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Nelson Rosenvald

Nelson Rosenvald

26/10/2015

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Na semana passada dediquei o post ao novo Código Civil da Argentina, numa espécie de inventário sobre o que há de relevante por lá em termos de modelos jurídicos e personalização do direito privado. Pela evidente restrição de espaço, negligenciei um precioso avanço legislativo: trata-se da autonomia progressiva dos adolescentes. Na recém-nascida codificação civil, os adolescentes são aqueles que possuem entre 13 e 18 anos. Estatui o artigo 26, da Lei n. 26.994/2014, que a pessoa menor de idade que conta com suficiente grau de maturidade poderá exercitar pessoalmente atos que sejam permitidos pelo ordenamento, tendo o direito de ser ouvida em todo o processo judicial que lhe seja concernente, assim como a participar das decisões sobre a sua pessoa. Presume-se que o adolescente entre treze e dezesseis anos tenha aptidão para decidir a respeito de tratamentos não invasivos, que não comprometam o seu estado de saúde e provoquem um risco grave a sua integridade física ou a própria vida. Porém, em caso de tratamentos invasivos que comprometam o seu estado de saúde ou ponham em risco a integridade ou a vida, o jovem prestará o seu consentimento com assistência dos pais. Eventual conflito se resolverá tendo em conta o interesse superior, com base na opinião médica respeitante as consequências da realização do ato médico. A partir dos dezesseis anos, o adolescente será considerado como um adulto para as decisões atinentes aos cuidados com o próprio corpo.

A noção de autonomia progressiva no exercício de situações existenciais transcende o estático conceito de capacidade, rigidamente determinado a partir de faixas etárias predeterminadas em abstrato pelo onipotente legislador. Enquanto no Brasil, o Código Civil categoriza o menor de 16 anos de idade como absolutamente incapaz – silenciado pela voz de seu(s) representante(s) -, o novo Código Civil Argentino se vale da dinâmica noção de competência, emanada da bioética. Ao invés do artificialismo do par capacidade/incapacidade, a competência se localiza em cada ato concretamente praticado por uma determinada pessoa humana em fase de desenvolvimento da personalidade, legitimando a sua atuação direta e a consequente responsabilidade nas situações em que o consentimento for suficiente para formar convicção e decisão razoável sobre determinadas questões que digam respeito a sua intimidade. Em respeito à regra de proporcionalidade, criam-se parâmetros objetivos para o estabelecimento de quais pessoas e em quais condições e matérias, a autonomia gradualmente alçará de um mínimo a um máximo espaço de liberdade. Assim, o autogoverno de um menino de 3 anos não é o mesmo que o de um jovem de 14 anos. Da mesma forma, decisões autorreferentes sobre tratamentos anticoncepcionais são bem mais palatáveis que aquelas atinentes à própria sobrevivência de um Testemunha de Jeová.

Em verdade, a idade se converte em apenas mais uma pauta a ser considerada na ponderação, pois prevalecerá o conceito empírico e essencialmente mutável de maturidade suficiente para a prática do concreto ato. Por conseguinte, idades cronologicamente iguais não importarão em capacidades idênticas para os atos da vida civil. Certamente, a real materialização do conceito de autonomia progressiva postula a prévia escuta da criança ou adolescente nas questões que firam os seus atributos existenciais, sendo-lhes concedido um assistente sempre que depoente num conflito de interesses com os seus pais. O Direito à escuta não consiste somente numa garantia processual, porém princípio vetor em todas as matérias que envolvam ou afetem a criança ou adolescente, nos planos judicial, administrativo, familiar e educativo. Enquanto a escuta é uma prerrogativa de qualquer criança – independente do nível efetivo de entendimento -, distinto será o impacto que a escuta terá na posterior tomada de decisão, essa, sim, condicionada à idade e maturidade da pessoa em correspondência ao tipo de questão que se encontra em jogo. Qualquer decisão que se afaste daquilo que o jovem manifestou será submetida a um ônus argumentativo. Por mais que a opinião infantil não se mostre determinante, em função do peso que ela manifesta na formação do conceito do interesse superior da criança, caberá ao magistrado aportar argumentos de peso que justifiquem a manifestação em sentido diverso àquela colhida da pessoa mais interessada na decisão.

Quanto ao Brasil, confesso que incomoda a ausência de regras e parâmetros objetivos que proporcionalizem o dado da gradual conquista da autonomia, que não passa de uma constatação da realidade! No laboratório do legislador, certa noite, dormimos incapazes e, no dia seguinte, despertamos capazes. Mais frustrados ainda nos sentimos, no exato instante do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois, apesar do salto qualitativo em termos de autodeterminação para aqueles que antes eram interditados como indivíduos sem discernimento e privados de suas escolhas existenciais, a Lei 13.146/2015 soa paradoxal ao apresentar o novo rol dos absolutamente incapazes ainda monopolisticamente composto de pessoas menores de 16 anos – como se seres humanos de 13, 14 ou 15 anos fossem completamente inaptos para o estabelecimento de qualquer deliberação moral sem o escrutínio de seus responsáveis.

No mais, o Código Civil Argentino não descobriu a pólvora, mas apenas se espelhou nas diretrizes previstas no art. 12 da
(Nov/1989), prevendo que: “1. Os Estados-partes assegurarão à criança, que for capaz de formar seus próprios pontos de vista, o direito de exprimir suas opiniões livremente sobre todas as matérias atinentes à criança, levando devidamente em conta essas opiniões em função da idade e maturidade da criança. 2. Para esse fim, à criança será, em particular, dada a oportunidade de ser ouvida em qualquer procedimento judicial ou administrativo que lhe diga respeito, diretamente ou através de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais do direito nacional”. Essas diretrizes foram posteriormente especificadas na Opinião Consultiva 17/2002 da Corte interamericana de Direitos Humanos ao interpretar dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) que versam acerca de direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

Pois bem, a referida convenção foi ratificada no Brasil em 1990 e, ao contrário dos argentinos, não fizemos o dever de casa. Sequer o ECA aborda essa temática. Nossa mora legislativa já alcança 25 anos, mas nada impede que, em cada caso levado ao judiciário, o controle de convencionalidade seja levado a sério em prol dos direitos fundamentais das crianças, particularmente o direito de ser ouvido e expressar as suas opiniões e consentimento.


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