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Fideicomisso, de Abelardo Martins Tôrres

REVISTA FORENSE 166 — ANO DE 1954

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02/10/2024

Trata o Cód. Civil brasileiro, Livro IV, tit. II; Cap. XV, arts 1.733; a 1.740, do instituto do fideicomisso, subordinado ao título “Das Substituições” de vez aquêle é uma das espécies, destas.

2. Substituição é a designação, feita pelo testador, da pessoa para quem deve passar a herança, ou legado, na falta do herdeiro ou legatário (COELHO DA ROCHA, “Dir. Civ. Port.”, § 713).

3. A substituição, de natureza subsidiária e condicional, é instituto antigo, de origem romana, adotado no velho direito português, título 87, livro IV, da Ordenação Filipina, quase fielmente copiado do “Digesto”, de vulgari et pupilari substitutione.

Substituições em Portugal e na França

4. Em Portugal e na França – no primeiro, combatidas as substituições, por influência da legislação Josefina, de que antes deviam ser favorecidas as sucessões legítimas; no segundo, proibidas (“Les substitutions sont prohibées“, artigo 896 do Cód. Civil), ainda que admitida a vulgar, com outro nome, e permitidos os fideicomissos em dois casos apenas (Cód. Civil, arts. 1.048 e 1.049) essa instituição chegou aos dias de hoje, regulada na maioria dos Códs. Civis das nações cultas.

5. As espécies de substituições são as seguintes: vulgar, recíproca, fideicomissária; pupilar e a quase-pupilar ou exemplar.

6. A vulgar, objeto do art. 1.729 do nosso Cód. Civil, diz CLÓVIS, consiste na designação da pessoa que deve ocupar o lugar do herdeiro, ou legatário, que não quer ou não pode aceitar a herança ou o legado.

“Potestatem qui in testamento suo plures gradus haeredum facere ut puta. Si ille haeris non erit, ille haeris esto” (“Institutas” Livro II, cap XV).

7. A recíproca 1.730 do Código) se dá quando o testador institui muitos, herdeiros, declarando-os substitutos um dos outros. “Et plures in uniun locuui possunt substitui, vel unus in plurium, vel singuli, singulis, vel invincem ipsi qui haeredes institui sunt” (“Institutas”, Livro II, cap. XV).

8. A fideicomissária, de que trataremos no parágrafo 12, é aquela em que o herdeiro, ou legatário, recebe a herança, ou legado, para transmitir, por sua morte, ou em outro tempo, ao seu substituto.

9. A pupilar, denomina-se a feita pelo pai a seu filho para o caso dêste morrer antes da puberdade. O exemplo das “Institutas” (Livro II, tít. XVI) é claro: “Titius filius meus aeres mihi esto: si filius meus aeres mihi non erit, sive haeres erit et prius moriatur quam in suam tutelam venerit, tunc seius aeres esto”.

Esta substituição não podia ser instituída pela mãe nem pelos avós, decorrendo a proibição do prescrito nos §§ 2º e 5° do tít. XVI, Livro II, das “Institutas”: “… nam pupilari testamentum pars et requela est pater ni testamenti: – adeo ut si patris testamentum non valeat, nec filii quidem valebit”.

10. A quase-pupilar ou exemplar, define COELHO DA ROCHA, com apoio na Ordenação, Livro IV, tit. 87, § 11, a que é estabelecida pelos pais, ou quaisquer ascendentes a seus filhos, ou outros descendentes furiosos, mentecaptos, ou por outra causa natural impedidos de testar, para o caso de falecerem durante aquêle impedimento.

Definição igual a das “Institutas”: “Qua ratione excitati, etiam, constitutionem possuimus in nostri Codice, qua prospectum est, ut, si qui mentecaptos habeant, filios vel nepotes vel pronepotes cujus cumque sexus vel gradus, liceat eis, et si puberes sint, ad exemplum pupilaris substitutionis certas personas substituere”…

11. O Cód. Civil brasileiro apenas aceita as substituições: vulgar, recíproca e fideicomissária.

12. Fideicomisso. Nos primeiros tempos todos fideicomissos eram inválidos porque ninguém era obrigado a dar o que se lhe pedia. Deixava-se, pois; a herança ou legado a quem se não podia deixá-lo, confiando isso a quem podia recebê-lo pelo testamento.

Et ideo Fideicomissa apelata sunt guia nulo vinculo juris, sed tantum pudore eorum qui rogabantur, continebantur”. E chamavam-se fideicomissos porque não se constituíam por laço algum jurídico, mas tão-somente pela probidade daqueles a quem se pedia (“Institutas”, Livro II, tít. XXIII, § 1º).

13. Mais tarde, D. AUGUSTO, dada a improbidade de alguns, mandou uma ou duas vêzes que os cônsules interviessem com sua autoridade para moralizar os fideicomissos.

“Quod quia justum videbatur, et populare erat, paulatini conversum est in assiduam jurisdictionem; tantus que eorem favor factus est ut paulatini etiam praetor proprius crearetur, qui dei fideicomissis jus diceret, quem fideicomissario appellabant”. E, como isto parecia justo e era popular, converteu-se, aos poucos, em jurisprudência constante; e tamanhos favores obtiveram os fideicomissos, que insensivelmente criou-se até um pretor especial, chamado fideicomissário, para dêles conhecer (“Institutas”, Livro II, tít. XXIII, § 1º).

14. Fideicomisso é a constituição da propriedade fiduciária, isto é, sujeita ao gravame de passar a outrem, com o nome de fideicomissário, pelo cumprimento de uma condição (GOUVEIA PINTO, “Testamentos e Sucessões”, § 228).

15. No fideicomisso, que só por testamento pode ser constituído, além do testador figuram mais duas pessoas: o fiduciário e o fideicomissário. O primeiro recebe os bens com o encargo de transmiti-los, ou por sua morte, ou sob certa condição, ao segundo.

16. O fiduciário tem a propriedade da herança, ou legado, mas restrita e resolúvel (Cód. Civil, art. 1.734).

CLÓVIS BEVILÁQUA diz a respeito que a propriedade do fiduciário é restrita, não porque lhe seja vedado alienar os bens, mas porque está ela submetida à condição resolutiva, e a tôdas as alienações que fizer adere, necessàriamente, essa cláusula, porque ninguém pode transferir mais direitos que tem. Assim, se o gravado alienar ou hipotecar o imóvel que recebeu em fideicomisso, o direito do adquirente, ou do credor hipotecário, extingue-se, eis que se abre a substituição – “Resoluto jure dantis, resolvitur jus accipentis” (“Código. Civil”, vol. VI, obs. 1 ao art. 1.734).

Entendamos, segundo CLÓVIS, que a proibição da alienação deveria ser a regra, facultado, porém, ao testador o direito de consentir na alienação sob condição resolutória.

17. Permite o Cód. Civil (art. 1.739) possa o fideicomissário renunciar à herança, ou legado, ficando os bens, neste caso, propriedade pura do fiduciário, se não houver disposição contrária do testador.

Se, porém, o fideicomissário aceitar a herança ou legado, terá, direito à parte que ao fiduciário, em qualquer tempo, acrescer (Cód. Civil, art. 1.736).

18. Prescreve o Código (art. 1.738) a caducidade do fideicomisso se o fideicomissário morrer antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito dêste último. Neste caso, a propriedade consolida-se no fiduciário, nos têrmos do art. 1.735.

De vez por tôdas deu fim o Código à controvérsia sôbre se no caso a spes debitum in iri do fideicomissário transmitia-se a seus herdeiros.

Não passa aos herdeiros, porque, falecendo o fideicomissário antes do fiduciário, nada pode transmitir aos seus próprios herdeiros, porque ainda não adquiriu o fideicomisso. Assim, com clareza, afirma CLÓVIS.

19. Nos arts. 1.739 e 1.740, respectivamente, dispõe o Código serem nulos os fideicomissos além do segundo grau, e que a nulidade da substituição ilegal não prejudica a instituição, que valerá sem o encargo resolutório.

20. O direito romano permitia os fideicomissos sucessivos, como se depreende das “Institutas”, Livro 2, tit. XXIII, § 11:

“Eum quoque cui aliquid restituitur, potest rogare ut id sursum alii, aut toteum, aut proparte, vel etiam aliquid aliud restituat”.

Em nosso direito tal não acontece, porque a lei só admite dois herdeiros: fiduciário, primeiro grau; fideicomissário, segundo.

Se a substituição fôr nula, valerá como instituição de um só grau.

21. Abandonada a controvérsia suscitada durante a discussão do Cód. Civil sôbre a necessidade de conservar ou não o instituto do fideicomisso, cabe agora mostrar a distinção entre êste instituto e o do usufruto.

Usufruto

22. O usufruto, direito real sôbre coisas alheias, tal o define o Cód. Civil (art. 713), consiste no direito de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporàriamente destacado da propriedade.

É a definição das “Institutas”: “Usufrutus est jus alienis rebus utendi, fruendi salva rerum substancia”.

23. Nêle os sujeitos de direito são dois: usufrutuário e nu-proprietário. O primeiro tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos; o segundo tem a nua-propriedade, de vez é seu; na sua substância, o bem objeto do usufruto. Isso porque sempre que acaba o usufruto reverte, sem dúvida, para a propriedade, e desde então o dono da nua-propriedade começa, a ter pleno poder sôbre a coisa (“Cum autem finitus – vulgo: finitus fuerit totus usufrutus – ususfructus, revertitur scilicet ad proprietatem, et ex eo tempore nudae proprietatis dominus incipit plenam in se hàbere potestatem” – “Institutas”, 2, Livro IV, § 4º).

24: No usufruto os titulares aparecem, simultâneamente, uno momento. Cada um, desde logo, investido de direitos e obrigações: uso e gôzo, o usufrutuário; nua-propriedade ou a substância da coisa, o nu-proprietário.

25. No fideicomisso, fiduciário e fideicomissário surgem sucessivamente, exercendo, cada um a seu tempo, os respectivos direitos.

26. O fiduciário difere do usufrutuário porque aquêle exerce poderes de proprietário, embora o domínio seja restrito e resolúvel; êste apenas usa e goza a coisa. O primeiro, desde não proíba o testamento, poderá alienar os bens; o segundo, ao contrário, não poderá fazê-lo, de vez o bem não lhe pertence, e sim ao nu-proprietário.

27. No fideicomisso, o fideicomissário, enquanto não se realizar a condição, geralmente a cláusula quum murietur, tem; apenas, expectativa de direito spes in debitum iri, enquanto o nu-proprietário tem o domínio da substância da coisa.

28. Sendo o fideicomisso uma forma de substituição, faltando o fideicomissário, substituto do fiduciário, não tem êste obrigação de restituir a coisa, porque não mais existe a pessoa nomeada para receber a herança.

No usufruto, falecendo o usufrutuário, o uso e gôzo da coisa consolida-se na pessoa do nu-proprietário. Se, porém, o nu-proprietário desaparece antes do usufrutuário, continua êste no gôzo do usufruto, enquanto que a nua-propriedade transmite-se aos herdeiros daquele.

29. Estabelecida, assim, a diferença de identificação dos usufrutos com os fideicomissos, vejamos como devem ser redigidas as verbas testamentárias de cada um:

a) Usufruto: Deixo o prédio que possuo nesta Capital, na rua…, nº em usufruto a meu sobrinho e afilhado.., para que dêle use o goze enquanto viver. A propriedade do dito prédio lego a que entrará no domínio pleno e posse do imóvel por morte do meu referido sobrinho.

b)Fideicomisso: Deixo o prédio a meu sobrinho e afilhado…, com a obrigação de por sua morte passar para

minha afilhada…., filha de meu grande amigo…., caso tenha esta falecido, passará o legado para…… Abelardo Martins Tôrres

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