32
Ínicio
>
Civil
>
Clássicos Forense
>
Revista Forense
CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Teoria Da Aparência e Herdeiro Aparente, de Mário Moacir Pôrto
Revista Forense
17/09/2024
SUMÁRIO: 1. Teoria da aparência. 2. Herdeiro aparente. 3. Validade das alienações feitas pelo herdeiro aparente. 4. Propriedade resolúvel e propriedade aparente. 5. “Saisine” coletiva. 6. Analogia. 7. A culpa como fundamento da perda dos direitos do verdadeiro herdeiro. 8. Presunção de que o direito real pertence à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu. 9. Sistemas divergentes e condições para a validade do negócio aparente. 10. O interêsse social como fundamento do princípio de que o aparente eqüivale ao real.
1. Teoria da aparência
O direito não é, decididamente, um fenômeno lógico, pelo que a sua aplicação não raro se subtrai à rígida disciplina do ordenamento legal. Ciência eminentemente social, o direito atende, sobretudo, aos reclamos da eqüidade e às exigências do bem comum. A teoria da aparência, que tão fecunda se revela como processo de conciliação entre a enganosa representação das exterioridades e a oculta legitimidade do real, é bem a concretização dêsse ideal de Justiça. Dir-se-á que entre um interêsse aparente e um interêsse protegido por lei não pode haver dúvida possível quanto à prevalência do segundo em relação ao primeiro, e que, num país regido por um direito escrito, os costumes, as solicitações da eqüidade, as máximas e os ensinamentos da tradição não poderão jamais revogar ou modificar o sistema legislativo. Teòricamente assim é, mas pràticamente assim não acontece. O próprio legislador cede, a cada passo, às injunções da aparência, ao poder retificados das situações de fato, nivelando o ilusório ao real e, mais que isso, sobrepondo o interêsse que resulta do êrro escusável ao interêsse que se apóia na lei. A boa-fé que decorre de êrro plenamente justificado pelas circunstâncias supre as nulidades, remove os defeitos, antecipa os prazos da prescrição aquisitiva, consolida o domínio (arts. 155, 221, 551, 618, 935, 1.321, 1.600 e 968 do Cód. Civil). “Error communis facit jus“. Como adverte DEMOGUE (“Notions fundamentales de droit privé”): “Celui qui a traité avec une personne ayant toutes apparences d’avoir un droit ne doit pas être trompé, l’apparence raisonnable du droit, dans les rapports avec les tiers, produire les mêmes effets que le droit lui-même”.
A singular capacidade ab-rogante da boa-fé tem tentado os juristas no sentido de alcançar uma explicação científica do fenômeno ou unificação da teoria da aparência. OTÁVIO GUIMARÃES, em sua monografia “Boa-fé no Direito Brasileiro”, relaciona as diversas tentativas que se têm feito nesse sentido ou com êsse propósito, explicações que vão desde a confissão de que o fenômeno não comporta uma sistematização científica até a arrojada proposição de que a singularidade se vincula ao risco criado com a conduta, voluntária ou involuntária, do verdadeiro titular do direito (págs. 35 a 44).
M. JONESCO (“Les effets juridiques de l’apparence en droit privé”, tese, Strasbourg, 1928) imaginou reduzir as diferentes hipóteses de atos aparentes a um divisor comum, que seria a simulação, entrevendo a possibilidade de encartar a figura da aparência numa preexistente categoria de direito, face à circunstância de que “tout ce qui est simulé est apparent en même tempes”. Sustentou que a simulação poderia resultar de um ato unilateral, de uma manifestação isolada da vontade, o que, a ser verdadeiro, daria à sua engenhosa construção certos visos de procedência. O terceiro, assim, estaria a salvo de qualquer risco, frente ao princípio de que a simulação não é oponível aos terceiros de boa-fé.
GIRAUT (“L’apparence, source de responsabilité”, tese, Paris, 1937), com apoio em LAURENT (“L’apparence dans les problèmes des qualifications juridiques”, tese, 1931), refuta, vitoriosamente, tal teoria, argumentando: “Cette théorie marque un effort intéressant et méritoire de systematisation, donc il faut louer l’auteur, mais elle ne nous satisfait guère. Qu’est-ce qu’en effet que la simulation? Une contradiction entre deux situations juridiques, l’une ostensible qui ne correspond pas à la volonté des parties, l’autre occulte qui seule à été réellement voulue. Pour qu’il y ait simulation, un accord de volontés, intervenu entre les titulaires de la situation véritable et celui qui deviendra le titulaire apparent, est indispensable. D’après M. JONESCO, la simulation n’exige pas le concours de deux personnes; avec M. LAURENT nous soutenons l’opinion contraire. Or, en matière de mandat apparent, cet accord de volontés n’existe que bien rarement. Il fait défaut dans l’hypothèse du “pouvoir apparent” il est bien évident que le pseudo mandataire agit contre la volonté du prétendu mandant; on ne saurait raisonnablement affirmer que les “époux de fait” sont concertés pour tromper les fournisseurs, qu’entre eux une convention occulte s’est formée; ils se sont mis en ménage parce que des inclinations naturelles les y possaient, il n’y a pas lieu de rechercher d autre explication. La Révocation s’analyse en un simple acte unilateral, exclusif par consèquent de toute idée de simulation” (págs. 118 e 119).
Não há dúvida que o ato unilateral pode ser simulado, mas é indispensável que se constate a combinação para prejudicar terceiro ou desrespeitar a lei. Se o acôrdo não existe, não pode haver simulação (CARVALHO SANTOS, com apoio em PONTES DE MIRANDA, in “Código Civil Interpretado”, vol. 11, págs, 379-380). Peca, assim, pela base a teoria que, de resto, não prosperou na doutrina e nem se refletiu na jurisprudência.
Permitimo-nos afirmar que não é possível filiar o fenômeno da aparência a uma categoria legal preexistente. Em certas hipóteses, poderia o intérprete vislumbrar na conduta negligente do verdadeiro titular do direito o fundamento da teoria da aparência. O erro do terceiro seria uma resultante da conduta culposa de quem deveria agir com a prudência e diligência necessárias a evitar que situações aparentes fôssem tomadas por situações reais. Mas o conceito é insatisfatório e demasiado impreciso, pois, entre outros defeitos, alça um dever de consciência à condição de obrigação legal. Ao que tudo indica, o conceito de que o aparente eqüivale ao real esteia-se em razões puramente pragmáticas. O verdadeiro é o útil. Se a manutenção do negócio aparente, em relação ao interêsse social, é mais vantajoso que o respeito à situação protegida por lei, vinga o aparente como realidade jurídica.
O objeto dêste estudo não é, precìpuamente, o desenvolvimento da teoria da aparência, mas o exame da situação do herdeiro aparente e, particularmente, da sorte das alienações feitas pelo pseudo-herdeiro aos terceiros de boa-fé. Dispensamo-nos, assim, de delongar o assunto ou apreciar outros aspectos da aparência como realidade, quais sejam o mandato aparente (M. JACQUES LEAUTE, “Le mandat apparent dans ses rapports avec la théorie générale de l’apparence”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1947, págs. 288-307), domicílio aparente (BEUDANT et LEREBOURSPIGEONNIÈRE, 2ª ed., 1936, vol. 11, página 321) e funcionário aparente (Lei Barbarius Philippus, “Digesto”, De officio pretorum, 1, XIV), tão ricos de sugestões e de interêsse prático.
2. Herdeiro aparente
É o que, não sendo titular dos direitos sucessórios, é tido, no entanto, como legítimo proprietário da herança em conseqüência de êrro invencível e comum. Os conflitos entre o verdadeiro herdeiro e o herdeiro aparente ocorrem, entre outras hipóteses, quando um herdeiro mais remoto se habilita à herança em lugar do sucessor mais próximo ou quando a anulação ou descobrimento de um testamento excluem aquêles que, até então, eram tidos e havidos como sucessores do hereditando. O fato não oferece dificuldades quando os bens da sucessão se encontram, ao tempo da disputa, em poder do herdeiro aparente, que, nessa hipótese, terá de restituir os bens de que, indevidamente, se apossara. A dificuldade surge quando o herdeiro aparente aliena os bens da sucessão a terceiros de boa-fé. Em relação aos atos de administração, inclusive pagamentos, não se opõem dúvidas quanto à validade dos mesmos (art. 935 do Código Civil; CANDIDO DE OLIVEIRA FILHO, “Prática Civil”, vol. 10, nº 65; JOSSERAND, “Cours de Droit Civil Positif français”, 1940, vol. III, nº 1.022; página 616). No que respeita às alienações é que a dúvida assalta os juristas e a cisão se declara na jurisprudência. Os que se atêm aos princípios de uma lógica rigorosa e se apegam ao truísmo de que ninguém pode transmitir direitos que não tem, as alienações feitas pelo herdeiro aparente são nulas, mesmo em relação aos adquirentes de boa-fé. Alinham-se, neste rol, juristas do mais alto porte (F. LAURENT, “Principes de Droit Civil”, 3ª ed., t. 9, ns. 559, 560, 561 e 562, e, segundo AUBRY et RAU. “Droit Civil français”, 5ª ed., vol. 10, § 616, pág. 13, LEBRUN, TOULLIER, GRENIER DURANTON, PROUDHON, TROPLONG). Outros, ao contrário, opõem-se à nulidade das alienações, sensíveis à circunstância de que o êrro invencível e comum consolida a situação de fato (PLANIOL et RIPERT, – “Traité pratique de droit civil français”, t. 4, Successions, por MAURY et VIALLETON, ns 345 e seguintes; JOSSERAND; ob. cit., vol. 3, ns. 1.025, 1.026 e 1.027; M. HENRI MAZEAUD, “La maxime error communis facit jus”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1924, págs; 952-964; CRÉMIEU, “Validité des actes accomplie par l’héritier apparent”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil” 1910, págs. 39-82; M. JACQUES DONNEDIEU DE VABRES, “Les actes de l’héritier apparent”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1941, páginas 385-403; AUBRY-RAU (com restrições), ob. cit., t. 10; § 616, nº 5, páginas 12-17; CAPITANT, “Recueil Periodique et Critique Dalloz”, 1935, págs. 97-98). Pelo visto, não é possível resolver a questão pelo argumento de autoridade, já de si tão inseguro e desprestigiado. Impõe-se, ao contrário, apreciar a controvérsia sob os seus múltiplos aspectos e tirar do exame dos argumentos e cotejo das objeções a solução que mais se aproxime da verdade jurídica. Cumpre distinguir, primeiramente, as alienações forçadas das alienações voluntárias e, entre estas, as onerosas das gratuitas, bem como as transferências a título singular das cessões da herança. As alienações forçadas, como as que são feitas para satisfazer dívidas de herança, são válidas evidentemente. DEMANTE, entre outros, esclarece:
“Quant à la validité de leurs actes à l’egar des tiers qui on traité ou plaidé avec eux sur les biens héréditaires, il sérait difficile de la contester d’une manière absolue. Car il y a des rapports forcés, qui, en absence du véritable maître, n’ont pu s’établir qu’avec les possesseurs, et il sérait souverainement inique de ne pas maintenir à tout événement les opérations ainsi faites de bonne foi. La loi elle-même sen explique suffisamment pour le paiement (v. art. 1.240), et je n’hésiterais pas à appliquer disposition aux jugements et autres actes du méme genre, tels que partage ou licitation” (“Cours Analytique de Code Civil”, 2ª ed., 1881, ts. 1, 176-bis, e IV, págs. 307-308). As alienações a título gratuito são sempre passíveis de resilição; segundo entendimento geral, resumido por CRÉMIEU nos seguintes têrmos:, “Il faut, en second lieu qui l’aliénation ait été fait à titre onéreux. S’il agit d’une acte de disposition à titre gratuit, pas de doute possible. L’héritier véritable peut revendiquer. C’est, en effet, un principe logique autant qu’équitable que dans conflit qui s élève entre un individu qui cherche à eviter un prejudice, “qui certat damno vitando”, et un autre individu qui lutte pour réaliser un bénéfice, “qui certat lucro captando”, ou doit donner la préférence au premier au détriment du second. Les considérations de crédit qui inspirent les solutions de la jurisprudence disparaient lorsqu’il s’agit de liberalité. S’il est utile, afin d’assurer la bonne circulation des biens, de proteger les acheteurs, il n’y a pas raisons pour assurer la même protection aux locataire” (trabalho cit., pág. 68). Que dizer, por fim, da cessão de direitos hereditários?. A jurisprudência francesa se inclina, decididamente, pela nulidade da cessão da herança (BAUDRY-LACANTINERIE et WAHL, “Traité Théorique et Pratique de Droit Civil”, 1905, 3ª ed., t. 1, n° 946, págs. 715-716). O principal argumento contrário à validade da alienação a título universal consiste na afirmativa de que o vendedor assume a obrigação de garantir a venda, pelo que o alienante deve ter, necessàriamente, a qualidade de herdeiro ou de proprietário da herança. O argumento é de uma fragilidade manifesta e LAURENT o contesta com irrecusável vantagem:
“La Cour de Cassation annule la vente que l héritier apparent ferait de l’hérédité, une telle vente supposant nécessairement la qualité d’héritier dans le personne du vendeur, obligé à la garantir. Nouvelle contradiction: est-ce que par hasard le vendeur d’un immeuble n’est pas obligé à la garantie de qualité de propriétaire?” (ob. e vol. cits., número 561. pág. 640). Aduz-se, ainda, que o cessionário não é um terceiro e que a compra de direitos hereditários constitui um negócio de natureza aleatória, pelo que o cessionário deverá suportar os riscos do negócio incerto que realizou (M. JACQUES DONNEDIEU DE VABRES, trab. cit., pág. 401). Tais razões, ao nosso ver, são demasiado sibilinas para que sejam verdadeiras, pelo que nos decidimos pela corrente que não vislumbra diferença real entre as duas ordens de alienações (JEAN CARBONNIER; comentário a um acórdão da Côrte de Angers, in “Recueil Dalloz”, 1948. págs. 464-465; SAVATIER, “Valeur de la cession de droits successifs consentie par un héritier apparent”, in “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1937, págs. 835-836).
3. Validade das alienações feitas pelo herdeiro aparente
Esclarecidos êsses pontos essenciais, surge a verdadeira questão: E válida a alienação de bens hereditários, a título oneroso feita pelo herdeiro aparente a um terceiro de boa-fé?
A interrogação há muito que desafia a argúcia dos juristas e abre inconciliáveis divergências entre os numerosos autores que têm tentado respondê-la. A jurisprudência, por sua vez, reflete as vacilações da doutrina. Uma autêntica vexato quaestio que, na ausência de um texto legal que a discipline, tende a eternizar-se nas parlengas eruditas e na perplexidade dos argumentos contraditórios.
O nosso Cód. Civil é omisso a respeito, lacuna de que também se ressente o Código de NAPOLEÃO. O Cód. Civil italiano prevê a hipótese, resolvendo-a nos têrmos seguintes:
“L’erede può agire anche contro gli aventi causa da chi possiede a titolo di erede o senza titolo. Sono salvi i diritti acquistati, per effecto di convenzioni a titolo oneroso com l’erede apparente, dai terzi i quali provino di avere contrattato in buona fede. La disposizione del comma precedente non si applica ai beni immobili e ai beni mobili iscriti nei pubblici registri, se l’acquisto a titolo di crede e l’acquisto dal l’erede apparente non sono stati trascriti anteriormente alta trascrizione dell acquisto da parte dell’erede o del legatario vero, o alla trascrizione della domanda giudiziale contro l’erede apparente” (art. 534).
O Cód. Civil argentino também regula o assunto (art. 3.430) no sentido da validade das alienações.
4. Propriedade resolúvel e propriedade aparente
A nossa literatura jurídica é escassa a respeito da palpitante questão, como escassos são os arestos dos nossos tribunais. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a dirimir a controvérsia e o fêz nos seguintes têrmos:
“Não há no direito brasileiro lugar para a figura do herdeiro aparente. O herdeiro que fôr excluído da sucessão por indignidade pratica vàlidamente os atos de alienação enquanto é herdeiro, enquanto não se deu a exclusão. A norma geral é a de que a exclusão do herdeiro opera ex tunc, retroativamente, ao passo que os atos praticados por herdeiro excluído por indignidade são ineficazes ex nunc. Não pode esta regra excepcional ampliar-se para abranger a situação de quem nunca foi herdeiro, que foi excluído porque não tinha a qualidade de herdeiro, dada a eficácia retroativa da sentença que julgou procedente uma ação de investigação de paternidade. Quando se trata de aplicação analógica, não é possível falar em ofensa de texto expresso de lei.
“Voto vencida do ministro GOULART DE OLIVEIRA: Basta, para que se aplique a lei por analogia, a semelhança, sem que se exija identidade. A indignidade em si deve ser distinguida da incapacidade. Esta se estabelece por motivos de ordem geral, independentemente do mérito ou demérito da pessoa, ao passo que a indignidade é pronunciada, a título de pena, em razão de atos graves. O herdeiro aparente tem capacidade para dispor da herança” (acórdão de 14 de janeiro de 1947, in “REVISTA FORENSE”, vol. CXIII, páginas 68-73).
A hipótese objeto do julgamento, segundo se depreende da leitura do acórdão, foi a seguinte: Aberta a sucessão. a herança foi devolvida aos sobrinhos do de cujus, na qualidade de únicos herdeiros. Partilhada a herança entre os ditos herdeiros, venderam êstes partes dos bens da sucessão a terceiros. Um filho natural do de cujus promoveu, então, uma ação de investigação de paternidade, cumulada com a de petição de herança. Logrou obter o reconhecimento judicial da sua filiação, bem como a restituição da herança em parte alienada.
Parece que o acórdão não situou a questão dentro do seu verdadeiro quadro, pelo que ousamos afirmar, com as devidas reservas e natural timidez, que a hipótese em causa não retratava, a rigor, um caso de alienação feita por um herdeiro aparente. Ao que supomos, a hipótese deveria ter sido apreciada sob o ângulo da resolução do domínio por causa superveniente. Senão vejamos. O filho natural não-reconhecido não é herdeiro. Estabelecida essa premissa, temos que, com a morte, a posse e domínio da herança se transmitiram aos sobrinhos do de cujus, que eram, até então, os únicos sucessores (arts. 1.572 e 1.574 do Código Civil). Na qualidade de herdeiros e proprietários da herança, os sobrinhos alienaram, vàlidamente, os bens que lhe tocaram na partilha. O reconhecimento judicial da filiação, ocorrido depois das alienações, resolveu o domínio, mas sem alançar as alienações feitas anteriormente, pois; conforme estabelece o art. 648 do Cód. Civil, “se o domínio se resolve” por outra causa superveniente, o possuidor, que o tiver adquirido por título “anterior à resolução, será considerado “proprietário perfeito”. Tôda a dificuldade está em se admitir ou não que a condição de herdeiro é um efeito da sentença declaratória da filiação. Contesta-se, geralmente, que a qualidade ou título de herdeiro surja com a sentença, sob a alegação de que o reconhecimento voluntário ou judicial não atribui direitos, pois se limita a declarar uma situação preexistente, razão pela qual a sentença que reconhece a filiação ilegítima opera ex tunc, isto é, retroativamente, até o momento do nascimento ou mesmo da concepção. Tal entendimento, porém, deverá ser admitido em termos. Há efeitos que são próprios, naturais, da filiação, como, por exemplo, o direito de pedir alimentos, que a lei (art. 405 do Código Civil) assegura ao filho a natural em relação ao pai, mesmo no caso em que o reconhecimento não seja permitido. Outros efeitos, porém, resultam da sentença de reconhecimento, entre os quais se incluem, manifestamente, o titulo de herdeiro, os direitos sucessórios. São efeitos novos, que surgem com a sentença. Versando o assunto, o Prof. CAIO MÁRIO PEREIRA esclarece, satisfatòriamente, o assunto, pelo que transcrevemos, na íntegra, a sua lição, tão clara quanto convincente:
“Os direitos do filho natural vão buscar sua causa primeira no parentesco biológico, mas êste só produz efeitos “através do ato declaratório, que é o seu meio de efetivação jurídica. Se a relação natural só produz efeitos quando ocorre o reconhecimento êste é uma causa de sua verificação; se o complexo de direitos se origina da concepção, esta é uma causa de sua existência. Estamos, pois, em face de efeitos decorrentes de dupla causalidade: concausa. A relação da paternidade biológica e o reconhecimento, agindo simultâneamente, concretizam a situação jurídica do filho ilegítimo, cujos direitos, originários do vínculo natural, se efetivam por via do reconhecimento. Esta verdade é tão indiscutível, que o próprio PLANIOL, querendo contestá-la, é levado a admiti-la. Após afirmar que os direitos do filho não são efeitos do reconhecimento, não foge a sustentar que êste “est la condition de leur réalisation“, condição, dizemos, sem a qual não se efetivam. Ora, se os direitos de que é titular o filho, com fundamento na relação de parentesco, só se realizam através do preenchimento desta “condição”, e se sem a sua concorrência são juridicamente inoperantes, não pode haver dúvida em que o reconhecimento produz conseqüências jurídicas, produz efeitos, e são êstes efeitos que iremos examinar” (“Efeitos do Reconhecimento da Paternidade Ilegítima”, págs. 57 e segs.).
CARLO FURNO, da Universidade de Florença, é, a respeito, particularmente explícito:
“Non saprei ora, definir meglio il riconoscimento della prole naturale, che come mero atto giuridico di natura sostanziale dichiarativa, con effetti (legali) costitutivi o attributivi. Perché è ben sicuro che il riconoscimento non crea il fatto naturale del rapporto di paternità (il quale è una realità radicata nel passato): ma è altrettanto sicuro che esse pone in essere la condizione, dalla quale l’ordinamento giuridico fa dipendere, e alla quale ricollega l’effetto legale della creazione dello “status”: ossia, della creazione di una qualifica giuridica, che presuppone bensi un rapporto naturale esistente, ma che non per questo, in sé e per sè, è meno giuridicamente una novità” (“Riv. di Diritto Processuale Civile”, ano de 1939, vol. XVI, 2ª parte, págs. 181-182).
Pelo visto, não é possível resolver a controvérsia através da consideração de que a sentença declaratória da paternidade ilegítima carece de efeitos próprios e, como tal, opera retroativamente. A sentença que exclui o herdeiro por indignidade é, também, declaratória, pois a indignidade não resulta da decisão. Não obstante, o art. 1.600 do Cód. Civil é expresso em firmar que “são válidas as “alienações de bens hereditários e os “atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro excluído, antes da “sentença de exclusão” Temos, assim, um significativo exemplo de sentença declaratória com efeitos ex nunc, o que se explica não só pela circunstância de constituir a declaração de indignidade uma pena que, por isso mesmo, não poderá atingir, em seus efeitos, os terceiros adquirentes, como pelo fato de constituir a sentença uma causa superveniente de resolução de domínio. A questão – diga-se de passagem – apresenta certa semelhança com a que respeita a ruptura do testamento em virtude do reconhecimento superveniente e forçado de filho ilegítimo (art. 1.750 do Cód. Civil), que tantas dúvidas e controvérsias tem suscitado entre nós (ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, “Investigação de Paternidade”, nº 293, págs. 365-367). Em resumo não se deve confundir propriedade aparente com propriedade resolúvel (BEUDANT et VOIRIN, “Cours de Droit Civil Français”, 2ª ed., 1938, t. IV, nº 360, páginas 384-386).
5. “Saisine” coletiva
Não é de hoje que se inclui a petitio hereditatis entre as hipóteses de revogação ex nunc, como se vê da seguinte lição de ZACHARIAE:
“La révocation a lieu, au contraire, “ex tunc”, lorsque le contrat d’achat est attaqué pour cause de lésion de plus des sept douzième; ou lorsqu’une donation est réduite, parce qu’elle a excédé la quotité disponible, art. 929; ou lorsque le dernier possesseur est évincé d’un immeuble par la revendication, art. 2.279, ou dépossédé d’un héritage, par exemple, par une pétition d’hérédité. Cependant il semble que cette dernière proposition doive souffrir une exception dans le cri où un héritier est soit dépossédé de l’héritage dont il a eu jusque-là la possession, par un héritier plus proche; soit dépossédé d’une partie de son héritage par un autre héritier du même degré, o’est-à-dire, par un cohéritier, detelle sorte que, dans ce cas, les dispositions grises à l’égard des choses et desdroits dépendant de la succession par l’héritier condamné à la restitution de celle-ci, par exemple, les hypothèques et les servitudes dont il a grevé les immeubles de la succession, et les améliorations qu’il y a entreprises, doivent être maintenues, à moins toutefois que les dispositions par lui prises ne soient attaquées aú moyen de l’action paulienne. V. art. 1.167. En effet, ainsi qu’on le verra plus tard, ai titre des “Successions”; tous les héritiers, proches ou éloignés, sont copropriétaires solidaires, “condomini in solidum”, de la succession, et l’ordre de succession ne se règle que sur les rappórts respectifs des héritiers entre eux, et non sur leur position relativement à des tiers; d’où la conséquence que les dispositions qu’un héritier a prises en ce qui concerne la succession, comme possesseur de celle-ci, sont aussi, sous la réserve indiquée plus haut, obligatoires pour lés autres héritiers, de même que le payement qu’un débiteur fait à l’un de ses créanciers solidaires éteint la dette relativement à tous les créanciers” (“Le Droit Civil Français”. anotado por G. MASSÉ et VERGÉ, 1855, vol. 2, págs. 66-67). E mais adiante K.-S. ZACHARIAE (§ 376, pág. 299) é mais explícito: “Lorsque la succession a été appréhendée non par l’héritier le plus proche, mais par un héritier plus éloigné, ou par un seul des héritiers les plus proches, et que l’héritier ainsi mis indúment en possession de la succession est ensuite condamné à en remettre la totalité à l’héritier le plus proche, ou à en remettre une partie à ses cohéritiers, les actes faits par lui relativement à la succession, par exemple, les aliénations d’immeubles qui en dépendent, n’en sont pas moins valables; ces actes peuvent seulement, suivant les circonstances, être attaqués par l’action paulienne”.
A lição de ZACHARIAE merece apenas um reparo: Funda-se no chamado princípio da saisine collective, segundo o qual com a abertura da sucessão a posse da herança se transmite a todos os herdeiros, e não sòmente àqueles que, consoante a ordem da vocação hereditária, deverão suceder ao de cujus. Tal noção é geralmente repelida (JOSSERAND, ob., cit., vol. 3, nº 830; AUBRY-RAU, ob: cit., § 609. pág. 537, nota 25; BAUDRY-LACANTINERIE et WAHL, ob. cit., “Successions”, vol. 1, nº 147; BONNECASE, “Elementos de Derecho Civil”, ed. espanhola, t. 3, nº 627, pág. 474), pois a saisine é individual, isto é, toca àquele ou àqueles a quem, por lei, devam ser chamados, em primeiro lugar, a suceder. É de ver-se, no entretanto, que o Cód. Civil brasileiro (art. 1.572), à semelhança do Código de NAPOLEÃO (art. 724) acolhe a saisine em têrmos indiscriminados:
“Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
Em refôrço ao princípio da saisine hereditária, enunciada no art. 1.572, o parág. único do art. 1.580 é expresso em estabelecer que “qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo êste opor-lhe, em exceção, o caráter parcial do seu “direito nos bens da sucessão”. Por fim, é princípio geralmente aceito que o herdeiro que promove uma ação de petição de herança contra terceiro não poderá ser rechaçado em seu propósito pela exceção de que não é o herdeiro mais próximo do de cujus (AUBRY-RAU, ob. cit., vol. 9, § 609. págs. 538 a 539). Tôdas essas razões militam em favor da chamada saisine hereditária, sendo de registrar-se que VIRGÍLIO DE SÁ PEREIRA, com a elevada autoridade que prestigia o seu nome, escreve: “Além do caso típico de revogação por ingratidão e da pauliana que citamos, se incluem mais na revogação ex nunc do nosso texto (artigo 648 do Cód. Civil) a redibitória, o pacto de melhor comprador (arts. 1.158, parág. único cláusula final, e 1.159) e a petitio hereditatis, escrevem ZACHARIAE e CROME, embora seja admitida a posse coletiva dos herdeiros legítimos. “Sob êste ponto de vista, se pode dizer que a ordem de sucessão só se refere aos herdeiros legítimos entre si, embora que exteriormente cada herdeiro representa in solidum a herança, e por isso pode vàlidamente dela dispor” (“Manuel Código Civil”, “Direito das Coisas”, volume VIII, pág. 456). É muito discutível a juridicidade de tal ponto de vista, mas fôrça é convir que os fiadores da sua procedência são da mais elevada idoneidade.
6. Analogia
Firmada, ao que supomos, a linha divisória entre propriedade resolúvel por causa superveniente (artigo 648 do Cód. Civil) e propriedade aparente, resta-nos apreciar a sorte das alienações feitas pelo pseudo-herdeiro, isto é, por quem não sendo herdeiro aliena, a êsse título e por contrato oneroso, os bens da herança. A questão, como já frisamos, é das mais complexas e tormentosas. Podemos repetir aqui o que diz LAURENT, ao iniciar o estudo da intricada questão: “Nous entrons dans une mer de controverses et doutes” (ob. e vol. cits., nº 554, pág. 632).
A analogia é o recurso ou argumento de que se servem, geralmente, os autores para justificar a manutenção das alienações feitas pelo herdeiro aparente a terceiros de boa-fé. Passemos em revista as diversas hipóteses que, segundo os juristas mais opinados, identificam-se com a que elegemos para objeto do nosso estudo.
a) Negócio, feito pelo herdeiro excluído, antes da sentença declaratória da indignidade. O art. 1.600 do Cód. Civil estabelece:
“São válidas as alienações de bens hereditários, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro excluído, antes da sentença de exclusão”.
FILADELFO AZEVEDO vislumbrou no dispositivo legal invocado uma norma que não se confinaria à hipótese regulada, de onde a sua aplicação, por analogia às alienações feitas pelo herdeiro aparente (razões transcritas in “Código Civil Interpretado”, de CARVALHO SANTOS, vol. XXII, págs. 238-241). CARVALHO SANTOS, à vista da lição do saudoso mestre, declarou encerrada a questão: “O dispositivo supra (art. 1.600) não se aplica apenas ao herdeiro excluído por indignidade. É ponto hoje que não admite mais controvérsia. Mesmo porque os efeitos da ação de petição de herança não poderão prejudicar àquele que adquiriu do herdeiro aparente quaisquer bens desde que de boa-fé. É princípio universal de direito, que se amolda bem ao sistema do nosso Cód. Civil” (ob. e vol. cits., págs. 237-238 e 99-101). Os tribunais de Justiça de São Paulo e Minas têm decidido consoante êsse entendimento (“Rev. dos Tribunais”, volumes 123, pág. 181, e 138, pág. 631; “REVISTA FORENSE, vol. CXXXII pág. 475).
Não nos parece possível assimilar as duas situações, tão ostensivos são os pontos que denunciam as diferençais existentes. O herdeiro que é excluído por indignidade é herdeiro até o advento da sentença. As alienações feitas pelo herdeiro antes da exclusão por indignidade são alienações feitas por quem é proprietário da herança, enquanto as que realiza o herdeiro aparente constituem transferências a non domino. O Código de NAPOLEÃO não contém um dispositivo idêntico ao art. 1.600 do nosso Código, razão pela qual perdura uma certa dúvida no que toca à validade das alienações feitas pelo herdeiro excluído antes da sentença que declara a indignidade, o que levou DEMOLOMBE a assimilar a situação do herdeiro aparente ao do herdeiro indigno, para concluir que em tem e outro caso a resolução do domínio opera ex tunc. Criticando a opinião de DEMOLOMBE, assim se expressa AUBRY-RAU: “D’après ce auteur (DEMOLOMBE), le titre de l’indigne serait resolu “ex tunc”, et l’on devrait appliquer aux actes de disposition qu’il a passés, des règles analogues à eelles qui concernent les alienations consenties par l’héritier apparent. Mais, l’assimilation qu’il prétend établir entre la position de l’indigne et celle de l’héritier apparent, ne nous paraît pas exacte. A la différence de l’héritier apparent, qui n’a en realité jamais en aucun titre à faire valoir sur l’héredité, l’indigne eu a été légalement saisi jusqu’au jour où son indignité a été declarée; et si, en excluant de la succession, la loi pouvait légitimement lui enlever, avec effet retroactif au regard des personnes qui s’y trouvent appelées à son exclusion, toas les avantages attachés à la qualité l’héritier, elle n’aurait cependant pas pu, sans blesser la raison et t’equité, méconnaître, que, vis-à-vis des tiers de bonne foi il a été régulièrement investi de tous les droits attachés au titre d’héritier, dans l’intervalle qui s’est écoulé entre l’ouverture de la successión et la déclaration judiciare de son indignité” (ob cit., vol. 9 § 594, nº 5, nota 13). Não seria possível dizer melhor.
b) Alienação de bens de ausente pelos herdeiros presuntivos. Diz o art. 483 do Cód: Civil:
“Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou alguns de seus descendentes; ou ascendentes, aquêles ou êstes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos alienados depois daquele tempo”.
Nos têrmos da lei, o regresso do ausente não invalida a venda dos seus bens, feita pelos seus sucessores. A hipótese apresenta alguma semelhança com as vendas feitas pelo herdeiro aparente pelo que JOSSERAND (ob. cit., vol. 3, nº 1.025) não trepida em admitir a identidade das duas situações: “En outre, il y a lieu d’évoquer ici la solution que donne le Code Civil dans un cas particulier, celui oú le véritable héritier se trouvait en état d’absence: la succession est alors provisoirement dévolue à ceux qui t’aurazent recueillie à son défaut (art. 136); et, si l’absent, donc l’héritier véritable, reparait ensuite, l’hérédité lui est bien restituée, mais sous la reserve des actes consentis par les héritiers provisoires, par les héritiers apparents; il recouvre les biens dans l’état où ils se trouveront (art. 132). La généralisation s’impose: tout héritier apparent à qui l’opinion publique prête la qualité de successeur, doit pouvoir accomplir, sur les biens héréditaires, des actes définitifs, opposables à l’héritier veritable; il n’y a pas de raison pour distinguer suivant que celui-ci était absent au sens juridique du mot ou selon que, non absent, il a négligé de faire valoir ses droits et de prendre possession de l’hérédité. L’erreur commune et invencible crée le droit: “error communis facit jus”; ce vieux brocard qui fait partie intégrante des vérités juridiques éternelles, de la superlégalité, vient refouler la maxime trop strictement logique: nemo plus juris in alium transferre potest…”; l’erreur individuelle, donc la bonne foi, est créatrice du droit lorsqu’elle vient s’appuyer sur l’erreur commune en s’intégrant dans la possession d’état d’héritier; l’apparence a alors raison de la réalité juridique, ou, si l’on veut, elle devient elle-même cette réalité” (págs. 618 a 819). O argumento não é novo. DEMOLOMBE, salvo engano, foi o primeiro a invocá-lo (“Traité des Successions”, t. 11, ns. 241 e segs.). Para DEMOLOMBE, o herdeiro presuntivo do ausente é um mandatário com larguíssimos poderes, inclusive o de disposição dos bens. Parte dessa premissa para argumentar que o herdeiro aparente, à vista da similitude das situações, é portador de um mandato, resultante do silêncio do verdadeiro herdeiro, tão amplo quanto “o mandato legal” do sucessor do ausente. Assim, o herdeiro aparente aliena. vàlidamente os bens da herança, na qualidade de mandatário do verdadeiro herdeiro. A construção é, evidentemente, forçada. Como pretender-se que a simples abstenção do verdadeiro herdeiro importe em conferir ao herdeiro aparente não só um mandato para a administração como para a disposição da herança? O herdeiro aparente, ao nosso ver, é um verdadeiro gestor de negócio do herdeiro verdadeiro em relação aos atos necessários, isto é, aos atos que o herdeiro verdadeiro teria, certamente, que praticar em favor ou por conveniência’ dos interêsses da herança. Mas no que tange às alienações voluntárias, o argumento, ainda que engenhoso, não convence. O sucessor do ausente, na hipótese prevista no art. 483 do Cód. Civil, é um verdadeiro proprietário dos bens que lhe são entregues, uma vez que lhe assiste o direito, conferido em lei, de aliena-los. E certo que o domínio do herdeiro presuntivo é revogável, pois se subordina ao regressa do ausente. Mas tal circunstância não lhe tira, ao nosso ver, a qualidade de proprietário verdadeiro. O herdeiro aparente não é proprietário. O seu direito é ilusório, pois decorre de um êrro justificado pelas circunstâncias.
c) Pagamento putativo. O art. 935 do Cód. Civil estabelece que o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provando-se depois que não era credor. O Código como se vê, assimila o detentor do título ao titular do crédito para efeito de validar o pagamento feito, de boa-fé, pelo devedor. DEMANTE (“Cours Analytique”, ts. 1, número 178-bis, e IV, págs. 307-308) valeu-se de dispositivo similar do Código de NAPOLEÃO (art. 1.240) para concluir pela identidade das duas situações, isto é, pagamento putativo e alienação feita pelo herdeiro aparente. Mas o pagamento, como já dissemos, é um ato necessário, o que basta para excluir a pretendida identidade entre as duas hipóteses.
7. A culpa como fundamento da perda dos direitos do verdadeiro herdeiro
Deve-se a EMMANUEL LEVY – autor que se distingue pela originalidade das suas idéias e feição sentenciosa das suas conclusões (“Le droit repose sur des croyances”; “Ce qui est droit, c’est ce que nous croyons être le droit”) a engenhosa teoria de que a alienação feita pelo herdeiro aparente é válida porque o êrro que deu causa ao negócio resultou da conduta culposa do verdadeiro proprietário da herança (“Responsabilité et Contrat”, “Revue Critique”, 1899, págs. 341 e segs.). Em sociedade, diz LEVY, todo homem é responsável em face dos seus iguais na medida em que os seus semelhantes necessitam de confiar na sua pessoa para que possam agir com segurança. A perda do direito do verdadeiro proprietário, pelo visto, resultaria da sua negligência, da sua culpa manifestada no descumprimento da obrigação geral de não trair ou frustrar a confiança necessária à segurança das relações sociais.
Culpa, no lato sentido da teoria de LEVY, seria a violação dessa confiança que deve inspirar a conduta do homem em sociedade, a “confiance légitime trompée“. Idéia sutil e mesmo fascinante, que bem atesta o gênio inventivo dos juristas franceses. Mas, apesar de tudo, é insatisfatória e ambígua. Pode-se opor ao ponto de vista de LEVY que a pretendida obrigação de confiança, não tem credor definido conhecido, pois a sua figura somente surge quando se dá a violação da obrigação. PLANIOL define a culpa como a “transgressão de uma obrigação preexistente”, isto é, o descumprimento do dever jurídico de se conduzir com a prudência e diligência necessárias à segurança das relações entre os homens. Parece-nos que essa “obrigação preexistente” muito se assemelha ou se identifica com o dever de não trair a confiança alheia, a que se refere LEVY. As críticas que a definição de PLANIOL tem suscitado são veementes e elas atingem, à vista da similitude dos conceitos, a noção de que a culpa é a “confiance légitime trompée”, pelo que reproduzimos aqui a censura de BRETHE DE LA GRESSAYE à célebre definição de PLANIOL: “Les créanciers seraient l’ensemble des hommes; autant dire qu’ils n’existent pas. Qu’est-ce que cette obligation qui aurait pour créancier une personne et pour débiteur tout le reste de l’humanité? Cette soi-disant obligation n’a pas devantage de valeur appréciable en argent; et enfio qui dons pense à inscrire à soo passif l’obligation de ne pas nuire à autrui, ou à son actif, la créance réciproque contre tout homme? (“La théorie générale de la responsabilité en droit penal et en droit civil”, in “Revue Générale du Droit” 1928; pág. 193). Ao nosso ver, o que compromete o conceito altamente generoso de LEVY é a identificação que realiza entre os deveres morais e as obrigações jurídicas, erigindo imperativos da consciência à condição de disciplina legal EMMANUEL LEVY, como se sabe, exerceu a política militante e foi o fundador do chamado socialismo jurídico” francês. No seu discutido ensaio – “La Vision Socialisté du Droit” – expõe os ideais igualitários do seu movimento renovador com o extremado fervor de cavaleiro andante, e o tom messiânico da linguagem mais afina com os propósitos reformistas de um condottiere que com o pensamento objetivo e sóbrio de um jurista. RIPERT (“Le Socialisme Juridique d’Emmanuel Levy” “Revue Critique”, 1928) põe em ressalto a vacuidade e o lirismo das idéias do eminente professor da Faculdade de Lyon, frisando que “nous ne vivons plus de croyances, mais de soumission”.
MORIM, citado por CRÉMIEU (“Revise Trimestrielle de Droit Civil”, 1910, pág. 78), fundamenta a responsabilidade do verdadeiro proprietário na relação de causalidade existente entre a sua conduta, voluntária ou involuntária, e o êrro de que foi vítima o terceiro adquirente. A ação, comissiva ou omissiva do verdadeiro herdeiro, dá lugar a um prejuízo. Ora, – argumenta, – no conflito que se constata entre o terceiro e o verdadeiro proprietário impõe-se resguardar-se o interêsse do terceiro, de vez que o êrro que ensejou o negócio resultou da conduta do verdadeiro titular da herança. O pensamento de MORIM expressa uma simples nuança do conceito de culpa expendido por LEVY, pelo que não faz jus a um mais largo comentário.
Outros argumentos tirados de situações analógicas poderão ser lembrados, como o que respeita à validade das alienações em fraude de credores feitas a adquirentes de boa-fé (art. 107 do Código Civil), casamento putativo (arts. 221 e 232, inc. II, do Cód. Civil), etc.
8. Presunção de que o direito real pertence à pessoa em cujo nome se inscreveu ou transcreveu
Nos têrmos do que dispõe o art. 859 do Cód. Civil. “presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu”. Lavra entre nós funda divergência a respeito da natureza da presunção resultante do registro. Entendem uns que a presunção é juris tantum, e, como tal, não purga os defeitos do título e nem sempre a faculdade de disposição. Outros, porém, concluem que a presunção é juris et de jure e, como tal, forra o adquirente à reivindicação.
A transcrição do formal de partilha – que deverá ser feita quando a partilha puser têrmo à indivisão – não tem por fim a transmissão do domínio e posse da herança que, como se sabe, transfere-se aos herdeiros pelo simples fato da morte. A transcrição do formal visa à disponibilidade da herança e publicidade da mutação do domínio (art. 532, inc. I, do Cód. Civil). Mas não é menos certo que a transcrição induz, até prova em contrário, a presunção, de que o alienante podia dispor dos bens transmitidos. O registro, assim, milita em favor da boa-fé do adquirente e reforça o entendimento de que a alienação da propriedade aparente deverá ser mantida na hipótese excepcional de êrro invencível e comum quanto à disponibilidade da herança.
9. Sistemas divergentes e condições para a validade do negócio aparente
Coerente com a nossa convicção de que a lei não exaure o direito e que o fenômeno jurídico não se confina nos estreitos limites da lógica, filiamo-nos à corrente que pugna pela validade das alienações feitas pelo herdeiro aparente a terceiros de boa-fé. É de notar-se que não há uniformidade de vista entre os que partilham da convicção de que a alienação é válida, e a discórdia, assim, instala-se entre os próprios adeptos da corrente mais liberal. AUBRY-RAU resumem em quatro sistemas as diferentes opiniões: 1) validade das vendas no caso em que a evicção que sofresse o comprador de boa-fé autorizasse uma ação regressiva, cujo resultado fizesse suportar o herdeiro aparente, igualmente de boa-fé. condenação maior do que à que êle teria sofrido, se fôsse diretamente acionado pela petição de herança; 2) validade das alienações, mesmo em hipótese que não se encarte no primeiro sistema, desde que alienante e alienatário tenham procedido de boa-fé; 3) validade das alienações, desde que o adquirente proceda de boa-fé, pouco importando, para a validade do negócio a, má-fé do herdeiro aparente; 4) validade das alienações, quando feita por um herdeiro mais remoto que se valeu da inação ou insciência do herdeiro mais próximo para apossar-se da herança, e nulidade quando o herdeiro se apossa da herança em virtude de testamento revogado ou anulado ou sem título algum (AUBRY-RAU, ob. cit., vol. 10, págs. 41-42). JOSSERAND, com apoio na jurisprudência, indica os requisitos que deverão coexistir para que o terceiro adquirente fique a salvo da evicção: 1) ter agido de boa-fé e que o êrro, de fato ou de direito, seja invencível e comum. Não é necessário que o herdeiro aparente tenha procedido de boa-fé; 2). um título que justifique o êrro individual do adquirente e a crença generalizada de que o herdeiro aparenta era o verdadeiro proprietário da herança. Não é indispensável que o título seja legal ou justo; 3) que o alienatário tenha adquirido a herança a título singular. O cessionário de direitos sucessórios não se livra de restituir o que, a êsse título, recebeu, pois a sua situação é ou seria idêntica à do herdeiro cedente (ob. cit., vol. 3, nº 1.027, páginas 619-620). Excetuado o último requisito, parece-nos correta a enumeração feita por JOSSERAND.
Admitida a validade da alienação, cabe ao verdadeiro herdeiro o direito de haver do herdeiro aparente o preço da venda. Se o herdeiro aparente tiver agido de boa-fé, a indenização limitar-se-á à devolução do que houver recebido. Caso contrário, o transmitente de má-fé deverá restituir o preço, os frutos colhidos e percebidos e ainda completar o preço da coisa alienada, caso a alienação tenha sido Mita por quantia inferior ao valor da coisa. Ao herdeiro verdadeiro cabe a ação de petição de herança contra o herdeiro aparente, para reaver os bens da sucessão, e reivindicação contra o terceiro que, a título singular, adquiriu bens da herança.
10. O interêsse social como fundamento do princípio de que o aparente equivale ao real. Chegados a essa altura, impõe-se uma tentativa de justificação a prol da validade das alienações. E com êsse propósito aduzimos as razões que seguem. Dois argumentos são invocados contra a validade das alienações: “Nemo legem ignorare consetur” (art. 3° da Lei de Introd. ao Cód. Civil) e “Nemo transferrè potest quod non habet nec plus quam habet“. A questão, colocada nesses têrmos ou dentro dêsse rigorismo formal, não enseja outra conclusão: nulidade das alienações. Mas os princípios absolutos; quando tomados ao pé da letra, conduzem, invariàvelmente, a conseqüências iníquas. Uma coisa é o princípio de que a lei se aplica tanto aos que a conhecem como aos que a ignoram, e outra coisa é a escusa por ignorância ou êrro de direito, como ensina EDUARDO ESPÍNOLA (“Lei de Introdução ao Código Civil”, volume I, pág. 95). Um terceiro de boa-fé que contrata com um herdeiro aparente não ignora que os bens da sucessão sòmente poderão ser vendidos pelo seu proprietário. O que êle ignora é que a pessoa que se apresenta como proprietário, não seja, em face da lei, o verdadeiro dono. Se o êrro é invencível e generalizado, equipara-se, para todos os efeitos, ao êrro de fato. Como diz VENEZIAN, citado por ESPÍNOLA: “O princípio de que a lei; “transcorrido o tempo da vacatio, é obrigatória para todos os cidadãos, independentemente do conhecimento que tenha qualquer pessoa, deve entender-se, ùnicamente, no sentido que a ignorância da lei não pode ser alegada para escusar a ignorância dela, e fugir às conseqüências; mas o êrro e a ignorância do direito podem ser invocados, a par do êrro de fato, quando se trata de mostrar a existência de um pressuposto, do qual a própria lei faz depender a admissão ou a exclusão de determinados efeitos jurídicos; isto é, quando a alegação do êrro se destina a tornar sem efeito atos em que foi êle que determinou a vontade, ou a aproveitar os efeitos legais da boa-fé” (págs. 98-99). Dir-se-á que o êrro de direito não pode ser comum, o que bastaria para excluir a manutenção do negócio aparente. Mas é irrecusável que o êrro de direito pode ser generalizado, que a interpretação de um texto de lei pode ser feita, durante um certo tempo, de modo incorreto, errôneo, insustentável. Tempo houve, entre nós, que se tinha como certo que a promessa de venda de imóvel, excedente da taxa legal, não poderia ser feita por escritura particular. Tal interpretação da lei, manifestamente errônea, cedeu a uma outra, evidentemente correta; de que o compromisso de compra e venda de imóvel expressa uma obrigação de fazer e não de dar, pelo que a escritura pública não é da substância do ato.
O outro argumento, baseado no princípio de que “ninguém transfere direitos que não tem ou mais do que tem”, deverá ser entendido em têrmos razoáveis. Não se sustenta que o herdeiro aparente transmite ao terceiro os direitos do verdadeiro proprietário. Tal transferência é, na verdade, irrealizável. A venda a non domino é inexistente em relação ao verdadeiro dono, ainda que válida em relação aos contratantes. Quando se conclui pela validade da alienação realizada pelo herdeiro aparente ao terceiro de boa-fé sustenta-se que o interêsse do proprietário deverá ceder ao interêsse maior do terceiro adquirente. Pretende-se, apenas, consolidar uma situação de fato, frente à consideração de que a resolução do negócio é mais nociva ao interêsse social que a sua manutenção. M. HENRI MAZEAUD (trab. cit., “Revue Trimestrielle”, 1924, pág. 951) esclarece: “La sécurité sociale est assurée dês que les artes faits sous l’empire d’une erreur invencible sont maintenus. Il importe donc de ne point donner à l’adage une portée qu’il n’a pas: “Error communis facit jus”, signifie simplement qu’une situation de fait contraire au droit est mantenue lorsqu’elle est née d’une erreur invencible. C’est ce que M. Loniewski a heureusement exprimé en remarquant que l’error error communis crée non pas “le droit objectif” mais “des droits subjectifs”.
Não vale dizer que a boa-fé, por si só, não tem bastante fôrça para destruir o direito do verdadeiro proprietário, que tal assertiva importa na subversão do, nosso sistema legislativo, que o vago “interêsse social” não poderá ser invocado contra a lei expressa. Objeções dêsse turno inspiram-se na fôrça da inércia ou na visão unilateral do problema. A boa-fé do adquirente, nos têrmos da lei brasileira, vale mais que os direitos do verdadeiro proprietário: Face ao disposto no art. 968 do Cód. Civil, o solvente não poderá reivindicar o seu imóvel quando êste tenha sido alienado a título oneroso a um terceiro de boa-fé. A regra é que na aplicação da lei o intérprete deverá atender, sobretudo, ao interêsse mais relevante. SAVATIER expressa muito bem êsse pensamento: “Ce qui légitime les effets de l’apparence, c’est la nécessité de la protection des tiers de bonne foi. Le problème se résume ici a choisir entre deux interêts, l’un e l’autre respectables, mais inégalement: celui de l’héritier véritable et longtemps inactif; celui des tiers trompées par sa passivité. On comprend parfaitement que le premier de ces intéréts soit sacrific au sécond. D’abord, l’intérêt des tiers de bonne foi a une portée générále: admettre, malgré l’erreur cammune, la nullité des aliénations de l’héritier aprent ce serait enlever toute sécurité aux acquérons de biens ayant fait l’object d’une hérédité depuis moins de trènte ans; une suspicion générale serait aussi jetée sur le commerce des biens et comperait le crédit de presque tous les propriétaires. Au contraire de l’intérêt de l’acquéreur, qui se confond ainsi avec l’intérêt générale, celui de l’héritier véritable reste purement privé. Il faut ajouter que son inaction s’explique souvent par sa négligence, et que l’atteinte qu’il est question de porter à ses droits se resume, tout au plus, en un “lucrum cessans”, tandis que l’acquéreur tutte pour éviter un “damnum emergens” (“Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1935, página 675).
O acolhimento de tão salutar ponto de vista não importa em adesão à chamada jurisprudência ab-rogante, mas em submissão à regra de que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum (art. 5º da Lei de Introd. ao Cód. Civil). Vale sublinhar, de resto, que o princípio enunciado no art. 2º da Lei de Introd. ao Cód. Civil, de que uma lei só se revoga ou se modifica por outra lei, – corolário forçado da autonomia e independência dos poderes do Estado, – retrata, a rigor, uma ilusão. Primeiro, porque não é certo que os poderes constitucionais se comportem como províncias estanques do Estado; segundo, porque o princípio expressa mais um conceito teórico que uma realidade prática. A função normativa da jurisprudência é um fato que desafia contestação séria. Não valem, neste terreno, as objeções doutrinárias; vale, nesse passo, o fato incontestável do poder legiferante da magistratura. E. H. PERREAU adverte, com sobradas razões: “C’est un príncipe absolument banal aujourd’hui que la jurisprudence n’a pas la force d’abroger la loi, ni d’y déroger en quoi que ce soit. La séparation des pouvoirs l’éxige: organe chargé constitutionnellement d’appliquer la loi lui doit obéissance. Mais ce príncipe est plus théorique à la verité que pratique, et il faut se gard se payer de mots en une matière aussi complexe et delicate. Le pouvoir de la jurisprudence pour interpréter la loi est tellement étendu, la richesse de ses procédés si variée, souvent les formules employées par nos lois civiles sont si larges, ou bien leurs divers textes se limitent mutuellement de telle manière, que les Tribunaux possédent pratiquement un droit três voisin de celui d’abrogation ou dérogation” (“Tecnique de la Jurisprudence en Droit Prive”, vol. I, 1923, § 1, págs. 20-21). Os nossos tribunais, à semelhança dos tribunais de outros países, não vacilam em revogar ou modificar a lei sempre que se patenteia um conflito entre a norma e o interêsse social, entre a inatualidade da regra e as exigências da vida contemporânea. Entre outras hipóteses, a jurisprudência toma iniludível caráter ab-rogante nos seguintes casos: responsabilidade do patrão pelo ato culposo do empregado, em desacôrdo com o art. 1.523 do Cód. Civil; acolhimento da cláusula rebus sic stantibus para efeito de resolução ou revisão dos contratos pelo juiz, em oposição ao disposto nos artigos 1.214, 1.246 e 1.433 do nosso Código; presunção de responsabilidade carregada ao guardião da coisa inanimada, ao arrepio da sistemática do Cód. Civil, expresso em basear a responsabilidade na culpa provada (art. 159). Nada impede, assim, que se acolha o entendimento favorável à manutenção das alienações, pois tal exegese é a que se conforma com as razões de ordem pública e o interêsse geral. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência da Côrte de Cassação da França:
“Si les tiers peuvent valablement acquérir de l’héritier apparent un immeuble de la succéssion, c’est à la condition qu’ils aient été de bonne foi et, en outre, qu’ils aient traité sous l’influence de l’erreur commune (civil 777 et suiv., 1.599, 2.182; § 2). Leur bonne foi individuelle est présuméc; par contre, ils doivent, le cas échéant, prouver l’erreur commune. Lorsque leur mauvaise foi, dont les juges du fond sont souverains appréciateurs, est établie, cette circonstance sufjit à justifier la nullité de la vente consentie par l’héritier apparent, sans qu’il y ait à rechercher et à prendre en considération soit l’erreur commune, soit toute autre circonstance de la cause. Les raisons d’équité et d’intérêt générale qui ont conduit à reconnaître la validité des ventes passées par un héritier apparent n’autorisent pas à faire état des conditions dans lesquelles celui qui est regardé par tous comme le successeur du défunt s’est emparé de la succession; seule doit être prise en considération la bonne ou mauvaise foi du tiers acquéreur” (acórdão de 20 de maio de 1935, in “Recueil Périodique et Critique Dalloz”, 1935, pág. 97).
Estamos certos que, mais cedo ou mais tarde, os nossos juízes cederão aos imperativos do interêsse geral, à relevante conveniência de assegurar a estabilidade dos negócios feitos de boa-fé, abandonando, como indesejáveis. os rígidos critérios lógicos que, presentemente, informam a maioria das decisões. A jurisprudência, nos dias críticos que vivemos, há de ser salutarmente tendenciosa. O ideal, no plano do ordenamento jurídico, não é o irrepreensível em face da ética abstrata ou o correto em relação à lógica formal, mas ó que é satisfatório e operante em função do interêsse de maior valia, pois se a lei é uma disciplina das imperfeições humanas, a aplicação da lei há de informar-se, a fim de que o direito efetivamente se realize, no propósito finalístico de alcançar um modus vivendi que mais se aproxime da perfeição.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: