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Planos de Manejo e Legalidade

Paulo de Bessa Antunes

Paulo de Bessa Antunes

29/04/2024

Co-autor Dilermando Gomes de Alencar

Este artigo tem por objetivo examinar os planos de manejo (PM) das unidades de conservação e o papel por eles desempenhados Como se sabe, o artigo 225, § 1º, inciso III, da CF é uma importante norma para a conservação e a preservação da biodiversidade. O dispositivo constitucional contém as seguintes normas jurídicas:

Unidades de conservação

O estabelecimento e a identificação das áreas merecedoras de serem transformadas em Unidades de Conservação é a primeira etapa da efetivação da proteção constitucional que, evidentemente, necessita de concretização no terreno. Isto é feito pelos PMs, ato administrativo aprovado pelo ICMBio. Isto porque nem a CF, nem o SNUC, nem os compromissos internacionais subscritos pelo Brasil apontaram em que consistiria materialmente a proteção especial a certo espaço. Na perspectiva da eficácia, portanto, a especial proteção exige uma efetivação, que se dá por meio de integração por ato do poder executivo.

Unidades de Conservação [UC] são áreas especialmente protegidas com o objetivo de promover a proteção do meio ambiente. A lei 9.985/00 estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e definiu o plano de manejo como o “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.” Assim, o plano de manejo é o norte que servirá de orientação para o adequado gerenciamento da UC4, com vistas a permitir que ela cumpra seus objetivos.

Normas do Plano de Manejo

O PM possui um componente chamado normativo no qual regras gerais são propostas pela Autarquia, regras estas que incidem sobre o território da Unidade de Conservação, independentemente da categoria de manejo.

A partir da leitura de vários PMs, propõe-se, de maneira inaugural, a seguinte classificação das normas nele contidas:

– preceitos normativos, previstos no PM, que inovam na ordem jurídica sem lastro em standard em lei ou na CF ou

O primeiro grupo – normas que inovam de maneira primária na ordem jurídica – seria equiparável à lei no que se refere ao grau de novidade no ordenamento jurídico. Excluída a regra inovatória prevista no PM, ela desaparece automaticamente da ordem jurídica, porque existe única e exclusivamente nesse instrumento. É o caso da regra prevista no Parque Nacional de Jericoacoara, que institui a seguinte obrigação:

Ou seja, mesmo que você não tenha feito pesquisa dentro do Parque, mesmo que não tenha contado com subsídios dos servidores do ICMBio – seria o caso de uma pesquisa meramente documental – se desejar escrever sobre o Parque Nacional de Jericoacoara, deverá fornecer uma cópia à administração do Parque. Esta obrigação de fazer, com custos ao cidadão em face da necessidade de impressão de uma cópia do trabalho, existe unicamente no PM do Parque. Tal grupo de normas traz como desafio o princípio da legalidade e a regra geral de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

O segundo grupo é o do feixe de normas aplicáveis à UC com base na teoria do diálogo das fontes. Apesar de serem normas ambientais gerais válidas e já existentes, estas apenas passam a incidir, de forma clara, sobre a UC na medida em que o PM as sistematiza e as torna públicas. Há um exercício prévio de discricionariedade que redunda no complexo normativo aplicável. É o caso das regras de n. 5 e 8 do PM da Área de Proteção Ambiental do Descoberto, que prestigiam a reserva legal e as áreas de preservação permanente:

Tal grupo de normas traz o desafio de compatibilidade na perspectiva da justificativa técnica da escolha e do lastro legal. O SNUC afasta a incidência de normas gerais? Pelo que se observa do comando acima, o ICMBio tem feito a escolha de, mediante discricionariedade, fazer incidir retalhos da legislação geral. Se afasta a norma geral, qual o porquê? Quais os critérios que redundam na aplicação ou na rejeição da legislação ambiental geral? Como fica a segurança jurídica?

Um terceiro grupo de normas, fruto igualmente de discricionariedade, constitui-se de parâmetros técnicos, que não tem força obrigatória, mas passam a tê-la quando da integração às normas do PM. É o caso do PM da APA Costa dos Corais ao abrir a possibilidade de incorporação de critérios técnicos do TAMAR:

Por outro lado, a despeito de a existência de normas ambientais especiais ser um pressuposto para a proteção das UCs, também é certo que o PM, na sua parte normativa, não é e não deve ser um manancial de inovação na ordem jurídica. Apenas haverá inovação no ordenamento quando esta se fizer necessária para cumprir a finalidade para a qual a UC foi criada e desde que haja fundamentação idônea e respeito ao princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, entende-se que as regras do PM devem: a) respeitar a CF e os compromissos internacionais subscritos pelo Brasil; b) possuir fundamentação técnica prévia; c) possuir motivação jurídica prévia; e d) serem capazes de passar pelo crivo da proporcionalidade em sua tríplice dimensão; e) estarem ligadas a alguma particularidade da UC e à especial proteção necessária em decorrência da singularidade; f) não dispor, de forma unilateral, sobre temas legalmente impostos a outros órgãos públicos mas que sombreiam ao exercício da especial proteção das UCs; g) não dispor, de forma alguma, com caráter de inovação sobre matérias estranhas à especial proteção ambiental prevista constitucionalmente; h) respeitar a diferença entre as categorias (proteção integral e uso sustentável).

Nessa perspectiva, qualquer dos três grupos normativos, a partir da classificação que se propôs, deve observar os limites acima apontados.

Autores:

Paulo de Bessa Antunes1

Dilermando Gomes de Alencar2

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NOTAS

1 Professor titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2022 Elisabeth Haub Award for Environmental Law and Diplomacy. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros; ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA.

2 Procurador Federal; mestre em Direito pelo IDP; doutorando em direito pela UNB com tese intitulada plano de O plano de manejo como instrumento de prevenção e de solução de litígios no contexto da gestão de UCs federais

3 Espaços territoriais especialmente protegidos

4Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/226407/a-funcao-dos-planos-de-manejo-nas-unidades-de-conservacao

5Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/unidade-de-conservacao/unidades-de-biomas/marinho/lista-de-ucs/parna-de-jericoacoara/arquivos/copy3_of_encarte_4_PN_de_Jericoacoara_revisto_final.pdf

6 https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/unidade-de-conservacao/unidades-de-biomas/cerrado/lista-de-ucs/apa-da-bacia-do-rio-descoberto/arquivos/apa_bacia_do_rio_descoberto_pm_encartes_12_e_3planodemanejo.pdf

7 https://www.icmbio.gov.br/apacostadoscorais/images/stories/PM_APACC_2021.pdf

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