconhece a licitude da greve, mas sem abstração ou desprestígio da Justiça do Trabalho” (“Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. VIII, pág. 19). E essa continua a ser a orientação do Supremo Tribunal Federal, que vem aplicando reiteradamente o aludido dec.-lei nº 9.070, não obstante a impugnação dos interessados (“Rev. dos Tribunais”, vol. 222, pág. 536).

Os empregados que participam da atual greve estão, portanto, sujeitos às disposições do art. 201 do Cód. Penal, bem assim às do dec.-lei nº 9.070, e, ainda, no que eventualmente lhes couber, às da lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953 (art. 31). Segundo dispõe o art. 201 da lei penal comum, quem participa de suspensão ou abandono coletivo do trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interêsse coletivo, comete ilícito penal.

Êsse dispositivo, como vimos, está em pleno vigor, e não tenho dúvida que os paredistas incidiram na sanção aí prevista. Como se pode ler no corpo do artigo, a incriminação da greve não depende, aí do emprêgo de violência contra pessoa ou coisa, em contraste com o que dispõe o artigo anterior. Basta, como ensina HUNGRIA, “que, de um ou de outro, resulte interrupção de obra pública ou serviço de interêsse coletivo” (“Comentários”, vol. VIII, pág. 41).

Ora, os grevistas do nosso pôrto, paralisando o trabalho, interromperam efetivamente serviço de interêsse coletivo, que, na enumeração do próprio HUNGRIA “é todo aquêle que afeta, às necessidades da população em geral como, por exemplo, serviços de iluminação, de água, de gás, de energia motriz, de limpeza urbana, de comunicações, de transportes (terrestres, marítimos, fluviais ou aéreos), de matadouro, de estiva, etc.”. O crime se consuma com a suspensão da prestação do trabalho e a conseqüente interrupção do serviço de interêsse-coletivo, coisas presentes na hipótese ora comentada.

Note-se, no entanto, o tratamento severo que o legislador dispensa aos crimes contra a organização do trabalho, entre os quais se inclui o da greve. O dec.-lei nº 9.070, já referido, inovou a matéria do Cód. Penal, dispondo que, nesses crimes, caberá prisão preventiva, não haverá fiança, nem suspensão condicional da pena (sursis), e os recursos não terão efeito suspensivo (art. 15).

A solução para as pretensões dos empregados em atividades consideradas “fundamentais”, para empregar a terminologia do dec.-lei nº 9.070, deve ser buscada na legislação trabalhista, mediante a intervenção prudente da Justiça do Trabalho, incumbida de resolver os conflitos entre o capital e o trabalho. A greve, que é uma faculdade de utilização excepcional, medida de autotutela de direitos, só deve ser empregada quando falha a ordem jurídica, ou ordenamento judiciário do Estado na sua função precípua de distribuir a Justiça. Só então, como recurso extremo, equiparável à legítima defesa, admite-se a greve, dando-se ao empregado a oportunidade de justificar-se por suas próprias mãos. O Prof. MÁRIO DEVEALI soube exprimir isso com palavras agudas, dizendo: “El problema de la huelga puede pues presentarse sólo en los países en los cuales no existe todavia un órgano encargado de decidir los conflictos colectivos. En tales casos, no puede prohibirse la huelga, tal como no puede negarse el derecho de hacerse justicia por la propia mano en los países o en los momentos en que no existe o no funciona la organización judicial del Estado” (“Realidad sociológica y configuración jurídica de la huelga”, apud MOACIR LÔBO DA COSTA, ob. cit.).

A atual greve, portanto, como já o declararam as autoridades administrativas competentes, é absolutamente ilegal.

João Batista Amorim do Amaral Gama, promotor público, em Santos (São Paulo).

___________________

Notas:

* N. da R.: Sôbre a regulamentação do direito de greve, a “REVISTA FORENSE”, no vol. 154, publicou numerosos trabalhos.

LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE

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