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Decodificando o Co?digo Civil (12): Pessoa, personalidade e suscetibilidade para adquirir direitos (parte 1)
Felipe Quintella
29/03/2017
Começamos a propriamente decodificar o Código Civil de 2002 pelos arts. 3º e 4º para aproveitar a oportunidade de comentar a decisão do TJSP recentemente proferida.
Hoje, vamos voltar dois dispositivos, e discutir os arts. 1º e 2º, com suas dificuldades contemporâneas.
Estabelece o art. 1º do Código de 2002 que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. O art. 2º, por sua vez, determina que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Pois bem. A redação desses dispositivos proveio dos arts. 1º e 3º do Código de 1916: “todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”; “a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.
No Projeto Primitivo de Clovis Bevilaqua (1899), a redação dos dispositivos era a seguinte: “todo ser humano é capaz de ter direitos e contrair obrigações, no círculo das relações de ordem privada”; “a personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida”.[1]
As redações sofreram críticas já da Comissão Revisora, que as modificou. Posteriormente, o texto sofreu novas modificações na Câmara dos Deputados.
Chegaram ao Senado, enfim, em 1902, as seguintes redações: “todo o ser humano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”; “a personalidade civil do ser humano começa do nascimento com vida; mas, desde a concepção, a lei põe a salvo os direitos do nascituro”.[2]
Foi Ruy Barbosa, então, quem deu aos textos seu conteúdo final, comentando: “por que ‘todo o ser humano’, e não ‘todo homem?’ Haverá ser humano, que não caiba na expressão geral da espécie homem?”. Na sequência, Ruy citou, como argumento em seu favor, o Código português, que usava o vocábulo homem.[3]
É curioso observar que, acerca do dispositivo do Código português, Teixeira de Freitas havia elaborado acirrada crítica, por considerar a palavra homem “de significação tão comezinha e vulgar”.[4]
Ao longo do século XX, críticas na linha de Teixeira de Freitas foram traçadas ao Código de 1916.
Daí ter o legislador, no Código de 2002, evitado tanto a expressão ser humano, criticada por Ruy Barbosa, quanto o vocábulo pessoa, criticado por Teixeira de Freitas, e preferido a palavra pessoa.
Ocorre que, ao utilizar a palavra pessoa justamente no dispositivo em que se estabelece o termo inicial da personalidade jurídica, o legislador criou uma brecha para que se interpretasse a norma diversamente de como era interpretada na vigência do Código anterior.
É o que veremos semana que vem.
[1] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Código Civil Brasileiro: Trabalhos relativos à sua elaboração. Vol. I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917, p. 97.
[2] SENADO FEDERAL. Projeto do Código Civil Brasileiro: Trabalhos da Comissão Especial do Senado. Parecer do Senador Ruy Barbosa sobre o a Redação do Projeto da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902, p. 32-33.
[3]Idem, ibidem.
[4] FREITAS, Augusto Teixeira de. Nova Apostila à Censura do Sr. Alberto de Moraes Carvalho sobre o Projeto do Código Civil Português. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1859, p. 96.
Veja também:
- Decodificando o Código Civil (11): O regime de incapacidades do código civil brasileiro (parte 2)
- Repensando o Direito Civil brasileiro (15) – A teoria das capacidades e a confusa?o conceitual
- Decodificando o Co?digo Civil (10) – O regime de incapacidades do Co?digo Civil brasileiro
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