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Abandono Afetivo: reflexões a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça*

ABANDONO AFETIVO

AFETIVIDADE

CONJUGALIDADE

DANO MORAL

DIREITO CIVIL

DIREITO DE FAMILIA

PARENTALIDADE

RELAÇÕES FAMILIARES

RESPONSABILIDADE CIVIL

Ricardo Lucas Calderón

Ricardo Lucas Calderón

10/08/2017

A possibilidade de reparação civil nos casos de abandono afetivo é, atualmente, um dos temas mais controversos do Direito das Famílias Brasileiro. A decisão do Superior Tribunal de Justiça que concedeu a reparação monetária em um caso de abandono afetivo paterno[1], inovadora nos tribunais superiores, ainda é objeto de intensa discussão doutrinária e jurisprudencial[2]. As próprias particularidades fáticas inerentes a estas situações jurídicas permitem que se encontrem soluções distintas para casos concretos vistos como próximos, embaralhando os fatores envolvidos[3].

O fato de o abandono afetivo ser um dos pontos relevantes no atual estudo do direito de família brasileiro é representativo da importância que a afetividade alcançou. O questionamento sobre as consequências da sua ausência nas relações familiares inegavelmente é reflexo da crescente aceitação desta afetividade jurídica, materializando a trajetória que culminou com o seu reconhecimento pelo direito brasileiro[4].

A situação fática tratada na emblemática decisão judicial envolvia uma filha extramatrimonial que demandava contra seu pai biológico ante o seu reiterado abandono afetivo por longos anos, ou seja, o seu genitor (tardiamente reconhecido e registrado como tal), em que pese lhe prestasse assistência material a partir do reconhecimento (pagando os alimentos estipulados) não realizou qualquer contato afetivo com a filha durante sua infância e adolescência. Configurada a situação de abandono afetivo, sustentou essa filha que sofreu danos decorrentes da ausência dessa relação paterno-filial, em vista do que demandava uma reparação financeira pelo dano que sofreu em virtude da conduta omissa do seu pai[5].

O Superior Tribunal de Justiça concedeu a reparação à referida situação de abandono afetivo (caso Luciane Souza), como demonstra a ementa abaixo:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO PELO DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência da ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear a compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para a adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp 1.159.242/SP, Relª. Minª. Nancy Andrigui, Terceira Turma, por maioria, j. em 24.04.2012, DJe 10.05.2012) [6]

O julgamento deste caso concreto exigiu a análise de valores, de princípios e de regras constitucionais, de direitos fundamentais, dos direitos da personalidade, da parte geral do direito civil, da responsabilidade civil e do direito de família. Resta claro que a tarefa do jurista frente a tais casos não é singela: exige dedicação e uma ampla compreensão da unidade e da complexidade na qual se constitui o direito contemporâneo.[7]

A análise do mérito do litígio indica um tratamento jurídico mais acertado que o até então adotado por grande parte dos tribunais em situações similares, que afastavam, a priori, a possibilidade de o Poder Judiciário responder à questão de fundo do referido caso concreto[8].

O adequado acertamento do litígio ora em análise exige a interpretação das diversas categorias jurídicas condizentes com o tempo presente, sempre com atenção à realidade que se está a tutelar e, quando necessário, com observância da força construtiva dos fatos sociais[9], única forma de se enfrentar adequadamente as questões trazidas pelos casos complexos. Isso implica ter ciência da importância dos institutos clássicos, da estrutura e função das categorias jurídicas, da contribuição dos doutrinadores e dos limites da inarredável técnica jurídica, mas sem olvidar a necessária contextualização ao momento presente na efetivação do direito contemporâneo[10].

Aspecto implícito no debate sobre o cabimento ou não de reparação decorrente de abandono afetivo refere ao espaço público e privado[11] nas relações familiares. É inegável que nesse ramo do Direito há amplo espaço para livre eleição da melhor forma de viver em família pelos particulares, restando resguardada aos participantes dessa relação a decisão sobre a melhor forma de convivência e a deliberação sobre o seu planejamento familiar[12]. Por outro lado, existe indicativo legal expresso no sentido da prevalência da proteção do interesse de crianças e adolescentes, de idosos e de diversos vulneráveis, de modo que, nas questões atinentes a essas pessoas singulares, há que se permitir uma atuação do poder público, mesmo no ambiente da esfera familiar, com o intuito de preservar seus interesses juridicamente garantidos[13].

Uma distinção entre as relações familiares em si auxilia a melhor compreender esta questão: na convivência familiar se desenvolvem relações de conjugalidade (entre os cônjuges ou conviventes) e de parentalidade (entre os demais integrantes, decorrentes da filiação e parentesco). A intervenção deve ser muito menor nas situações de conjugalidade, admitindo-se maior ação estatal quando envolvida uma situação de parentalidade com um vulnerável. Ou seja, a dinâmica pública ou privada nos conflitos familiares irá variar conforme a modalidade da relação envolvida[14].

A diferenciação das relações familiares em relações de conjugalidade e de parentalidade, algumas delas envolvendo crianças e adolescentes, auxilia sobremaneira a percepção desta maior ou menor possibilidade de atuação estatal. Luiz Edson Fachin é esclarecedor ao discorrer sobre a intensidade da intervenção e o espaço da não intervenção em questões de direito de família:

Assim, propor a intervenção desmesurada do ente estatal na ambiência familiar, espaço onde deve ocorrer o livre desenvolvimento da personalidade humana, importa inevitavelmente em aceder ao cerceamento da construção dessa personalidade própria das pessoas que pretendem se realizar, em coexistencialidade, naquele espaço familiar. Mas ao mesmo tempo em que é necessária a configuração de um “Estado ausente”, permitindo que as pessoas constituam suas relações segundo uma liberdade vivida, é igualmente necessário que determinados direitos sejam tutelados pela presente intervenção do ente estatal, mormente em face daqueles que se encontram mais vulneráveis e desamparados. Nesse sentido, intervir é necessário quando verificada a potencialidade lesiva à constituição da personalidade de uma pessoa, sendo ela jurídica ou faticamente mais vulnerável devido às suas condições pessoais, o que ocorre, à guisa de exemplo, com a criança, o adolescente, o incapaz, o idoso e aqueles que sofrem com a violência familiar.[15]

Há maior possibilidade de intervenção estatal quando envolvida a defesa dos interesses de crianças e adolescentes, com prevalência dos dispositivos legais atinentes a estas pessoas em estado de vulnerabilidade (como o dever de cuidado)[16]. É neste aspecto que adquire relevo a temática do abandono afetivo, pois trata de questão ínsita à intervenção da esfera pública, exatamente por envolver os direitos e os deveres perante uma criança ou um adolescente. Há que se destacar que a possibilidade de averiguação estatal dos conflitos de abandono afetivo decorre justamente do fato envolver uma criança ou um adolescente e seus direitos da personalidade (restando inviabilizada a sua discussão nas relações entre adultos). Dito de outro modo, o que legitima a intervenção na espécie é o fato de tratar de direitos existenciais relativos a essas pessoas em estado de vulnerabilidade.

Impende anotar que esta atuação estatal será pontual, restrita aos casos de omissão total do dever parental e que causem prejuízos efetivos à pessoa vulnerável que é objeto de proteção, o que não significa que o ente público poderá se imiscuir na esfera privada das relações familiares onde tal dever é, ainda que de certo modo, atendido. Nas relações parentais nas quais se desenvolvem relações afetivas concretamente é reprovável uma interferência pública de tal magnitude, o que é inclusive vedado constitucionalmente[17].

Emergem, na espécie, os princípios da parentalidade responsável e da proteção integral da criança e adolescente, que indicam clara possibilidade de intervenção. Isso porque, ao não atender em nada tal dever de cuidado o genitor-ofensor infringe um comando legal que envolve direitos de um vulnerável, que gozam de ampla proteção, de modo que pode vir a ter que responder pelos efeitos decorrentes da sua conduta[18].

Observa-se que a questão do abandono afetivo exige a análise prévia de uma possível tensão entre dois princípios constitucionais, e isso complexifica ainda mais sua apreciação. Incidem na espécie os princípios constitucionais da liberdade[19] e da solidariedade[20].  Denota-se a conexão entre o exercício da liberdade[21] (neste espectro positiva, material) e a subsequente responsabilidade que dele resulta. O que está subjacente a esta reflexão, sob o prisma constitucional, é mais uma vez a recomendável busca pela conciliação dos princípios da liberdade e da solidariedade na situação concreta.

Eventual ponderação entre a liberdade do genitor em exercer (ou não) seus deveres de pai/mãe e os direitos desse menor vulnerável de ver atendidas suas necessidades existenciais certamente privilegiaria a tutela deste último (a partir até mesmo dos princípios constitucionais da paternidade/parentalidade responsável e proteção integral da criança)[22]. Neste hipotético conflito, a ponderação a partir dos dispositivos legais indica a prevalência da proteção do infante. Ainda que se efetue a análise com base nos dados da realidade concreta, muito provavelmente prevalecerá o interesse do menor vulnerável[23].

No acórdão em comento o STJ acórdão analisou o referido caso concreto a partir da perspectiva constitucional, do caput do artigo 227, que traz o dever de convivência familiar[24], entre outros deveres parentais (alguns reiterados no art. 229 da Constituição[25]). A seguir, optou por utilizar os critérios da tradicional responsabilidade civil subjetiva para conferir o tratamento jurídico aos fatos que consubstanciavam aquela situação de abandono afetivo.

A partir dessas premissas, o julgado entendeu a conduta do pai ofensiva ao dever de cuidado paternal do genitor, considerando sua omissão um ilícito civil passível de sanção, e partiu para análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil subjetiva (culpa, nexo causal e dano). O forte apego aos pressupostos clássicos da responsabilidade civil clássica para a análise de complexos casos contemporâneos vem sendo objeto de crítica por parte da doutrina do direito civil, visto que, para os adeptos dessa corrente da responsabilidade por danos, restaria ainda muito apegada à punição da conduta do ofensor (e não ao abalo sofrido pela vítima), voltada apenas ao passado (e não com olhos para o futuro), exacerbaria os filtros (dificultando a reparação) e não tutelaria dignamente a vítima e seus danos (recomposição integral dos danos sofridos). Para essa novel corrente doutrinária, na construção de uma renovada teoria da responsabilidade civil, estes deveriam ser os pontos centrais da análise[26].

Nesse aspecto, a análise dos casos de abandono afetivo deve se dar não apenas com base nos pressupostos rígidos da responsabilidade civil, mas, ainda que sem olvidá-los por completo, deve procurar avançar sobre as peculiaridades das relações entre familiares e, ainda, destacar a necessária tutela da vítima, a leitura atenta dos danos e uma postura que, mais do que apenas repará-los, busque também evitá-los[27].

Na fattispecie em apreço seria o caso de averiguar se há efetivamente um dano injusto (sofrido pelo ente abandonado afetivamente), se este dano decorreu da ofensa a um interesse juridicamente protegido, se deve ser reparado (com base no sistema jurídico) e se há possibilidade de se imputar tal dever reparatório a alguém (o genitor negligente, no caso). Uma análise a partir do enfoque da vítima e de seus danos pode chegar à mesma conclusão que o acórdão paradigma ora comentado, mas poderia – quem sabe – contribuir com outros fundamentos, mais próximos aos que sustentam os defensores dessa renovada responsabilização por danos.

Em outras palavras, parece possível sustentar que os casos de abandono afetivo exigem uma superação dos pressupostos rígidos da responsabilidade civil subjetiva clássica, sendo recomendável atenção a alguns dos critérios contemporâneos sustentados pelos doutrinadores desta renovada responsabilidade por danos.

O ponto de partida da abordagem jurídica do referido caso foi a classificação da conduta omissiva paterna (de abandono afetivo, sem existir abandono financeiro) como ato ilícito passível de gerar as demais cominações do nosso ordenamento jurídico. Extrai-se, portanto, que o cuidado foi considerado vital para o desenvolvimento e a formação psicológica do infante, de modo que configuraria verdadeira obrigação dos pais o atendimento a este dever jurídico, sendo a negligência não justificável a tal obrigação legal configuradora de ilícito civil, culposo (na visão do julgado).

A temática do cuidado[28] é incipiente no Direito Brasileiro e está afeita ao significado conferido a denominada afetividade jurídica, para o qual se percebe ainda certa instabilidade doutrinária e jurisprudencial na sua tradução, ou seja, qual o sentido e a extensão do chamado princípio jurídico da afetividade[29], o que, inevitavelmente, exige certa homogeneidade e objetividade para a adequada aplicação aos casos concretos[30]. Sobre esse aspecto, o referido posicionamento do Superior Tribunal de Justiça contribuiu para superar muitos dos equívocos e objeções que eram lançados sobre a leitura jurídica da afetividade, pois afastou qualquer confusão com o amor[31] (como muitos faziam até então) e ainda o aplicou de forma eminentemente objetiva (o que se mostra acertado)[32].

O amor em si ou o sentimento de afeto (anímico) são subjetivos, escapam ao Direito e são inapreensíveis juridicamente, estando claramente na esfera de liberdade de cada uma das pessoas. Não é disso que se trata. Importa desde logo ressaltar que o Direito está a cuidar de uma afetividade jurídica, ou seja, do significado que os juristas estão a conferir a este significante (que se apoia, mas é diverso do significado que lhe conferem outras ciências, como a psicologia e a psiquiatria). Esta afetividade jurídica está retratada em diversos dispositivos do nosso sistema e merece tradução pelos juristas.

O sentido atualmente conferido a esta afetividade jurídica envolve a apreensão de manifestações concretas exteriorizadoras de uma relação afetiva (ou de uma atitude de cuidado parental, como no caso). Isso se fará com base na análise de fatos jurídicos, objetivos. Ou seja, será averiguado objetivamente, com base em fatos concretos. Daí ser possível dizer que o que lastreia o decisum é a incidência de uma afetividade jurídica objetiva.

Paulo Luiz Netto Lôbo é esclarecedor ao discorrer sobre o atual sentido jurídico da afetividade: o distingue de outras áreas[33] e ainda classifica a afetividade como princípio. Sua análise parte da distinção da afetividade como fenômeno social da sua leitura como fenômeno jurídico (o que já responde a muitas das críticas que lhe são postas) e conclui com a demonstração da sua faceta de dever jurídico:

O termo ‘socioafetividade’ conquistou as mentes dos juristas brasileiros, justamente porque propicia enlaçar o fenômeno social com o fenômeno normativo. De um lado há o fato social e de outro o fato jurídico, no qual o primeiro se converteu após a incidência da norma jurídica. A norma é o princípio jurídico da afetividade. As relações familiares e de parentesco são socioafetivas, porque congrega o fato social (socio) e a incidência do princípio normativo (afetividade). (…) A afetividade, como dever jurídico, não se confunde com a existência real do afeto, porquanto pode ser presumida se a este faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. O dever jurídico da afetividade entre pais ou filhos apenas deixa de haver com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda do poder familiar ou autoridade parental.[34]

É esta dimensão objetiva da afetividade que está em pauta quando se fala em abandono afetivo, que avulta o seu viés representado pelo cuidado como dever jurídico em uma relação parental (como descrito no referido acórdão). Este atendimento será verificado com base em fatos concretos que serão demonstrados juridicamente.

Embora seja cada vez mais recorrente a remissão à afetividade tanto pela doutrina como pela jurisprudência de direito de família, ainda não se percebe a consolidação e a estabilização do seu sentido jurídico na atualidade, o que pode ser um dos motivadores das inquietações advindas do referido julgado sobre abandono afetivo. É recomendável o enfrentamento do tema pelos juristas para verticalização desses significados, na esteira do que – de certo modo e ainda que brevemente – fez o acórdão que é objeto da presente análise.

O esclarecimento do sentido conferido à tradução jurídica da afetividade (e da temática do cuidado) pode permitir a superação de muitas das críticas que são postas à tutela dos casos de abandono afetivo (a maioria delas ligadas a questões de que o Direito não pode obrigar a amar e que não deve se imiscuir neste espectro da vida do cidadão).

A partir dessa premissa (abandono afetivo objetivamente considerado como ato reprovável juridicamente), passou o julgado a analisar os demais requisitos atinentes à responsabilidade civil tradicional.

Os próximos fatores foram a verificação do dano e o competente nexo de causalidade. Ao discorrer sobre o dano, a respectiva decisão judicial tece considerações sobre possíveis danos psicológicos, que poderiam ser comprovados com laudos técnicos, mas conclui asseverando que o dano na espécie é in re ipsa[35]. Em sendo assim, entendeu o STJ como desnecessária qualquer prova dos danos pleiteados, posto que, em casos de abandono afetivo, estes seriam presumíveis para quem sofreu com a conduta tida como ilícita (ou seja, quem passou a infância e adolescência sem conviver afetivamente com seu genitor, como filho e pai) [36].

Ao considerar o dano presumível nos casos de abandono afetivo, o acórdão, na prática, considerou presumível também o nexo causal, pois sobre isso apenas afirmou que “esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício do seu dever de cuidado em relação à recorrida. Nada mais o julgado apontou sobre o nexo de causalidade do caso.

Quanto aos casos de abandono afetivo, parece prudente exigir alguma vinculação dos danos com a conduta omissiva comprovada. Isto porque, não se mostra razoável permitir que, por não cumprir seu dever de cuidado, venha o genitor a responder por todo e qualquer dano presente na vida da pessoa que foi um dia abandonada afetivamente. Por mais que se supere, substitua ou remodele o nexo causal na responsabilidade civil, nos casos de abandono afetivo recomenda-se exigir algum liame entre a conduta imputada como omissiva (negligente) e os danos que se pretende ver indenizados[37].

Quiçá um dos aspectos mais polêmicos da decisão do STJ foi considerar todos os danos decorrentes deste abandono afetivo in re ipsa, que dispensariam prova e seriam presumíveis nestas situações. Em se tratando de reparação civil decorrente de uma relação familiar, com todas as peculiaridades que a envolve, há que se refletir se a consideração de todos os danos decorrentes de abandono afetivo como presumíveis, in re ipsa, é a melhor solução para tais relações existenciais.

Em um primeiro momento, o dano diz respeito à lesão a um interesse ou bem juridicamente protegido (que podem ser patrimoniais ou extrapatrimoniais); subsequentemente, apreciam-se os efeitos que esta ofensa pode ter ocasionado – que também podem ter peculiaridades patrimoniais ou extrapatrimoniais.

Neste sentido, os danos extrapatrimoniais envolvem dois aspectos: um objetivo e um subjetivo. Objetivamente, referem à lesão a esfera extrapatrimonial da vítima, sendo possível caracterizar “o dano moral como a lesão à dignidade da pessoa humana”[38], o que destaca o seu aspecto objetivo. Já o aspecto subjetivo diz respeito aos efeitos que tal lesão poderá ocasionar para a vítima, vinculados à dor, sofrimento, tristeza etc.[39]

Judicialmente, sobressai a necessidade de demonstração do aspecto objetivo do dano moral, que deve ser comprovado em juízo, pois, estando este aspecto presente, resta presumível a existência do seu aspecto subjetivo[40]. A partir desta concepção, resta possível averiguar concretamente a ofensa a um dos substratos da pessoa humana (dignidade, integridade psíquico-física, liberdade, igualdade, entre outros)[41]. Para os danos decorrentes de abandono afetivo, torna-se relevante esta leitura jurídica objetiva dos danos morais.

Nas situações de abandono afetivo o interesse lesado é claramente extrapatrimonial: relaciona-se com a dignidade da pessoa humana (envolve a esfera existencial, pessoal da vítima), podendo gerar tanto efeitos de natureza patrimonial como de natureza não patrimonial. Assim, em um primeiro momento há que se verificar a demonstração da ofensa a essa esfera existencial (aspecto objetivo), mas do ponto de vista da vítima, e não do ofensor. Ou seja, cumpre demonstrar qual esfera da dignidade pessoal da vítima restou abalada com tal conduta lesiva. Isto se faz sempre a partir da perspectiva da vítima e inicialmente é cabível a exigência da sua comprovação. Constatando-se a existência de ofensa a essa esfera pessoal da vítima – decorrente da omissão do genitor – estar-se-á diante de um dano injusto reparável, presente, portanto, o abandono afetivo.

A análise das situações de abandono afetivo deve partir da averiguação da presença do dano sofrido pela vítima (e não a partir do ato do ofensor), conforme sustenta Giselda M. F. N. Hironaka.

A visualização primeira deve se o dano e não a sua origem ou causa, propriamente ditas, pois o que corre à frente é a circunstância da vítima do dano. É pela vítima e pela expectativa de reorganizar, tanto quanto seja possível, a essência lesada que se procura sistematizar um novo perfil para a responsabilidade civil – como se esboça neste estudo –, quando a ausência afetiva tenha produzido danos ao partícipe da relação paterno-filial, mormente o filho.[42]

O abandono afetivo, por sua vez, pode gerar danos patrimoniais e extrapatrimoniais, que decorrem da supracitada lesão à esfera pessoal da vítima. Cabe, então, averiguar, no caso concreto, a presença destes respectivos danos. Os danos patrimoniais decorrentes dessa modalidade de abandono devem ser alegados e comprovados – com o que poderão ser indenizados, inexistindo muitas dúvidas a esse respeito. Resta presente a necessidade de se demonstrar, conforme exposto, a ligação desses danos materiais com o abandono.

Contudo, aspecto de maior polêmica diz respeito aos danos extrapatrimoniais advindos do supracitado abandono afetivo. Ou seja, os efeitos existenciais ocasionados para a vítima abandonada (aspecto subjetivo). A distinção entre a lesão existencial em si (ofensa à esfera da pessoa que foi vítima – dano moral objetivo) de possíveis outros efeitos extrapatrimoniais decorrentes dele (dor, sofrimento, humilhação – dano moral subjetivo) joga luz sobre a questão. Estes outros efeitos podem estar presentes ou não em determinados casos concretos, mas, para a ocorrência de dano injusto indenizável, basta apenas a lesão a alguma esfera da dignidade da pessoa da vítima (ou seja, comprovação da ofensa a um interesse juridicamente protegido).

Dor, vexame, sofrimento e humilhação são possível consequência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame, sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa umaagressão à dignidade de alguém.[43]

Na esteira do já dito acima, sustenta-se que a ofensa à esfera extrapatrimonial da vítima deve ser comprovada; já os efeitos extrapatrimoniais decorrentes dessa ofensa podem ser comprovados ou presumidos. Caso exista algum efeito perceptível concretamente apenas restará ainda mais clara a ofensa à esfera existencial do lesado (como um dano psíquico decorrente do abandono afetivo: nesse exemplo se está diante de um dano extrapatrimonial decorrente da ofensa a um interesse extrapatrimonial).

Por outro lado, caso tal ofensa não tenha gerado outro efeito extrapatrimonial aferível (como um dano psíquico), é desnecessária qualquer prova de dor ou sofrimento dele decorrente. Este outro efeito seria perfeitamente presumível, sendo despicienda qualquer exigência de sua prova em juízo. Neste aspecto subjetivo do dano sempre haverá presunção judicial quanto à dor, sofrimento, humilhação ou vergonha (no sentido do que fez o acórdão ora comentado).

Entretanto, muitos sustentam, indistinta e genericamente, apenas que ‘o dano moral prescinde de prova e deve ser sempre considerado in re ipsa’ (há reiterada jurisprudência nesse sentido). Ou seja, não diferenciam a esfera do dano relativa à lesão a determinada esfera extrapatrimonial (aspecto objetivo) dos possíveis efeitos dela decorrentes (aspecto subjetivo), e por isso afirmam que ambos os aspectos seriam presumíveis (tanto a lesão como os efeitos advindos). Tal premissa pode conter um equívoco, pois permite confundir a lesão extrapatrimonial em si com uma dor ou um sofrimento decorrente dela. Anderson Schreiber descreve de forma clara o desacerto:

Na teoria do dano in re ipsa parece, contudo, residir um grave erro de perspectiva, ligado à própria construção do dano extrapatrimonial e à sua tradicional compreensão como pretium doloris. Em outras palavras, a afirmação do caráter in re ipsa vem quase sempre vinculada a uma definição consequencialista de dano moral, muito frequentemente invocada a partir da sua associação com a dor ou o sofrimento. Sob esta ótica, parece mesmo óbvio que a prova do dano deve ser dispensada, na medida em que seria esdrúxulo e, antes disso, ineficaz exigir a demonstração em juízo da repercussão sentimental de um determinado evento sobre a vítima, seja porque a dor e o sofrimento são fatos inteiramente subjetivos, seja porque, nesta condição, são facilmente simuláveis. A verdade, no entanto, é que a dor não define, nem configura elemento hábil à definição ontológica do dano moral. Como já demonstrado, trata-se de uma mera consequência, eventual, da lesão à personalidade e que, por isso mesmo, mostra-se irrelevante à sua configuração.[44]

Em suma, mister que se distinga a ofensa a interesse extrapatrimonial da eventual dor ou sofrimento que ela pode causar, visto que este pode ser apenas um dos seus efeitos. Para que esteja presente um dano extrapatrimonial há que existir uma lesão a um interesse seu juridicamente protegido (como a um direito da personalidade, por exemplo). Esta ofensa pode ou não causar dor íntima ou sofrimento, mas isso não é relevante para a constatação da existência do dano extrapatrimonial. Consequentemente, para estar presente um dano moral reparável, basta a comprovação da lesão a essa esfera pessoal da vítima[45].

Caberá, in casu, ao requerente do pedido reparatório decorrente de abandono afetivo descrever quais foram as lesões à sua esfera extrapatrimonial, sendo esta tarefa essencial. Portanto, é necessária a descrição da ofensa ao direito da personalidade da vítima e da sua vinculação com a conduta reprovável do infrator. Repita-se que a demonstração deste aspecto do dano (objetivo) se restringe a comprovação da ofensa a sua esfera existencial[46].

Maria Celina Bodin de Moraes corrobora estes argumentos ao discorrer especificamente sobre os reflexos desta situação no abandono afetivo:

Há que se melhor explicar o posicionamento aqui defendido. Para configuração de dano moral à integridade psíquica de filho menor, é preciso que tenha havido o completo abandono por parte do pai (ou da mãe) e a ausência de uma figura substituta. Se alguém ‘faz as vezes’ de pai (ou de mãe), desempenhando as suas funções, não haverá dano a ser indenizado, não obstante o comportamento moralmente condenável do genitor biológico. Não se admite qualquer caráter punitivo à indenização do dano moral. Não se trata, pois, de condenar um pai que abandonou seu filho (eventual ‘dano causado’), mas de ressarcir o dano sofrido pelo filho quando, abandonado pelo genitor biológico, não pôde contar nem com seu pai biológico, nem com qualquer figura substituta, configuram-se, então, só aí, o que se chamou de ‘ausência de pai’ (isto é, ausência de figura paterna).[47]

Ainda que se sustente despicienda qualquer prova de dor ou sofrimento, como fez – in casu – o acórdão ora em comento, inafastável a vítima se desincumbir do dever de descrever quais lesões à sua esfera existencial ocorreram e qual o vínculo delas com o aludido abandono.

É alvissareira a decisão do STJ que permite reparação por abandono afetivo, anunciadora de um outro momento na análise da responsabilidade civil em questões de direito de família, em que pese algumas observações pontuais possam ser feitas à sua fundamentação e decorram deste posicionamento novas questões aos juristas.

Muito mais do que entregar uma resposta pronta e completa, esse precursor julgado pode exercer o papel de importante pergunta que nos leve a atentar com mais vagar para alguns aspectos da realidade, por vezes esquecidos pelos operadores jurídicos.

Ao assim decidir, o Superior Tribunal de Justiça ilumina um tema que há muito restava à sombra do direito brasileiro: os casos concretos de abandono afetivo. O simples fato de colocar a temática na ordem do dia dos civilistas já é merecedor de aplausos não se ignorando que, ao assim proceder, traz desafios e alguma inquietação.

Como estamos na fase da insegurança, da incerteza e da instabilidade[48], o hard case desta estirpe certamente envolve um pouco destes fatores, o que traz dificuldades ao Direito, como se percebem nas diversas manifestações doutrinárias e jurisprudenciais a respeito[49].

O reconhecimento da possibilidade de responsabilização civil do denominado abandono afetivo é mais um indicativo da relevância que a temática da afetividade assume no direito brasileiro, sendo o aprofundamento dos temas correlatos que advêm deste novel entendimento uma tarefa a cumprir.

Inegável que o Direito não é (nem pretende ser) a ‘solução’ para todos os atuais dilemas familiares, cuja composição certamente perpassa por diversas outras áreas – as quais não se pretende ignorar e muito menos a minorar. Os dramas do abandono afetivo muito mais do que reparados devem ser evitados, tarefa que envolve diversas questões metajurídicas[50].

Com a ciência disso, é necessário perceber que o Direito não pode deixar de dar as respostas aos conflitos quando chamado para tanto. Corolário disso, é que estas respostas devem ser extraídas do atual sistema jurídico, de acordo com as premissas do direito das famílias brasileiro deste início de século, o que indica na possibilidade de reparação civil nos casos de abandono afetivo[51].

Por outro lado, nada impede que sejam edificadas outras formas de reparação para os danos resultantes destes conflitos familiares, desde que se mostrem cabíveis em uma dada situação fática, mas para isso parece indicado discutir juridicamente os temas advindos dos casos de abandono afetivo e não mais evitá-los.

Resta, portanto, enfrentar as questões apresentadas com serenidade e esforço para oferecer a melhor construção que a técnica jurídica atual possa permitir, com os olhos na realidade contemporânea, sempre mantendo o caminhar na busca pela consagração dos valores existenciais da pessoa humana.


REFERÊNCIAS

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* Artigo originalmente publicado em: CALDERON, R.L. Abandono afetivo: reflexões a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça. In: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; SOUZA, Eduardo Nunes de; MENEZES, Joyceane Bezerra de; EHRHARDT JUNIOR, Marcos (Org). Direito Civil Consitucional a ressignificação da função dos institutos fundamentais do Direito Civil contemporâneo e suas consequências. 1ª ed. Florianópolis: Conceito, 2014, v.1, p.527-546.
[1] Superior Tribunal de Justiça (STJ), REsp 1.159.242/SP, Relª. Minª. Nancy Andrigui, Terceira Turma, j. em 24.04.2012, DJe 10.05.2012.
[2] Flávio Tartuce divide a doutrina sobre abandono afetivo paterno-filial em dois grandes grupos: o primeiro favorável à reparação (Paulo Lôbo, Giselda M. F. N. Hironaka, Rolf Madaleno); o segundo contrário à reparação (Regina Beatriz Tavares da Silva, Judith Martins-Costa, Murilo Sechiero Costa Neves). Ao final, o autor se filia à corrente favorável. (TARTUCE, Flávio. O Princípio da Solidariedade e algumas das suas implicações em Direito de Família. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, Magister/Belo Horizonte, IBDFAM, v. 30, p. 5-34. out./Nov. 2012, p. 11).
[3] “Ao lado desta prodigalidade de formulações teóricas se instalaram, também, e de modo igualmente pródigo, as mais diferentes tendências jurisprudenciais, com respostas distintas para casos semelhantes, com respostas semelhantes para casos distintos e com idênticas respostas para casos semelhantes ou não, mas oriundas de fundamentação diversa. O século XX – não há como negar – produziu uma verdadeira torre de Babel, em termos de apreciação, análise a aplicação da responsabilidade civil.” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Civil: Estado da Arte no Declínio do Segundo Milênio e Alguns Sabores de Um Novo Tempo. p. 184-233. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Orgs.). Responsabilidade Civil: Estudos em Homenagem ao Professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 194)
[4] Conforme descrito de modo mais profundo na obra: CALDERON, Ricardo Lucas. O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.
[5] Julgada improcedente em primeiro grau, foi reformada a sentença em grau recursal e julgada parcialmente procedente a ação pela 7ª Câmara B de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que fixou a indenização em R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais). O genitor apresentou Recurso Especial e, por esta via, chegou o caso ao Superior Tribunal de Justiça. (TJ/SP, 7ª Câmara B de Direito Privado, Apelação Cível nº 9066223-40.2004.8.26.00, Relª. Daise Fajardo Nogueira Jacot, DJe 20.01.2009).
[6] Prevaleceu no caso concreto o decisum acima transcrito que, ao negar provimento ao pedido principal do Recurso Especial manejado pelo pai, entendeu procedente a fixação de reparação monetária decorrente daquele abandono afetivo.  A procedência parcial do Recurso Especial foi apenas para reduzir o valor fixado pelo tribunal local.
[7]     “Uma vez especificado que o direito faz parte da complexa realidade social e que o ordenamento é unitário e, portanto, sistemático, é preciso inserir o fato singular ou o problema particular na mais vasta e global problemática sócio-jurídica, sem cair no excessivo amor pelas generalizações e pelas chamadas teorias gerais.” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 143)
[8] Como exemplo, a conclusão proferida no REsp. 757.411/MG, no qual o STJ negou o pedido, asseverando que o abandono afetivo era incapaz de gerar reparação pecuniária: “Responsabilidade Civil – Abandono Moral – Reparação – Danos morais – Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso Especial conhecido e provido.” (STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 29.11.2005, DJ 27.03.2006)
[9] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 p. 39.
[10] “Quanto ao aumento das hipóteses de ressarcimento, sabe-se que a responsabilidade civil é um dos instrumentos jurídicos mais flexíveis, dotada de extrema simplificidade, estando apta a oferecer a primeira forma de tutela a interesses novos, considerados merecedores de tutela tão logo a sua presença seja identificada pela consciência social e que de outra maneira ficariam desprotegidos, porque ainda não suficientemente amadurecidos para receberem atenção e, portanto, regulamentação própria por parte do legislador ordinário.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A Constitucionalização do Direito Civil e seus efeitos da Responsabilidade Civil. p. 317-342. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 323)
[11] Inexiste atualmente uma distinção nítida entre essas esferas, inter-relacionadas constantemente. Constata-se que “no jardim exista algo de praça, e que a praça tenha algo de jardim”. (SALDANHA, Nelson. O Jardim e a Praça: o Privado e o Público na Vida Social e Histórica. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Atlântica, 2005. p. 154). Com essa advertência, será feita uma breve análise das relações familiares a partir de cada um dos respectivos espaços, com o intuito de contribuir para a reflexão que se pretende.
[12]CF/88 – “Art. 226, § 7º: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas.”
[13] Encontram-se dispositivos de proteção a crianças e adolescentes na Constituição Federal, no Código Civil, no Estatuto da Criança e do Adolescente e em diversas convenções e tratados internacionais das quais o Brasil é signatário.
[14] “A relação entre a esfera pública e a esfera privada, neste ambiente, aliás, também é diferenciada. Na conjugalidade, tal relação caracteriza-se atualmente por uma substancial aceitação das escolhas e da autonomia dos indivíduos, bem como pela renúncia à exigência e ao cumprimento coercitivo dos direitos e deveres entre os cônjuges. Na parentalidade, por outro lado, distingue-se pela ampliação, cada vez maior, das intervenções jurídicas nas relações da filiação, com vistas à proteção dos menores.” MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos Morais em Família? Conjugalidade, parentalidade e responsabilidade civil. p. 423-455. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 447.
[15] FACHIN, Luiz Edson. Famílias – entre o público e o privado. p. 158-169. VIII CONGRESSO NACIONAL DO IBDFAm. Família: entre o público e o privado. Anais… PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Porto Alegre: Magister/Ibdfam, 2012. p.163-164.
[16] “Sempre que os direitos da criança e do adolescente forem violados ou mesmo estiverem sob ameaça de violação, faz-se necessária, aí sim, a pronta intervenção estatal, assegurando que essa pessoa ainda em desenvolvimento venha a ter a possibilidade concreta de construir a sua personalidade pelas suas próprias escolhas, com a garantia da sua liberdade positiva.” FACHIN, Luiz Edson. Famílias – entre o público e o privado. Op. cit., p. 164.
[17] A necessária delimitação entre o espaço público e o privado nas relações familiares foi suscitada no julgado  que tratou do abandono afetivo, conforme se percebe em relevante alerta constante do voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino nesse processo: “Ressalto, todavia, que apenas o abandono completo e notório do filho tem o condão de gerar a responsabilidade civil dos pais. De fato, na educação e na criação dos filhos, não há um molde perfeito a ser observado, pois não há como medir o grau de atenção, de carinho e de cuidados dispensados pelos pais à sua prole, pois cada componente de célula familiar tem também sua história pessoal. Felizmente, dispõe-se de uma larga margem de liberdade para educar e criar os filhos do modo que melhor se aprouver, sendo que desvios, percalços e falhas são inerentes ao processo de educação e criação. O dever de cuidado, pois, apresenta um conteúdo inegavelmente subjetivo. Assim, imprescindível apoiar-se sobre firme substrato e esclarecer que o abandono afetivo apenas ocorre quando o progenitor descumpre totalmente seu dever de cuidado, infringindo flagrantemente as mais comezinhas obrigações para com seu filho. Evita-se, desse modo, eventual abuso por parte de filhos que, insatisfeitos com episódios específicos da sua criação, pleiteiam a indenização por danos supostamente sofridos.”
[18] Não compete ao poder público detalhar e determinar como esse cuidado deve ser exercido nas situações concretas, nas quais está materializada uma convivência parental afetiva; esta escolha é afeita à liberdade de planejamento familiar dos particulares e envolve sua esfera privada, o que deve ser respeitado. Nessa ordem de ideias, é possível afirmar que os casos de abandono afetivo parental durante a infância e a adolescência estão sujeitos à verificação jurisdicional estatal.
[19] “O princípio da liberdade individual consubstancia-se, hoje, numa perspectiva de privacidade, intimidade e livre exercício da vida privada. Liberdade significa, cada vez mais, poder realizar, sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais – mais: o próprio projeto de vida, exercendo-o como melhor convier.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade da pessoa humana. p. 71-148. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 108.)
[20] “O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os destaca, a saber: o princípio da convivência familiar, o princípio da afetividade, o princípio do melhor interesse da criança.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. O princípio constitucional da solidariedade nas relações de família. In: CONRADO, Marcelo (Org.). Direito Privado e Constituição: ensaios para uma recomposição valorativa da pessoa e do patrimônio. Curitiba: Juruá, 2009. p. 327)
[21] “Isso é revelador da dialética a que a própria dimensão funcional da expressão jurídica da família se submete: é na tensão entre liberdade(s) e autoridade que se desenvolvem as prestações que a família pode oferecer aos seus integrantes quando se trata das relação entre pais e filhos.” (RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Institutos Fundamentais de Direito Civil e Liberdade(s): Repensando a Dimensão Funcional do Contrato, da Propriedade e da Família. Rio de Janeiro: GZ, 2011. p. 325)
[22]  Nesse sentido, embora com uma ressalva quanto ao amor  (sentimento de afeto): “Aqui, em nível muito geral, poder-se-ia falar em um interesse à liberdade do pai. O legislador, todavia, ao impor sobre o pai deveres de comportamento em face dos filhos, já estabeleceu a relação de prevalência ante tal liberdade e o interesse do menor à adequada formação da sua personalidade, determinando, em síntese, que este último interesse prevalece em relação ao ‘sustento, guarda e educação dos filhos menores’ – não já, note-se, ao amor, ao afeto, ao carinho, sentimentos pessoais subjetivos com relação aos quais a liberdade de autodeterminação do pai mantém-se prevalente à luz do tecido constitucional.” (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidadecivil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 181).
[23] “Novamente, buscando a ponderação dos interesses contrapostos, ter-se-ia ao lado dos genitores o princípio da liberdade e da parte dos filhos o princípio da solidariedade familiar. Levando-se em conta a peculiar condição dos filhos e a responsabilidade dos pais na sua criação, educação e sustento, seria incabível valorizar a sua liberdade em detrimento da solidariedade familiar e da sua própria integridade psíquica. Ponderados, pois, os interesses contrapostos, a solidariedade familiar e a integridade psíquica são princípios que se superpõem, com a força que lhes dá a tutela constitucional, à autonomia dos genitores, que, neste caso, dela não são titulares.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos Morais em Família? Conjugalidade, parentalidade e responsabilidade civil. p. 423-455. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 449.
[24]Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
[25]Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
[26] “Os mencionados elementos tidos como necessários para que surja o dever de indenizar foram construídos num momento em que a teoria da responsabilidade civil tinha como foco principal a sanção a atos ilícitos ou às condutas reprováveis. Desta forma, foram os pressupostos tradicionais construídos a partir dos possíveis comportamentos causadores de dano. Ocorre que hodiernamente se percebe com clareza que a atenção da responsabilidade civil passou do comportamento lesionante para o evento lesivo em si, para o dano injusto sofrido pelo sujeito lesionado. Em outras palavras, há uma nova concepção da responsabilidade civil pela qual se visualiza o fenômeno como reparação do dano injusto à vítima, e não como uma sanção à conduta contrária ao direito. Preocupa-se com o dano que, na hipótese de injusto, merecerá reparação, cabendo então ao direito apontar o responsável. Assim, se antes se dizia ‘não há responsabilidade civil sem culpa’, agora pode-se afirmar que ‘não há responsabilidade civil sem dano injusto’”. (ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Op. cit., p. 16-17)
[27] Alguns desses aspectos são sublinhados pela denominada doutrina de direito de danos (que advoga o foco central da reparação civil na vítima e nos danos). A Argentina possui forte corrente doutrinária nesse sentido, entre outros: GHERSI, Carlos Alberto. Teoría General de la Reparación de Daños. Buenos Aires: Astrea, 2003; ECHEVESTI, Carlos; GÓMEZ, Hernán; ARES, Valentina. Derecho de Daños. Buenos Aires: Scotti, 2000. Resta analisar a conveniência e possibilidade de se adotarem algumas dessas premissas e construções no direito civil brasileiro e, particularmente, na aplicação da responsabilidade civil nas relações familiares. No que se refere ao tratamento dos casos de abandono afetivo, suas peculiaridades complexificam a análise e exigem estudos mais aprofundados sobre a possibilidade ou não de se utilizar algumas contribuições da teoria argentina da reparação por danos nestes conflitos.
[28] “Essa percepção do cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa no art. 227 da Constituição Federal. […] Aqui não se fala ou discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.” Trecho do voto da Ministra Relatora no REsp 1.159.242/SP
[29] TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no Direito de Família: breves considerações. p. 1. Disponível em: <www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/ detalhe/859>. Acesso em: 17 fev. 2013.
[30] Conforme detalhadamente descrito na obra CALDERON, Ricardo Lucas. O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 301 e ss.
[31] RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. As linhas que dividem amor e Direito nas constituições. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-dez-27/direito-comparado-linhas-dividem-amor-direito-constituicoes>. Acesso em: 07 abr. 2013.
[32] Afetividade não se confunde com o amor, visto que este último escapa ao Direito; já a afetividade decorre de uma atividade concreta exteriorizadora de uma manifestação de afeto. Ao ser objetivamente reconhecida pelo direito, assume o perfil de afetividade jurídica a partir das balizas que lhe são impostas. Para um melhor tratamento jurídico da afetividade deve ser destacada tal distinção. A Ministra Relatora adota essa tese, o que ficou claro no trecho do seu voto em que afirmou: “Amar é faculdade, cuidado é dever”. Embora se reconheça que existam autores jurídicos que pensem em sentido contrário, com recentes obras sustentando as “possíveis projeções jurídicas do amor”, dos quais, respeitosamente, discordamos. Por todos, citamos Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf: “No mundo jurídico alcança o amor o status de direito fundamental” (MALUF, Adriana. Direito das Famílias: amor e bioética. Rio de Janeiro: Elsever, 2012. p. 3).
[33] “A afetividade familiar é distinta do vínculo de natureza obrigacional, ou patrimonial, ou societário. Na relação familiar não há fim econômico, cujas dimensões são sempre derivadas (por exemplo, dever de alimentos, ou regime matrimonial de bens), nem seus integrantes são sócios ou associados.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Socioafetividade em Família e a Orientação do Superior Tribunal de Justiça. Op. cit., p. 647)
[34] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Socioafetividade em Família e a Orientação do Superior Tribunal de Justiça. Op. cit., p. 646-647.
[35] “Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. p. 86)
[36] Tal negligência geraria “[…] sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação.” Trecho do voto da Relatora, Minª. Nancy Andrighi, no REsp. 1.159.242/SP.
[37] “Diante da tendência à objetivação do dever de reparar, e à medida em que por vezes até mesmo a extensão do dano parece identificada de forma indireta, expandem-se de maneira fulgurante os danos ressarcíveis e a identificação da causalidade torna-se o cerne da reflexão. […] Tais hipóteses demonstram a importância do nexo de causalidade na dogmática atual da responsabilidade civil e a imprescindibilidade do delineamento de parâmetros homogêneos para o seu estabelecimento no sistema jurídico brasileiro. Como se procurou demonstrar, a jurisprudência do STJ contribui significativamente para essa delimitação.” (TEPEDINO, Gustavo. O nexo de causalidade na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (Coords.). O Superior Tribunal de Justiça e a Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 474 e 489).
[38] MORAES, Maria Celina Bodin de. A Constitucionalização do Direito Civil e seus efeitos da Responsabilidade Civil. Op. cit., p. 332.
[39] REIS, Clayton. Dano Moral. Op. cit., p. 15.
[40] “[…] o dano moral se caracteriza pela simples violação de um direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou o desconforto emocional da vítima sentimentos presumidos de tal lesão (presunção hominis) e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo.” DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 146.
[41] “Este estudo tem por fito desenvolver argumentos, que me parecem convincentes, no sentido de concluírem com uma tese: não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos direitos da personalidade. (…) A rica casuística que tem desembocado nos tribunais permite o reenvio de todos os casos de danos morais aos tipos de direitos da personalidade. Nenhum dos casos deixa de enquadrar?se em um ou mais de um tipo, conforme acima analisados. A referência freqüente à “dor” moral ou psicológica não é adequada e deixa o julgador sem parâmetros seguros de verificação da ocorrência de dano moral. A dor é uma conseqüência, não é o direito violado. O que concerne à esfera psíquica ou íntima da pessoa, seus sentimentos, sua consciência, suas afeições, sua dor, correspondem a dos aspectos essenciais da honra, da reputação, da integridade psíquica ou de outros direitos da personalidade.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002)
[42] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. p. 209-236. In: EHRHARDT JUNIOR, Marcos; ALVES, Leonardo Barreto Moreira (Coords.). Leituras Complementares de Direito Civil – Direito das Famílias. Salvador: Podivm, 2010. p. 226.
[43] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. Op. cit., p. 84.
[44] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da Reparação à diluição dos danos. Op. cit., p. 202.
[45] Paulo Luiz Netto Lôbo diferencia a lesão ao direito da personalidade do possível efeito que esta pode gerar: “De modo mais amplo, os direitos de personalidade oferecem um conjunto de situações definidas pelo sistema jurídico, inatas à pessoa, cuja lesão faz incidir diretamente a pretensão aos danos morais, de modo objetivo e controlável, sem qualquer necessidade de recurso à existência da dor ou do prejuízo. A responsabilidade opera?se pelo simples fato da violação (damnu in re ipsa); assim, verificada a lesão a direito da personalidade, surge a necessidade de reparação do dano moral, não sendo necessária a prova do prejuízo, bastando o nexo de causalidade.” [grifei] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
[46] Anderson Schreiber parece comungar desse entendimento, ao afirmar especificamente sobre o caso de abandono afetivo: “Isto não exclui o dever do autor de demonstrar que tal interesse foi efetivamente afetado, ou seja, que a ausência de sustento, guarda, companhia, criação ou educação afetaram concretamente a formação da sua personalidade.” SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da Reparação à diluição dos danos. Op. cit., p. 182.
[47] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos Morais em Família? Conjugalidade, parentalidade e responsabilidade civil. Op. cit., p. 450.
[48] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Op. cit., p. 132-140.
[49] “Quando, nos chamados casos difíceis, se põe a necessidade de ponderar os interesses conflitantes, quer-se com isso dizer que é cabível examinar, em cada hipótese, a qual princípio deva ser dada prioridade no caso concreto: à liberdade ou à solidariedade?; à integridade psicofísica ou à liberdade?; à igualdade ou à solidariedade: os casos difíceis, no dizer de Paul Ricoeur, constituem um desafio à provação do julgamento reflexivo. O objetivo a ser alcançado, contudo, é único e não admite relativizações.” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade da pessoa humana. Op. cit., p. 120)
[50] Nesse particular, pode ser útil a realização de campanhas direcionadas à população, tais como as atualmente desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça, com vista a esclarecer as pessoas sobre a importância da vivência de uma relação parental, visando reduzir a ocorrência de casos de abandono afetivo, no que outras ciências e outros profissionais podem em muito contribuir.
[51] Obviamente que o mérito do cabimento ou não da reparação variará em cada caso concreto, dependendo do contexto envolvido. Outrossim, também não significa que a recomposição deva ser sempre e apenas financeira, sendo aconselhável averiguar qual a compensação mais indicada para cada situação específica.

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