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CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
A condição civil da mulher casada
Revista Forense
12/12/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 156
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1954
Bimestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 156
CRÔNICA
DOUTRINA
- O princípio da igualdade perante a lei, Nestor Duarte
- Da Dogmática jurídica, Paulo Carneiro Maia
- A administração e o controle de legalidade, Caio Tácito
- As sociedades de economia mista, Válter T. Alvares
- A condição civil da mulher casada, Lino de Morais Leme
- O processo administrativo tributário, Rui Barbosa Nogueira
- Culto, João De Oliveira Filho
PARECERES
- Impôsto de Vendas e Consignações – Impôsto de Exportação, Francisco Campos
- Rendas Locais – Arrecadação Estadual – Impôsto de Renda – Participação dos Municípios, Gilberto de Ulhoa Canto
- Mercado Municipal – Domínio Público – Autorização Administrativa – Executoriedade Dos Atos Administrativos, Antão de Morais
- Anistia – Conceito – Pagamento de Vantagens a Militares, A. Gonçalves de Oliveira
- Juiz – Promoção Automática – Elevação de Entrância, Gabriel de Resende Passos
- Ministério Público – Unidade e Indivisibilidade da Instituição, J. A. César Salgado
- Advogado – Ingresso nos Cancelos dos Juízos e Tribunais, Cândido de Oliveira Neto
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Hugo Grocio, Hidelbrando Acióli
- Lúcio de Mendonça, F. C. San Tiago Dantas
- Do Corpo de Delito, José Frederico Marques
- A Homologação das Sentenças Estrangeiras de Divórcio, João de Oliveira Filho
- A Emissão de Ações com Ágio, Sílvio Marcondes
- Poder Discricionário do Juiz
- Exceção de Inexecução de Contrato Bilateral, Arno Schilling
- Reintegração de Posse “Initio Litis”, Enéias de Moura
- Justiça do Distrito Federal, José Pereira Simões Filho
- José Antônio Pimenta Bueno, Dr. Laudo de Almeida Camargo
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Antiguidade clássica. Idade Média. Influência do cristianismo. Os Códigos modernos. Tendência à equiparação da mulher ao marido. Chefia da sociedade conjugal. Regime de bens. Vida social. Capacidade política. Reforma do Cód. Civil brasileiro. Conclusões.
Sobre o autor
Lino de Morais Leme, Professor da Fac. de Direito de São Paulo.
DOUTRINA
A condição civil da mulher casada
Antiguidade clássica
1. A Bíblia diz que a mulher é formada de uma costela do homem. Et benedixit illis Deus et dit: crescite et multiplicamini et replete terram. De uma das costelas do homem, diz DOMAT, para significar que ela e o homem formam um só todo, e que ela é dada ao homem; como companheira e auxiliar.
Em Roma a mulher, se alieni juris, ficava subordinada ao pai, ou ao marido, podendo êste dar-lhe a morte em certos casos, mu vendê-la como escrava; se sui juris, permanecia em tutela perpétua, propter sexus infirmitatem et propter forensium rerum ignorantiam.
Com a queda do império romano, se instada a civilização ariana, na qual a família é constituída em uma base autoritária, mas sem o direito sôbre a vida da mulher. Assim, a mulher – filha, espôsa ou viúva – é considerada menor.
Na China – e a civilização chinesa tem um lugar à parte – as mulheres viviam quase sempre encerradas.
Mas lá na Grécia repontam as idéias de igualdade entre o homem e a mulher, como se vê na “República”, de PLATÃO, o célebre diálogo entre SÓCRATES e GLAUCO.
2. Um retrato da situação da mulher, nesse tempo, se vê no provérbio provençal: Li femo non soun gén (Les femmes ne sont personne – As mulheres não são pessoas); também as Ordenações (Liv. 5, tít. XXXVI, § 1°) isentaram de pena aquêle que castigasse criado, discípulo, sua mulher e seu filho”. Essa orientação resultou de não haverem ainda desaparecido as tradições do direito romano.
Idade Média
3. Na Idade Média, embora sem o rigor da antiguidade clássica, perdura, a hostilidade contra os direitos sucessórios da mulher, representada pela manutenção do regime dotal, na Itália e em parte da França, segundo o modêlo romano, e pela, concessão apenas de um direito de usufruto sobre a metade ou a têrça dos imóveis do marido, sendo a regra que, em não havendo filhos, os bens de cada cônjuge voltavam para a família da qual tinham vindo – Paterna paternis, materna maternis. A mulher continuava a ser considerada uma menor sob a tutela do marido, que era o senhor e o chefe do casal, tendo o gôzo dos bens próprios da mulher, que não podia fazer contrato nem estar em juízo, sem autorização.
4. Na Inglaterra, embora atenuada pela influência da Igreja cristã e pelo abrandamento dos costumes, após as Invasões dos bárbaros, ainda no século XVI diz a BACON: “A lei não permite senão uma vontade única entre os esposos, a do marido, que é o mais capaz de prover às necessidades da família, e de dirigi-la. O marido tem, por lei, poder e domínio sôbre sua mulher. Ele pode constrangê-la a ficar no limite de seus deveres e batê-la, contanto que o faça sem crueldade, nem violência”.
Todavia, ai melhora a condição da mulher, como se vê pela fórmula dos esponsais solenes, de origem germânica, e que se estendeu aos países nórdicos: “A ti (a noiva), a honra e os direitos de espôsa; a ti, as chaves da casa, a metade do meu leito, o têrço do que possuo e do que adquirimos juntos”.
Influência do cristianismo
5. Todos sabem o que foi a Idade Média, na qual, todavia, apareceram alguns vultos notáveis, como o do grande SANTO TOMAS DE AQUINO, o autor do hino ao Santíssimo Sacramento, para a festa do Corpo de Deus, instituída em 1284, São Boaventura – o doutor seráfico São Bernardo, e em que aparece êsse livro incomparável, que é a “Imitação de Cristo”.
Com a queda dêsse regime, e sob a influência do Cristianismo, era natural que melhorasse a condição da mulher. Mas também na ordem social vê-se que vigora um princípio semelhante ao de LAVOISIER – Natura non facit saltus.
Foi assim que, embora desaparecendo, na maior parte dos países, a tutela perpétua da mulher, com o estabelecer-se que a mulher celibatária ou viúva tinha a mesma capacidade que o homem, contudo as legislações vieram a consignar o poder marital e o dever de obediência”, segundo o art. 213 do Cód. Civil francês. “Poder marital (define o Código do Chile, artigo 132, é o conjunto de direitos, que as leis concedem ao marido, sôbre a pessoa e os bens da mulher”. Dêsse poder decorria a obrigação de a mulher habitar com o marido e de segui-lo para onde êle entendesse de residir, sem estabelecer-se reciprocamente que o marido é obrigado a habitar em companhia da mulher. A jurisprudência francesa admitia o recurso à fôrça pública, para a mulher ser obrigada a acompanhar o marido, orientação seguida pela lei argentina sôbre o casamento (art. 53). Essa obrigação da mulher é consagrada ainda em Códigos dos mais recentes, como os do México (art. 163), o da Itália (art. 144), sendo que o primeiro acompanha o Código espanhol, que permite ao Poder Judiciário eximir a mulher dessa obrigação. O Código do Peru, que é de 1936, seguindo o Código da Alemanha (art. 1.354), diz que a mulher não está obrigada a aceitar a fixação do domicílio conjugal, quando a decisão do marido constitua um abuso de direito (art. 163). O Código português (art. 1.186) e o do México isentam a mulher da obrigação de acompanhar o marido, quando êle se mude para o estrangeiro, especificando o segundo – sendo em serviço da pátria, bem assim quando se estabeleça em lugar insalubre ou indecoroso (art. 163).
Pelo poder marital, a mulher é equiparada ao menor e deve obediência ao marido. Esse dever de obediência, porém, foi suprimido da maior parte das legislações: Códs. Civis da Alemanha (artigo 1.354), da Suíça (art. 160), do México (art. 167), do Peru, da Venezuela, da Dinamarca, da Suécia, da Noruega, da Rússia; na Itália, pela lei de 1919, artigo 131; na França, pelas leis de 1938 e 1942; no direito inglês e no americano. Mas ainda subsiste nos Códs. Civis da Espanha (art. 57), do Chile (art. 81), do Uruguai (art. 128), de Portugal (art. 1.185), de Cuba (art. 57).
Tendência à equiparação da mulher ao marido
A tendência, porém, é para assegurar à mulher uma situação de igualdade com o marido. A lei portuguêsa nº 1, de 25-12-1910, estabelece: “A sociedade conjugal baseia-se na liberdade o na igualdade”. O Código mexicano de 1928 (artigo 167) dispõe que o marido e a mulher têm, no lar, autoridade e consideração iguais; no caso de divergência, não sendo possível acôrdo decide o juiz. O Código do Peru, de 1936 (art. 161), diz que o marido dirige (não emprega o vocábulo chefia”) a sociedade conjugal, que a mulher deve ao marido ajuda e conselho, e que ela tem o direito e o dever de atender pessoalmente ao lar. O Código venezuelano de 1942 (art. 140) estabelece que o marido decide quanto aos assuntos da vida econômica.
A Constituição de Cuba (1940) concedeu plena capacidade à mulher casada. Limitaram-se abolir a incapacidade as legislações da Rumânia (1932), da Áustria (1934), da Húngria, da Turquia, que foram precedidas pelas dos países nórdicos, da Inglaterra, dos Estados Unidos (aí quase todos os Estados concedem à mulher plena capacidade jurídica), da Rússia, que estabelecem a igualdade jurídica entre o marido e a mulher.
Tão arraigada está a idéia da igualdade jurídica entre o homem e a mulher, que a Nova Conferência Internacional Americana, reunida em Bogotá em 1948, aprovou a resolução nº XX da 8ª Conferência Internacional Americana, a saber: “que a mulher tem direito igual ao homem, na ordem civil, e, figurando êsse princípio na Carta das Nações Unidas, resolvem: ” Os Estados americanos convém em outorgar à mulher os mesmos direitos civis de que goza o homem”. Estiveram aí representados as seguintes países americanos: Honduras, Guatemala, Chile, Uruguai, Cuba, República Dominicana, Bolívia, Peru, Nicarágua, México, Panamá, São Salvador, Paraguai, Costa Rica, Equador, Brasil, Haiti, Argentina e Colômbia.
7. Outra coisa é a simples igualdade dos sexos (Constituição alemã, de 1919, art. 119; Constituição espanhola, artigo 43). A nossa Lei Magna dispõe que todos são iguais perante a lei” (art. 141, nº I) e a proibição de diferença de salário por motivo, de sexo (art. 157, nº II). O último artigo citado mostra que o princípio do art. 141, nº I, não tem o alcance que PONTES DE MIRANDA lhe pretendeu emprestar.
Chefia da sociedade conjugal
8. Concedida a igualdade jurídica à mulher, surgem dois problemas capitais: o da chefia (ou direção) da sociedade conjugal, e o da administração e alienação dos bens. Essa chefia é geralmente conferida ao marido – Códs. Civis da Itália (art. 144), do Peru (art. 181), da Alemanha (art. 1.354), da Suíça (artigo 162), da Turquia, da Grécia, da Venezuela, da Rússia, para sòmente citar os de 1900 para cá. O Código do México pretendeu estabelecer a direção conjunta, ao dizer que o marido e a mulher terão, no lar, autoridade e consideração iguais.
A respeito, o Santo Padre papa PIO XII, em alocução de 1942, salienta a necessidade essencial, em toda a sociedade, de que exista um chefe, que na sociedade conjugal é o marido, que jamais poderá desconhecer sua igualdade substancial como seu cônjuge, que assim desenvolve: a) igualdade substancial entre ambos os cônjuges, ideològicamente fundada no conceito cristão da pessoa; e vitalmente praticada graças ao domínio do egoísmo e ao amor conjugal, título bastante para a tolerância das fraquezas; b) autoridade Hierárquica do marido, e não domínio material, teleològicamente orientado para o bem comum familiar; c) deveres morais do marido, em razão dessa mesma autoridade, os quais lhe impõem a colaboração na educação dos filhos e na procura de recursos para atender aos encargos conjugais, além de auxílio necessário em certas tarefas do lar.
Regime de bens
Não iremos indagar qual o melhor regime de bens, para a igualdade econômica entre o marido e a mulher, pois todos êles podem ser organizados por forma a ser colimado êsse objetivo. Assim, vamos passar em revista a situação dos cônjuges, nos vários regimes de bens.
No regime da comunhão universal, não pode um cônjuge dispor dos bens imóveis, sem o consentimento do outro; assim na Dinamarca, Noruega, Islândia, Portugal e Brasil, De se notar que, em Portugal, a mulher não é obrigada pelas dívidas do marido, se não se obrigou juntamente com êle (art. 1.114). Igualmente na Alemanha, quando o regime adotado fôr êsse (art. 1.445).
Nos países que adotam o regime da comunhão parcial de bens: a) em alguns, a mulher pode dispor dos seus bens próprios (Códs. Civis do México – art. 172, do Peru – art. 172, da Venezuela – artigos 154 e 170 – aí até dos bens comuns, que administra); b) noutros não pode (Códs. Civis da Espanha – art. 61, do Uruguai – art. 1.976, do Chile – art. 175), enquanto que o marido o pode fazer, não se tratando de bens da mulher – Códigos Civis francês (arte. 1.421 e 1.425), espanhol (art. 59), chileno (art. 1.750), uruguaio (art. 1.971). O Código Chileno diz: “O marido é o dono dos bens sociais”.
Na Suíça, onde o regime legal, é o da união de bens, o marido pode dispor dos bens comuns sem consentimento da mulher, que se presume em favor de terceiros (arts. 166 e 200).
Na Suécia e na Rumânia, vigora o regime da separação de bens; mas a alienação de imóveis depende do consentimento de ambos os cônjuges. Na Inglaterra, onde igualmente vigora o regime da separação de bens, a liberdade da mulher é restringida pelos marriage settlements e pelos trusts. Por esta instituição, o patrimônio dela é confiado a trusts (mandatários de confiança, homens da lei, parentes próximos, bancos, etc.). O trust torna indisponíveis os bens da mulher, protegendo-a contra as dissipações do marido e da própria mulher. Dá o mesmo resultado que o regime dotal, entre nós. Também vigora o regime da separação nos Estados Unidos, Áustria, Itália, Turquia, Rússia, Finlândia.
Na Dinamarca e na Noruega o regime é de separação de bens durante o casamento, e de união, pela morte. Aí, cada cônjuge administra e dispõe dos seus.
10. Há um direito que é geralmente reconhecido: o da mulher dispor dos produtos de seu trabalho (lei francesa de 3-8-1907, completada pela de 8-6-1923), Código alemão (arts. 1.365-1.367), Código suíço (arts. 191 e 192); lei inglêsa de 1870, lei sueca de 11-12-1874, lei dinamarquesa de 7-5-1880, lei norueguesa de 29-6-1888, lei belga de 1900, lei polonesa de 1921, lei turca de 1926, Código Peruano, art. 207. No Chile (Código, artigo 5.521), a mulher tem apenas o direito de administrar.
Vida social
11. Na vida social, vemos a mulher nas escolas, nas indústrias, no comércio, desempenhando um papel na vida econômica, que era antes desempenhado, pelo homem.
Sem o valor e a atividade das mulheres não se teria ganho a guerra, disse LLOYD GEORCIE, a propósito da 1ª grande guerra; e W. WILSON: “Para que a União tenha podido lançar tôdas as suas fôrças materiais no conflito mundial, foi mister a mobilização voluntária das mulheres”.
12. Há um papel de relêvo que a natureza reservou à mulher, o instinto em tôrno do qual gravita a sua vida: é o da maternidade”. Em conseqüência dele, o lugar da mulher é, antes de tudo no lar. É a unidade espiritual obra da natureza, e da educação.
Essa unidade, porém, requer liberdade e igualdade. No campo econômico, também a liberdade, a igualdade e a comunhão de interesses levam à unidade econômica, isto é, essa unidade de ação corresponde à unidade da vida.
13. A propósito do Código de seu país, e encarecendo a necessidade da reforma, escreveu um magistrado argentino: “Neste regime de bens no matrimônio, nesta chamada sociedade conjugal, em que a vontade dos contraentes não entra por nada e encontra tudo feito, o marido é administrador legítimo e pode dispor sem contrôle algum. Nesta sociedade sui generis, um dos sócios tem tudo e o outro não tem nada, é um desequilíbrio completo de direitos, que coloca a mulher numa condição bem inferior, de pessoa não já incapaz para certos atos, senão de pessoa quase absolutamente incapaz. A mulher que se casa se decide mansamente ao sacrifício. É isso freqüente em razão da educação que se dá entre nós à mulher solteira. Nada de protestos, nem de escândalos: as lágrimas devem chorar-se a portas fechadas e a resignação ante o mal se considera preferível à, preparação de novos motivos de desavenças. Assim se prepara às vêzes o caminho da ruína para muitos lares que poderiam viver na abundância, porque o marido administrador joga sem freios e dilapida sem medida o capital da sociedade, sem que nada estorve sua obra desastrosa. Pretende-se a paz a um duro preço, porque se erige o marido em árbitro de tôdas as situações e se abandona a mulher num plano de inferioridade, que repugna ao espírito de justiça”.
Capacidade política
14. Deu-se o direito de voto à mulher: na Finlândia, em 1906; na Noruega, em 1907; na Alemanha, em 1919; na Inglaterra, em 1929. Neste último país, de 29 milhões de eleitores, 15 milhões eram mulheres. Ora: se a mulher tem capacidade política, como declará-la incapaz, na ordem civil?
Impõe-se, pois, a reforma de nosso Cód. Civil, para se eliminar a incapacidade civil da mulher casada.
E não basta essa reforma, pois, se subsistirem as restrições injustificáveis que alguns artigos consagram, a situação será a mesma.
15. O art. 233, nº IV, dispõe que mulher não pode exercer profissão sem que o marido autorize, podendo o juiz, todavia, suprir essa autorização. Essa é a orientação geral das legislações estrangeiras. O Código do México (art. 170) estabelece uma restrição à oposição do marido – deve êle provar que provê às necessidades do lar e que a sua oposição se funda em causas graves e justificadas. Com o suprimento judicial está a mulher protegida contra uma oposição injustificada.
16. Em relação ao domicilio e à residência do casal, deve exonerar-se a mulher da obrigação de aceitar a decisão do marido, quando ela constitua um abuso de direito, seguindo-se a orientação dos Códigos alemão e peruano.
17. No art. 242 vêm enumerados atos que a mulher não pode praticar sem autorização do marido. Dêles, alguns são a recíproca do que dispõe o art. 235, em relação ao marido, de maneira que, com relação a êles, nada há a objetar, Mas outros há que estabelecem desigualdade entre o marido e a mulher: são os números IV e segs.; notadamente, a proibição de a mulher, sem autorização do marido, aceitar herança ou legado, tutela, curatela ou outro múnus público, estar em juízo cível, contrair obrigações que possam importar em alienação dos bens do casal, e aceitar mandato.
Compreende-se a razão dessas proibições: é que da prática da maioria dêsses atos podem resultar responsabilidades econômicas. Mas de se indagar: Praticados êsses atos pelo marido, não é a mulher afetada pelas responsabilidades que dêles podem resultar? E com relação aos contratos, não é justo estabelecer-se que sòmente se comuniquem as dívidas contraídas na constância do matrimônio, por ato ou contrato de ambos os cônjuges, ou por um com outorga ou autorização do outro, como, dispõe o Código português (arts. 1.113 e 1.114)?
A proibição de a mulher aceitar herança ou legado é justificada com a possibilidade de a aceitação afetar o moral da família. Mas essa possibilidade raríssima pode ocorrer também com relação ao marido. E, quando acaso tal se verificasse, poderia ser a aceitação considerada como injúria grave, a justificar o desquite.
18. No Código suíço, art. 177, se estabelece serem permitidos, aos esposos, todos os atos jurídicos. A lei argentina nº 11.357, de 22-9-1926, sôbre os direitos civis da mulher, permite a ela, sem autorização do marido, conservar o pátrio poder sôbre os filhos do leito anterior; exercer profissão; fazer parte de associações; administrar os bens próprios e o dos filhos do leito anterior; aceitar ou repudiar o reconhecimento que dela fizerem seus pais; aceitar herança; litigar quanto à sua pessoa, os seus bens e os dos filhos sôbre os quais tenha o pátrio poder; ser tutôra ou curadora; aceitar doações.
Mas, em geral, os Códigos recentes se limitam a não exigir autorização Marital para a mulher praticar atos jurídicos, embora confiram ao marido a direção ou a chefia da sociedade conjugal, com as únicas exceções do Código do México, da Rússia e de outros países ligados ao sistema russo.
Reforma do Cód. Civil brasileiro
19. As minhas idéias sôbre os direitos civis da mulher casada são as seguintes:
I. A mulher casada deverá atender aos trabalhos e cuidados do lar, e colaborar, com o marido, na direção da sociedade conjugal, que será exercida por êste.
II. Compete ao marido fixar a residência da família. Compete-lhe igualmente autorizar a profissão da mulher, com suprimento judicial, em casos justificados.
III. Os cônjuges podem praticar isoladamente atos jurídicos, exceto aquêles que por lei exigirem o concurso de ambos.
IV. Pelas dívidas anteriores ao casamento, somente respondem os bens que o devedor trouxer para o casal. Pelas contraídas durante o casamento, respondem os bens próprios do devedor, e a sua meação nos bens comuns. Neste caso, a parte do outro cônjuge, nesses bens, fica excluída da comunhão.
V. Exceto as dívidas para as necessidades do lar, e as contraídas pela mulher que exercer o comércio, autorizada pelo marido, os bens comuns só respondem pelas dívidas contraídas por ambos os cônjuges.
VI. A mulher casada, que convolar a novas núpcias, conserva o pátrio poder sôbre os filhos do casamento anterior.
VII. A mulher casada compete administrar os seus bens próprios e os confiados à sua guarda e administração.
VIII. Cada cônjuge pode alienar os seus bens próprios.
20. Cumpre lembrar, porém, que a defesa, da família deve presidir sempre às reformas que se queira introduzir no instituto. A família é o santuário das virtudes domésticas, e, portanto, deve ela ser objeto de um culto permanente. O incenso dêsse culto deve ser a preocupação de felicidade comum, que deve nortear todos os seus membros.
Mas como conseguir essa felicidade?
A resposta eu a encontro em uma história intitulada os três desejos. Onde está a felicidade”, do livro de GUYAU, “Le première année de lecture courante”. Uma mãe perguntou, a cada um de seus três filhos, como êles se julgariam felizes. Diz-se o primeiro que êle queria ser um grande general, caracolar a cavalo ao som de tambor, e ver soldados obedecerem ao seu comando. Respondeu-lhe a mãe que, se êle pudesse ver ao longe as mãos crispadas das mães, das espôsas, das noivas, dos filhos, que o responsabilizavam pela, morte de seus entes queridos, êle sentiria o amargor de sua posição, e não se sentiria feliz. Disse o segundo que êle queria ser um rico habitante da cidade, andar vestido de sobrecasaca, usar luvas brancas, e naturalmente um veículo dourado. Respondeu-lhe a mãe que se êle pudesse observar, veria punhos cerrados que se voltariam contra êle, amaldiçoando a sua opulência, e responsabilizando-o pela miséria em que se encontravam: assim, portanto, êle não poderia ser feliz. Disse o terceiro: ” Mamãe: não sei se serei general ou soldado, se serei rico ou pobre: mas eu queria fazer a tudo o mundo todo o bem que pudesse, e ver todo o mundo me sorrir”. A mãe abraçou-o, e disse: “Muito bem, meu filho; aí é que está a verdadeira felicidade. E procurando ser o artífice da felicidade alheia que a gente encontra a felicidade”.
Assim, é procurando os cônjuges fazer a felicidade um do outro e ambos a de seus filhos, que a felicidade reinará no lar. Acima das leis, está o amor, o único que faz a felicidade da família, aquêle que constrói para a eternidade.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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