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Compra de imóveis: quando a perda de um imóvel não gera indenização?

Bruno Mattos e Silva
14/11/2025
A regra geral é a de que o comprador deverá ser indenizado por aquele que vendeu o imóvel, nos termos do art. 447 do Código Civil.
Porém, há casos nos quais o comprador não terá direito a essa indenização.
É a hipótese do art. 457 do Código Civil, repetindo regra do Código Civil anterior (art. 1.117, II):
“Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa.”
Assim, caso exista na matrícula do imóvel o registro da citação de uma ação reivindicatória, na hipótese de essa ação ser julgada procedente, o comprador perderá o imóvel e não terá direito às perdas e danos em face do comprador. É que nesse caso a coisa era litigiosa e o comprador, por presunção legal, tinha ciência desse aspecto, em virtude da existência do registro imobiliário.
E se o comprador e o vendedor estabelecerem que, na hipótese de procedência da reivindicatória, o comprador será ressarcido? Nesse caso, é possível ao comprador pedir a indenização, a teor do que dispõe o art. 448 do Código Civil.
E caso exista a ação reivindicatória, mas não exista registro da citação na matrícula do imóvel? Nesse caso, três soluções são possíveis. Tanto podemos sustentar que o comprador nem mesmo perde o bem, nos termos do art. 169 da Lei de Registros Públicos, como podemos sustentar que a indenização é devida, pois o comprador não tinha ciência de ser o bem de terceiro ou litigioso; como podemos entender que não há direito à indenização em razão da litigiosidade do bem, pouco importando se o comprador dela tinha ciência ou não. Vide seção 3.1.
Há hipóteses em que o comprador poderá ou não adquirir a propriedade do imóvel em razão de algum fato imputável ao tabelião de notas ou ao registrador imobiliário. Pode ocorrer, por exemplo, que uma escritura ou uma procuração seja lavrada mediante apresentação de uma carteira de identidade falsa, hipótese em que o proprietário do imóvel, na verdade, nada vendeu e o “comprador” foi enganado. Nessas hipóteses, conforme as particularidades do caso concreto, poderá haver responsabilidade do Estado, do tabelião ou do registrador imobiliário.
A questão da existência de responsabilidade objetiva1 dos notários e registradores era polêmica, com posições muito bem sustentáveis em ambos os sentidos.2 Até pouco tempo, prevalecia nos tribunais a orientação de que ela é objetiva, independentemente de culpa do delegatário (tabelião ou registrador), por força dos arts. 37, § 6º e 236 da Constituição Federal (CF).3 Essa orientação havia ficado tecnicamente fortalecida com o advento do Código Civil de 2002, pois a teoria da responsabilidade positivada é a da responsabilidade independente de culpa, elemento que não existia na redação original do art. 22 da Lei nº 8.935, de 18-11-1994.4218
Contudo, referido art. 22 foi alterado pela Lei nº 13.286, de 10-5-2016, estabelecendo que a responsabilidade dos notários e registradores depende de culpa. Essa regra segue o princípio que havia sido positivado para os tabeliães de protesto, pois o art. 38 da Lei nº 9.492, de 10-9-1997,5219 já havia estabelecido a responsabilidade dependente de dolo ou culpa. Portanto, ao menos quanto aos atos lavrados a partir do advento da Lei nº 13.286/2016, somente existirá responsabilidade objetiva do Estado (e não do delegatário), e, ainda assim, caso se entenda aplicável o art. 37, § 6º, da CF. A aplicação do art. 22 da Lei nº 8.935/94, em sua nova redação, tornou impossível ou muito difícil sustentar que a responsabilidade do tabelião de notas e do registrador imobiliário prescinde da prova de culpa ou dolo.6220 E mais: o prazo para se pleitear indenização por culpa ou dolo do tabelião ou registrador prescreve em três anos, contados da data da lavratura do ato. Para o comprador, portanto, pode ser mais interessante pedido de reparação por responsabilidade objetiva do Estado (RE 1.027.633), mesmo considerando que entre a propositura da ação e o recebimento da indenização podem tardar anos ou décadas em um processo contra o Estado.
A possibilidade de se responsabilizar objetivamente o Estado é aspecto que se relaciona diretamente com a questão da existência de maior segurança jurídica da escritura pública em face do instrumento particular. Há um intenso debate a respeito dessa questão, com argumentos favoráveis e contrários à admissão, cada vez mais adotada na legislação, de hipóteses de utilização do instrumento particular.7 Obviamente, entendendo que o Estado responde objetivamente, a utilização da escritura pública ainda pode ser mais interessante, a despeito da Lei nº 13.286/2016.
Existe previsão no Código Civil em vigor no sentido de o vendedor não se responsabilizar pela perda do bem, caso essa exclusão de responsabilidade tenha sido por eles pactuada, ou caso tenha o comprador sido cientificado do risco dessa ocorrência:
“Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, ter direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.”
De maneira geral, existe entendimento de que a indenização, caso o comprador faça jus, deve compreender o preço pago, devidamente corrigido.
É possível pleitear as demais despesas sofridas, direta ou indiretamente, em razão da compra, bem como a recomposição dos lucros que o adquirente teria, se não tivesse perdido o imóvel. Normalmente é difícil fazer a prova de lucros que teriam sido auferidos (lucros cessantes). Caso se pretenda obter indenização quanto a isso, é necessário apresentar provas robustas, pois o Judiciário costuma ser muito reticente quando se trata de conceder indenização por lucros cessantes. Tudo isso dependerá do caso concreto.
De qualquer modo, pior do que perder o imóvel e demorar anos para obter na Justiça o direito à indenização, é constatar que o vendedor “sumiu”, sem deixar bens que respondam por seu débito. Não é, portanto, fisicamente possível obter o ressarcimento dos prejuízos se o devedor desapareceu sem deixar bens. Se ele foge para um lugar desconhecido, mas é titular de bens, a situação é mais fácil: basta indicar tais bens, que serão penhorados e alienados em praça para satisfazer a dívida.
Disso concluímos algo tão óbvio quanto importante: é sempre melhor negociar com pessoas providas de bens.

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NOTAS
1 Disponível em: http://www.blog.brunosilva.adv.br/administrativo-concursos-7.htm.
2 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro. São Paulo: IRIB e Revista dos Tribunais, 2005.
3 “3. O exercício de atividade notarial delegada (art. 236, § 1º, da Constituição) deve se dar por conta e risco do delegatário, nos moldes do regime das concessões e permissões de serviço público. 4. Conforme decidido pela Segunda Turma no julgamento do Recurso Especial 1.087.862/AM, em caso de danos resultantes de atividade estatal delegada pelo Poder Público, há responsabilidade objetiva do notário, nos termos do art. 22 da Lei 8.935/1994, e apenas subsidiária do ente estatal. Precedentes do STJ. 5. O Código de Defesa do Consumidor aplica-se à atividade notarial. 6. Em se tratando de atividade notarial e de registro exercida por delegação, tal como in casu, a responsabilidade objetiva por danos é do notário, diferentemente do que ocorre quando se tratar de cartório ainda oficializado. Precedente do STF. 7. Não está configurada violação do art. 70 do CPC, na linha do raciocínio que solidificou a jurisprudência na Primeira Seção do STJ, no sentido de que é desnecessária a denunciação à lide em relação à responsabilidade objetiva do Estado, sem prejuízo do direito de regresso em ação própria” (STJ, REsp 1.163.652-PE, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 1º-6-2010).
4 “Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”
5 “Art. 38. Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.”
6 A respeito de responsabilidade civil independente de culpa e teoria do risco, vide: SILVA, Bruno Mattos e. Direito de empresa: teoria da empresa e direito societário. São Paulo: Atlas, 2007. p. 268-290.
7Exemplo disso ocorreu na tramitação do Projeto de Lei nº 3.065, de 2004, que deu origem à Lei nº 10.931, de 2-8-2004.