GENJURÍDICO
metas ESG

32

Ínicio

>

Ambiental

>

Artigos

AMBIENTAL

ARTIGOS

É possível avançar nas metas ESG somente pela transparência?

ESG

Ana Frazão

Ana Frazão

28/08/2023

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou o chamado Anexo ASG (Ambiental, Social e Governança ou ESG em inglês), documento que contém as medidas propostas pela B3 para aumentar a diversidade de gênero e de grupos sub-representados em altos cargos – de diretoria estatutária ou conselho de administração – das companhias listadas.

O objetivo da iniciativa é duplo: (i) incentivar, por meio da transparência, que as companhias elejam ao menos uma mulher e um membro dos grupos sub-representados – pessoas pretas, pardas ou indígenas, integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência – e (ii) atrelar a parte variável da remuneração de diretores e conselheiros ao cumprimento de metas ESG.

Tais objetivos são vistos no contexto maior de tornar mais transparentes as políticas de contratação das companhias listadas. No conjunto, a iniciativa busca criar incentivos para que as companhias se ajustem às metas propostas, embora não estejam obrigadas a tal. Entretanto, passam a ter o dever de declarar publicamente quando não o estejam fazendo, bem como apresentar as respectivas justificativas.

Com isso, institui-se o modelo “pratique-ou-explique” (comply-or-explain), baseado em regulação por indução ou incentivos que, como alternativa ao conhecido modelo comando-controle, pode gerar bons resultados sem tantos custos ou efeitos indesejáveis, além de reforçar a autonomia privada das companhias.

Iniciativa da CVM

Longe de ser uma “jabuticaba”, a iniciativa da CVM segue tendência internacional já trilhada por vários países, tais como Reino Unido, Estados Unidos (Nasdaq Stock Market), Australia, Hong Kong, Japão e Singapura. Embora a maior parte dos países tenha adotado a semelhante estrutura de “pratique-ou-explique”, há países que, como Singapura e Hong Kong, optaram por imputar, de forma cogente, as obrigações de inclusão e diversidade.

Além do referencial estrangeiro, é importante ressaltar que a iniciativa da CVM se justifica diante de uma dura realidade nacional: das 343 companhias listadas que entregaram seus formulários de referência até junho, 55% não tem nenhuma mulher entre os cargos de alta direção e 36% não têm participação feminina no conselho de administração.

Quando se considera o conjunto de dados sobre raça e etnias, o resultado é ainda mais desalentador: das 343 companhias listadas, 304 não têm nenhuma pessoa parda na diretoria e 310 não têm nenhuma pessoa parda no conselho. Se as estatísticas forem feitas a partir dos pretos, a situação piora: eles não ocupam cargos de diretoria estatutária em 336 companhias e não estão nos conselhos de 327.

Trata-se de grave cenário, seja do ponto de vista da inclusão, seja do ponto de vista da rentabilidade das companhias, diante de estudos que mostram a importância da diversidade para a melhor gestão, performance e resultado das companhias. De toda sorte, um dos objetivos prioritários desse tipo de medida é reduzir a assimetria informacional nas questões ESG, a fim de que investidores e consumidores possam orientar, de maneira informada, suas opções de investimentos e aquisição de produtos ou serviços.

Verdade seja dita que não se trata de objetivo fácil. A divulgação de informações não financeiras é repleta de desafios, a começar pela inexistência ou pouca disponibilidade de métricas viáveis ou confiáveis, pela dificuldade de se encontrar referências padronizadas (one size fits all) para os distintos perfis de companhias, pela excessiva subjetividade das informações e pelos riscos do que se chama de green washing ou ethics washing.

Importância da transparência nas metas ESG

Não obstante todos esses riscos, artigo recente de Philipp Krueger e outros mostra resultados financeiros promissores decorrentes da divulgação das informações ESG[1]. Foi essa a conclusão de pesquisa que envolveu 17.680 companhias ao redor de 65 países, aproveitando a experiência dos 35 países que introduziram regras de transparência sobre metas ESG no período de 2002 a 2022.

A ideia do estudo é a de mostrar que as obrigações de transparência em relação a metas ESG trazem efeitos positivos não apenas do ponto de vista social, mas também do ponto de vista econômico, gerando valor para as companhias a partir de parâmetros que podem ser mensurados. Nesse sentido, o resultado da pesquisa converge com pesquisas anteriores que já haviam chegado a conclusões semelhantes no caso da África do Sul e da Índia.

Apesar do otimismo das conclusões de Krueger e outros, é importante destacar as ressalvas e preocupações demonstradas pelos pesquisadores, a começar pelo fato de que as obrigações de transparência dependem do enforcement para que gerem os efeitos positivos pretendidos. Sob essa perspectiva, os autores concluíram que os efeitos benéficos são maiores diante de algumas condições específicas:

  • quando as obrigações de transparência são implementadas por instituições governamentais – e não por entidades como as bolsas de valores;
  • quando as obrigações são impostas coercitivamente (full-compliance) e não com base no “pratique-ou-explique” e
  • quando há a complementação do enforcement formal com o enforcement informal, a partir dos valores e das normas sociais.

Nesse sentido, os autores mostram que as obrigações de transparência impostas por governos aumentam a liquidez das companhias em quase três vezes mais se implementada por governos do que por bolsas de valores. As melhoras são também 40% maiores nos países com full-compliance. De toda sorte, os próprios autores concordam que qualquer forma de transparência é melhor do que nada.

Já no que diz respeito à proposta de atrelar a remuneração variável ao cumprimento das metas ESG, a iniciativa da CVM pretende criar incentivos para modificar a atual estrutura de remuneração de conselheiros e diretores, que, por estar normalmente vinculada apenas a resultados financeiros de curto prazo da companhia, acaba privilegiando o chamado short-termism, ou seja, o retorno a curto prazo para acionistas.

Ocorre que o short-termism pode ser atingido às custas de relevantes externalidades negativas e efeitos socialmente nefastos, assim como às custas do próprio comprometimento da rentabilidade a longo prazo da companhia. Não é raro que o short-termism crie incentivos perversos para fraudes, atos de corrupção, maquiagens contábeis e uma série de outras condutas ilícitas que já são documentadas há bastante tempo.

Daí a importância dos incentivos para que se modifique a própria estrutura de remuneração, sem o que dificilmente haverá mudança substancial na gestão das companhias. Enquanto houver um desalinhamento entre as expectativas de retorno financeiro da companhia e dos administradores e o cumprimento de metas ESG, estas tendem a deixar de ser prioridade.

Por todos os aspectos observados, é promissora a iniciativa da CVM, naquilo em que busca incentivar, por meio da transparência, maior diversidade na gestão as companhias e maior comprometimento com as metas ASG, inclusive por meio de retornos financeiros aos próprios administradores.

Entretanto, é fundamental entender que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que tais normas possam ter a eficácia pretendida, o que certamente dependerá também do enforcement informal. Sob esse aspecto, a iniciativa da CVM pode ser um bom estudo de caso para mapearmos a eficácia de propostas regulatórias baseadas em incentivos e para verificarmos qual será o papel tanto do enforcement formal como do enforcement informal para tais propósitos.

Será também um teste para o capitalismo brasileiro, que apresenta algumas características que podem fazer com que tais incentivos não sejam suficientes para gerar mais inclusão e mais comprometimento da gestão com as metas ESG.

De toda sorte, não se pode negar que se trata de passo importante, cujos próximos desdobramentos precisam ser observados com toda atenção e cuidado pelo regulador, pela academia, pelo mercado e por todos os atores responsáveis pelo enforcement informal.

Fonte: Jota

CLIQUE E CONHEÇA O LIVRO DE ANA FRAZÃO!

Lei de Liberdade Econômica - Análise Crítica: conheça o lançamento


LEIA TAMBÉM


NOTAS

[1] Krueger, Philipp and Sautner, Zacharias and Tang, Dragon Yongjun and Zhong, Rui, The Effects of Mandatory ESG Disclosure Around the World (January 27, 2023). European Corporate Governance Institute – Finance Working Paper No. 754/2021, Swiss Finance Institute Research Paper No. 21-44, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3832745 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3832745

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA