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Os deficientes e a tomada de decisão apoiada

Arnaldo Rizzardo

Arnaldo Rizzardo

21/10/2015

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Existe uma figura nova de amparo aos deficientes, introduzida no Código Civil pelo art. 116 da Lei nº 13.146, de 6.07.2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD), publicada no dia seguinte, que é a ‘tomada de decisão apoiada’, a qual passou a formar o Capítulo III, incluído no Título IV do Livro IV da Parte Especial pelo art. 115 da mesma Lei, ficando com a seguinte denominação: “Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada”. O citado art. 116 trouxe o art. 1.783-A, com onze parágrafos, regulamentando a espécie.

A previsão da vigência é de cento e oitenta dias da publicação.

A ‘tomada de decisão apoiada’ não se restringe apenas aos vulneráveis portadores de deficiências ou problemas mentais, mas estende-se aos deficientes em geral, nos campos da saúde física, intelectual; e nos sentidos, constando a abrangência no art. 2º do mencionado diploma: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Não é considerada a pessoa plenamente incapaz, pois mantém algum entendimento e poder de decisão, expressando manifestações da vontade. Por isso, nos termos do art. 6º, ‘a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Pelo art. 84 da citada Lei, a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Trata-se de um instituto mais suave ou menos grave nos efeitos que a curatela.

De maneira simplificada, pode-se dizer que a espécie destina-se aos relativamente incapazes, que revelem limitações mentais, físicas, intelectuais e sensoriais, abrangendo as psicossociais e as cognitivas. A pessoa apresenta limitações mentais, físicas, intelectuais e sensoriais, denotando dificuldade na compreensão das situações da vida, na manifestação das ideias, na realização de negócios, na expressão da vontade, na comunicação pela fala, na visão, audição, percepção e outros canais de exteriorização. Há somente uma redução dessas capacidades, persistindo um nível inferior de compreensão, decisão e ação, não havendo, pois, a participação plena e efetiva no convívio humano, como ocorre com as demais pessoas.

É comum a situação de pessoas com demências senis, cuja quantidade vai aumentando com o envelhecimento da população; com doenças que afetam a mente e o corpo, tomando-se como exemplos as que sofreram derrame cerebral ou acidente vascular cerebral, as portadoras do Mal de Alzheimer e outras moléstias incuráveis, os tetraplégicos, os nascidos com a Síndrome de Down, e os que perderam os membros ou os movimentos, sequer podendo escrever o nome.

Essas pessoas deixaram de ser consideradas incapazes, desde que persista algum grau de entendimento. Dada a fraqueza da mente, ou do corpo e dos sentidos, socorre-se de outras pessoas para as decisões e atos de realce pessoal e econômico.

A espécie convive com a curatela, isto é, não fica o indivíduo alijado de preferir a interdição, sendo menos drástica nos efeitos, pois mantém-se garantido à pessoa o direito das decisões, podendo ela participar no comando dos atos de sua vida. Em face do nível da deficiência, não sofrerá restrições em seu estado de plena capacidade, mas adotam-se medidas protetivas de acompanhamento e amparo. Unicamente priva-se de legitimidade para praticar alguns atos da vida civil, devidamente indicados, se não houver o acompanhamento dos apoiadores. Socorre-se de outras pessoas para o exercício de atividades que importarem em efeitos jurídicos. Há um meio alternativo nos atos que exigem decisões sobre a administração dos bens e sobre o rumo da vida. Diríamos que se dá a participação de pessoas previamente escolhidas e nomeadas em assuntos relevantes. Mas não se exclui, como já referido, a curatela, que torna-se obrigatória se totalmente incapaz a pessoa por causas que excluem a capacidade de agir.

Não se anulam os atos se ausente os apoiadores. Entretanto, sujeitam-se à anulação, se aventada, posteriormente, a incapacidade, o que não acontece se a decisão tivesse sido tomada com apoio em parecer ou acompanhamento dos apoiadores.

A figura já era conhecida no direito estrangeiro, como no direito da Alemanha, da França, da Áustria, da Bélgica. No Código Civil italiano veio introduzida pela Lei nº 6/2004 nos arts. 404 a 413, denominada amministratore di sostegno, significando ‘o administrador de apoio’. Recentemente foi incorporada no direito argentino.

Passa-se para a análise dos elementos e requisitos da tomada de decisão apoiada.

a) Os habilitados ao pedido.

Unicamente os deficientes parciais, e que mantêm alguma capacidade de entendimento e de decidir podem valer-se do instituto. A tanto induz o art. 1.783-A do Código Civil: “A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas ido?neas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informaço?es necessários para que possa exercer sua capacidade”.

Nota-se que da pessoa com deficiência deve partir o interesso para a escolha de pelo menos duas pessoas que a apoiarão e a secundarão nos atos e nas decisões da vida civil. Visa o instituto manter integrados na vida normal os portadores de deficiências, revelando-se inaplicável o instituto aos totalmente incapazes e que não puderem exprimir a vontade. Insere-se na regra a participação do deficiente na decisão, que indicará pessoas com as quais possui vínculos e que sejam de sua confiança, o que é possível se remanescer alguma capacidade de se exprimir.

b) Objeto da tomada de decisão.

Não se objetiva a representação do deficiente, mas o acompanhamento e o apoio em decisões sobre os atos da vida civil, isto é, sobre contratos ou negócios, declarações, assunção de compromissos, decisões e questões que encerram importância econômica ou patrimonial. Em outros atos próprios da subsistência e comuns da vida não se requer a participação dos apoiadores.

Os atos dependentes do apoio virão descritos no termo onde constam os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores.

A finalidade é emprestar solidez e certeza aos negócios patrimoniais e outros atos da vida civil, afastando a possibilidade de posterior anulação. A ausência dos apoiadores não invalida o ato, admitindo-se, entrementes, a viabilidade de sua anulação por incapacidade de expresser a vontade.

c) A formalização do pedido e a via judicial

Como ocorre com a curatela, se constituirá pela via judicial a formulação do pedido.

O primeiro passo será a elaboração de um termo de compromisso, ou uma declaração, em que o deficiente e os apoiadores definem os limites e atos que são objeto da participação dos últimos, o prazo de vigência, o respeito à vontade, aos direitos e interesses do deficiente. Eis a regra do § 1º do art. 1.783-A: “Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito a? vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar”. Basicamente, discriminam-se os atos em que é necessário o apoio, que são, v. g., os que trazem algum efeito no patrimônio, na vida do deficiente, nos negócios, na disposição de bens, na compra de bens de raiz, nos investimentos e aplicações bancárias. A atuação dos apoiadores terá em conta os direitos e os interesses da pessoa deficiente. Fixa-se um prazo para a duração do compromisso, com a previsão de sua renovação automatica, se nada se opuser findo o prazo.

Esse termo de compromisso poderá integrar o requerimento para a aprovação judicial do pedido de instituição do compromisso, que se encaminhará à Justiça, através de uma ação, à semelhança da ação de curatela. O requerimento, a cargo da pessoa a ser apoiada, objetivará a aprovação do pedido de tomada de decisão apoiada, na exata previsão do § 2º: “O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo”.

Autua-se a ação, e seguem os demais atos, colhendo-se o parecer da equipe multidisciplinar, ou de pessoas aptas no assunto. Intervém o Ministério Público. Realizar-se-á audiência, em que são ouvidos pessoalmente o autor do pedido e os apoiadores. Assim ordena o § 3º: “Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio”. O procedimento judicial é singelo, pois consiste mais no recebimento do pedido, que virá acompanhado da concordância dos apoiadores, e seguindo para o parecer de equipe multidisciplinar, formada por psicólogos, assistentes sociais, medicos e psiquiatras, se tanto exigir a situação. Ouvem-se o requerente e os apoiadores, e determinam-se outras diligências, se necessárias. Colhe-se o parecer do Ministério Público, proferindo o juiz, em seguida, a sentença.

Inscreve-se a sentença no registro civil da pessoa natural, como acontece com a curatela.

d) Os efeitos da decisão

Uma vez concluída a fase instrutória, com vistas às partes e colhendo-se o parecer do Ministério Público, o juiz proferirá a sentença, deferindo ou não o pedido para a tomada de decisão com base em apoio de pessoas escolhidas, cujos efeitos e validade constam no § 4º: “A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restriço?es, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado”. Mesmo que apurado posteriormente algum grau de limitação da vontade, por doença física, mental e intelectual, ou sensorial, não se invalida o negócio, se tiver havido o apoio.

Na sentença, ficarão especificados os atos em que se impõe o apoio, ou que dependem de parecer ou da presença dos apoiadores. Não se dispensará a pessoa do apoiado, que realizará o ato. Todavia, se verificada a impossibilidade física da presença, ou da mesma exprimir o ato da vontade, seja qual for a causa da incapacidade, não se realizará o ato. A situação é própria da curatela, em que o incapaz será representado e não assistido ou apoiado.

Os atos indicados no pedido terão validade plena se manifestado o apoio. Mas, não havendo averbação no registro civil, e nem publicação da sentença na imprensa e em órgãos da rede de computadores do Poder Judiciário, não se infere que os atos sejam questionáveis e sujeitos à invalidade. Exclusivamente sujeitam-se à invalidade se demonstrada a incapacidade de expressar a vontade de forma absoluta.

Os apoiadores estarão presentes na realização do negócio, consignando-se a função, com a especificação da nomeção em decisão judicial. Indicam-se o número do processo e outros dados identificadores. Com o propósito de infundir mais segurança, faculta-se aos terceiros a exigência da coleta das assinaturas de todos, com a observação de que a decisão teve o respaldo e aprovação dos apoiadores. O § 5º sugere essa faculdade: “Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado”. Essa providência constitui uma cautela, para evitar futuras dúvidas e controvérsias, e não uma imposição para a validade.

e) Divergência dos apoiadores e do apoiado

Haverá sempre dois apoiadores, impondo-se que ambos manifestem concordância com o negócio, e que haja pleno acordo com o apoiado. Se não ocorrer a unanimidade, ou verificada a divergência com o apoiado, busca-se a solução judicial, que poderá inviabilizar o próprio ato, pois sabe-se da ineficiência, pela demora, de uma futura e tardia decisão nesse âmbito. Ingressa-se com uma ação para conseguir a autorização, devendo-se obedecer as regras do devido processo legal, com citações, produção de provas, parecer do Ministério Público, e sentença.

A falta de unanimidade ou a divergência são suscetíveis se previsível risco ou prejuízo relevante ao apoiado, em negócio patrimonial ou em ato da vida civil, como casamento ou celebração de contrato de união estável, acordo de alimentos e transação em processo judicial, renúncia de herança, assinatura de garantias, etc.

O § 6º cuida da situação, dando o caminho judicial: “Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opinio?es entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão”. Existe divergência se um dos apoiadores discorda da opinião do outro, ao qual adere a pessoa do apoiado, e havendo risco de prejuízo relevante. Não trazendo risco ou prejuízo relevante ao apoiado, mostra-se irrelevante a falta de unanimidade.

f) Responsabilidade dos apoiadores

A atuação ou participação dos apoiadores primará pela decência ou honestidade. Incide a responsabilidade na atuação dolosa e mesmo culposa (o agir com a vontade dirigida ao prejuízo, ou com imprudência, negligência e imperícia). Há o mau aconselhamento, ou a pressão psicológida, ou a omisão em participar, ou a apropriação de valores, ou o descumprimento das obrigações legais e contratuais.

Os prejuízos são reparáveis na equivalência dos danos e representa-se ao Ministério Público para a devida apuração, com vistas à aplicação das penalidades cabíveis. Ao juiz também é possível o encaminhamento, que acionará o Ministério Público. O preceito está no § 7º: “Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigaço?es assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz”.

O § 8º aponta para a destituição do apoiador: “Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio”.

Não se extrai da regra a restrição da destituição unicamente na hipótese de condenação. Vários outros fatores conduzem ao afastamento, como a doença, a incompatibilidade que surge entre apoiado e apoiador, a falta de tempo disponível, a mudança de residência para local que dificulta a convivência e o atendimento quando necessário, e até o simples pedido de exoneração de parte do apoiado ou do apoiador.

Quanto ao pedido do apoiado, a permissão consta do § 9º: “A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada”.

Já a pretensão de desistir da função do apoiador está no § 10: “O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado a? manifestação do juiz sobre a material”.

Em princípio, o desempenho do cargo submete-se à aceitação da pessoa. Mostra-se inconveniente impor a permanência, se manifestada a vontade de exoneração. Ao apoiado cabe indicar o substituto, com a apresentação do termo no qual se inserem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos do apoiador, com o prazo de vigência, o respeito a? vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que deve apoiar. Apresenta-se ao juiz para que ratifique a substituição, após as diligências que ordenar, como a ouvida pessoal do novo apoiador e a manifestação do Ministério Público. Não diligenciando-se na substituição, extingue-se o processo, não mais se exigindo a tomada de posição apoiada. Nem se cogita em se considerer o apoiado incapaz, podendo ele praticar os atos normais da vida. Todavia, aos parentes legitimados e ao Ministério Público é facultado o ingresso de ação de interdição, se justificáveis as causas.

O § 11 submete os apoiadores à obrigação de dar contas, de expliar ou apresentar o relatório de sua atuação no negócio que apoiaram ou deram assessoria, à semelhança como se opera na curatela: “Aplicam-se a? tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposiço?es referentes a? prestação de contas na curatela”. Mais apropriadamente, cabe-lhes justificar o ato, evidenciando a vantagem e o benefício advindo ao apoiado. A providência é exigível nas solicitações do apoiado e nas determinações do juízo onde se processou o pedido. Não há a imposição de apresentar a prestação de contas a cada dois anos, nos termos dos arts. 1.756 e 1.757 do Código Civil. É de se lembrar que ocorre mais uma atuação à semelhança da assistência, e não uma representação. O ato é realizado pelo apoiado, que se vale apenas do apoio das pessoas que o acompanham e assistem.


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