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A lei 14.138/2021 e o exame de DNA dos parentes na ação de investigação de parentalidade
Flávio Tartuce
29/04/2021
Após uma longa tramitação no Congresso Nacional, foi promulgada e publicada a lei 14.138/2021, que acrescenta um § 2º ao art. 2º-A da lei 8.560/1992 para permitir, em sede de ação de investigação de paternidade, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes do suposto pai. O último diploma específico regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, concretizando o princípio constitucional da igualdade entre os filhos, previsto no art. 227, § 6º, do Texto Maior.
A respeito da realização do exame de DNA em si, sabe-se do grande impacto gerado pela sua utilização, trazendo certeza quase absoluta quanto ao vínculo genético, a gerar a parentalidade natural ou biológica, com todas as suas consequências jurídicas, não só para o Direito de Família como para o Direito das Sucessões. É notório também que a jurisprudência brasileira acabou por concluir que o investigado, suposto pai, não é obrigado a realizar o exame. Conforme ementa do Supremo Tribunal Federal, que analisou a viabilidade de uma condução coercitiva para a sua realização, “discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, ‘debaixo de vara’, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos” (STF, HC 71.373/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Francisco Rezek, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, j. 10.11.1994, DJ 22.11.1996, p. 45686, Ementário v. 1.851/2002, p. 397).
Julgou-se, portanto, em favor da integridade física, biológica e genética do investigado, prevalecendo esses seus direitos sobre a verdade biológica. De toda sorte, a conclusão do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que, caso o suposto pai se negue a fazer o exame, correrá contra ele a presunção relativa ou iuris tantum de que mantém o vínculo genético, com a consequente parentalidade. Essa decisão superior, entre outros efeitos, acabou por influenciar a inclusão dos arts. 231 e 232 no Código Civil de 2002. De acordo com o primeiro comando civil, “aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”. Já a segunda norma estabelece que “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. Como se nota, para que a prova pericial seja lícita faz-se necessário contar com a participação das pessoas investigadas, o que acaba gerando potenciais problemas na produção da prova (TARTUCE, Fernanda. Processo Civil no Direito de Família. Teoria e prática. São Paulo: Método, 5ª Edição, 2021. p. 429).
Em complemento às normas, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça foi editada, no ano de 2004, a Súmula n. 301, segundo a qual, “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. Apesar de críticas feitas por parte da doutrina, observe-se que essa presunção relativa traz a necessidade de se analisar outros meios de prova, passando-se a julgar na própria Corte que “a recusa do investigado em se submeter ao teste de DNA implica a inversão do ônus da prova e consequente presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor”. E mais, de acordo com a mesma ementa, “verificada a recusa, o reconhecimento da paternidade decorrerá de outras provas, estas suficientes a demonstrar ou a existência de relacionamento amoroso à época da concepção ou, ao menos, a existência de relacionamento casual, hábito hodierno que parte do simples ‘ficar’, relação fugaz, de apenas um encontro, mas que pode garantir a concepção, dada a forte dissolução que opera entre o envolvimento amoroso e o contato sexual” (STJ, REsp 557.365/RO, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.04.2005, DJ 03.10.2005, p. 242).
Apesar de toda essa consolidação legislativa e jurisprudencial, a lei 12.004/2009 introduziu na lei 8.560/1992 norma expressa a respeito da presunção relativa pela negativa ao exame pelo próprio investigado, no seguinte sentido: “Art. 2.º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA – gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. Esse dispositivo, no meu entender, era desnecessário pela realidade anterior, notadamente diante dos artigos do Código Civil de 2002 aqui transcritos e pela jurisprudência ementada, e suas consequentes interpretações.
Sucessivamente, pela modificação ora em estudo, de 2021, foi introduzido um § 2º nesse art. 2º-A da Lei da Investigação da Paternidade, segundo o qual “se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”. Parte da doutrina tratava da realização desse exame em relação aos parentes, sendo necessário destacar as palavras de Rolf Madaleno, especialmente quanto aos comentários ao projeto que gerou a lei 14.138/2021:
“A Súmula n. 301 do STJ é mais específica ainda, ao expor que ‘em ação investigatória, a recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA, induz presunção juris tantum de paternidade’, deixando evidente que apenas a recusa do indigitado pai induz à presunção, tanto que, por conta dessa omissão legal é que tramita pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei do Senado de n. 415/2009, com o propósito de alterar o artigo 2° da Lei n. 8.560/1992, e nele acrescentar o § 7°, que tem a seguinte redação: ‘§ 7° Se o suposto pai houver falecido, ou não exista notícia do seu paradeiro, o juiz determinará a realização do exame de código genético – DNA em parentes consanguíneos, preferindo os de grau mais próximo, importando a recusa desses em presunção da paternidade’.
Como deflui desse projeto de lei 415/2009, em trâmite no Congresso Nacional, é justamente a ausência de lei regulando a presunção de paternidade diante da recusa dos parentes consanguíneos do investigado que infirma concluir seja inconstitucional presumir um elo de filiação, ou de confissão de negativa de paternidade, se o filho, ou os parentes do réu se negarem a realizar a perícia genética, sendo princípio constitucional intransponível, que ninguém está obrigado a fazer o que a lei não manda.
A essa mesma conclusão chegou a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 714.969/MS, ao afirmar que a presunção relativa gerada pela recusa em realizar o exame em DNA só deve incidir quando for originada pelo pretenso genitor, conforme a dicção da Súmula n. 301 do STJ, por se tratar de direito personalíssimo e indisponível, o que não impede, evidentemente, de o juiz apreciar a negativa como um indício, de acordo com o artigo 232 do Código Civil e as demais circunstâncias e provas.
Existem posições divergentes nos tribunais estaduais, merecendo destaque o acórdão oriundo do Quarto Grupo Cível do TJ/RS, nos embargos infringentes n. 70.013.371.869, concluindo por ensejar a presunção de veracidade do vínculo de filiação pelo não comparecimento injustificado dos irmãos do falecido ao exame em DNA. Agora, em câmbio, não restam dúvidas de que os herdeiros do falecido e indigitado pai devem figurar no polo passivo da ação de investigação de paternidade, cumulada ou não, com petição de herança, pois como herdeiros universais respondem pessoalmente ao processo de investigação de paternidade (CPC, art. 43; CC, arts. 1.601, parágrafo único e 1.606, parágrafo único)” (MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 549-550).
Além dos julgados mencionados, o doutrinador destacava, antes da alteração legislativa de 2021, que “o indício da omissão dos parentes, portanto, não se compara com a recusa do suposto pai, primeiro, porque as regras de presunção contidas na Lei n. 12.004/2009 e na Súmula n. 301 do STJ são endereçadas ao suposto pai renitente, e não para os seus parentes. Depois, diante do evento morte do indigitado genitor, o autor da ação dispõe de outras provas biológicas, que podem ser periciadas sobre os restos mortais do falecido com a exumação do cadáver, isso se o corpo não foi cremado, isto se não existir material biológico que ele tenha, ainda em vida, depositado em custódia em um laboratório ou banco genético, com a finalidade específica de esse material ser consultado pela autoridade competente e interferir positiva ou negativamente nos direitos constitucionais concernentes à identidade e origem genética de outras pessoas” (MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 550-551).
A lei 14.138/2021 parece ter superado divergências anteriores, possibilitando de forma incontestável a realização do exame de DNA nos parentes do falecido investigado, gerando a sua recusa a presunção relativa ou iuris tantum do vínculo biológico, a ser analisada com outras provas. Assim, com o novo comando, passaram a ser úteis e necessárias as previsões anteriores do art. 2º-A da lei 8.560/1992, introduzidas em 2009, que são completadas pela nova norma.
Anoto que julgados superiores já vinham entendendo dessa forma, pela presença de uma presunção relativa e aplicando o enunciado de súmula antes citado. Como se retira de acórdão da Quarta Turma do STJ, do ano de 2015 e de outros sucessivos, na mesma linha e com igual relator: “inexistindo a prova pericial capaz de propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões do DNA), diante da recusa dos irmãos paternos do investigado em submeter-se ao referido exame, comprova-se a paternidade mediante a análise dos indícios e presunções existentes nos autos, observada a presunção juris tantum, nos termos da Súmula 301/STJ. Precedentes” (STJ, Ag. Rg. no AREsp. 499.722/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 18.12.2014, DJe 06.02.2015).
Como palavras finais, na linha das lições de Rolf Madaleno, pode-se concluir que a lei 14.138/2021 fez com que a negativa dos parentes do investigado falecido ao exame de DNA deixasse de ser um mero indício do vínculo biológico, passando a gerar uma presunção. Conforme se retira da doutrina processualista que sigo, a presunção representa uma relação entre o fato indiciário (provado) e o fato presumido (não provado), “decorrente da constatação lógica de que, se o primeiro ocorreu, muito provavelmente o segundo terá ocorrido” (ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 714). Sendo assim, não se pode negar que o impacto da negativa ao exame de pareamento genético pelo parente passa a gerar o mesmo efeito da negativa pelo próprio investigado.
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