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Licenciamento ambiental e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho

Paulo de Bessa Antunes
23/09/2025
O licenciamento ambiental no Brasil, pelo menos em nível federal, deixou de ser regido por um conjunto labiríntico de normas administrativas, após a edição da Lei 15190/2025. Ela, como não poderia deixar de ser, tem sido objeto de muitas críticas, algumas justificadas; outras nem tanto. Neste artigo pretendo examinar o papel desempenhado pela Consulta Livre Prévia e Informada (CLPI) constante do artigo 6º3 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (Convenção 169) no contexto do licenciamento ambiental. O tema tem suscitado muitas dúvidas e, certamente, é de grande importância4. Como se sabe, há uma grande quantidade de projetos e/ou empreendimentos – em especial na área de infraestrutura – que, de uma forma ou de outra têm marcante interface com povos indígenas e comunidades tradicionais que, em princípio, são os sujeitos da CLPI. Neste ponto, é de se mencionar a discutível constitucionalidade do parágrafo único do artigo 20 da Lei 14701/2023 que dispensa a consulta às comunidades indígenas e/ou ao órgão indigenista no caso de “instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico”.
A Constituição Federal (CF) no § 3º do artigo 231 determina que o “aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.” Logo, está evidente que a Lei Fundamental outorgou às comunidades indígenas afetadas pelo aproveitamento dos recursos hídricos e riquezas minerais em seus territórios, o direito à consulta, “assegurada a participação nos resultados da lavra”.5 Todavia, não se conclui do Texto Constitucional que os povos indígenas possam “vetar” a mencionada exploração. Uma vez que o aproveitamento de recursos hídricos e as atividades minerárias, em princípio, importam em degradação ambiental, o licenciamento é obrigatório.
Identificação dos sujeitos do direito à CLPI
Cabe observar que a Lei 15190/2025 (Lei Geral de Licenciamento Ambiental – LGLA) não faz qualquer menção à Convenção 169, o que não significa o afastamento do acordo internacional do processo de licenciamento ambiental, desde que presentes os pressupostos subjetivos contemplados no artigo 1º da própria Convenção6, i.e., sendo caracterizada a presença de povos indígenas ou tribais na área de influência direta de um projeto ou empreendimento a realização da CLPI se impõe. Aqui, vale consigna que as populações tuteladas pela Convenção 169 não se confundem com as populações rurais em geral. Conforme o texto convencional, há elementos objetivos e subjetivos que, em função de seu caráter normativo, devem ser observados pelo Estado ao aplicar a Convenção.
A Lei 29785 (Peru), Lei do direito à Consulta Prévia aos povos indígenas ou originários, reconhecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)7 define os critérios a serem observados para a identificação dos titulares do direito à CLPI. No Brasil, a FUNAI entende que:
A Convenção não define quem é “indígena” ou “povo indígena” ou “tribal”, mas adota o critério da autoidentificação juntamente com elementos que diferenciam os povos indígenas e tribais sob o ponto de vista social, cultural e histórico.8
Logo, conforme compreensão da própria Fundação Nacional do Povos Indígenas – FUNAI, é necessário, mas não suficiente que uma determinada comunidade de reconheça como indígena ou tribal. O critério de autodefinição soma-se aos “elementos que diferenciam os povos indígenas e tribais”. Portanto, para que um processo de licenciamento ambiental demande a aplicação da Convenção 169, é fundamental que a comunidade humana – ou o seu habitat – potencialmente impactada reúna as condições do artigo 1º da Convenção 169. A identificação de uma comunidade como beneficiária da CLPI é de atribuição exclusiva da autoridade licenciante que, naturalmente, poderá se socorrer de terceiros para o correto desempenho da tarefa. A atribuição não deve ser desempenhada de forma arbitrária, pois na elaboração do Termo de Referência9e 10, elaborado a partir de um Relatório de Caracterização do Empreendimento11 , deverão ser prestadas as informações relativas ao empreendimento e, evidentemente, os dados relativos à sua localização, áreas de influência e impactos sociais, dentre outros elementos. Observe-se que, na elaboração do TR, não há qualquer impedimento para que a autoridade licenciante se utilize de mecanismos de participação pública12 para a definição de seus termos. A medida é altamente recomendável, pois pode evitar que o processo de licenciamento, bem como o exercício de direitos fundamentais, seja prejudicado por um TR pouco abrangente e que desconsidere elementos fundamentais para o licenciamento. Com isto evita-se a insegurança jurídica e desperdício de recursos humanos, financeiros e administrativos.
Autonomia indígena e CLPI
As relações entre os europeus e os diferentes povos indígenas sempre foram ambíguas. Em linhas gerais, e, correndo o risco de reducionismo, [e possível, no entanto, encontrar algumas características comuns, tais como (1) a tentativa de subordinação dos indígenas, (2) a sua “assimilação” na cultura de origem europeia ou mesmo (3) o reconhecimento de sua extinção. Vale recordar que, em 1863, um relatório provincial elaborado pelo governo provincial afirmou que:
Já não existem aqui índios aldeados ou bravios. Das antigas tribos de Tabajaras, Cariris e Pitaguaris, que habitavam a Província, uma parte foi destruída, outra emigrou e o resto constituiu os aldeamentos. É neles que ainda hoje se encontra maior número de descendentes das antigas raças; mas acham-se hoje misturados na massa geral da população. Composta namáxima partepor forasteiros que excedendo-os em número. 13
O fenômeno da “extinção” dos povos indígenas, de certa forma, se fez presente em vários países. O Uruguay talvez seja o exemplo mais acabado como demonstra a declaração de “extinção” dos Charrua que, no entanto, permanecem bem vivos14. Nos Estados Unidos, na década de 1950 do século 20, o Congresso adotou o “Termination Act” medidante o qual foi aprovada uma resolução de deu início à uma política federal de extermínio, por meio da qual tribos indígenas seriam dissolvidas e suas terras vendidas.
Uma política complementar de “realocação” transferiu os indígenas das reservas para áreas urbanas. Por meio dessas políticas, o Departamento de Assuntos Indígenas planejou transferir milhares de indígenas americanos para cidades e empregos urbanos.15
A realidade, no entanto, era bem outra.
A Constituição de 1824 reconhecia aos indígenas a condição de brasileiros16, não dedicando-lhes maior atenção. Foi somente com a Constituição de 1934 que os indígenas mereceram tratamento constitucional específico, ainda que sob inspiração da ideologia integracionista. Com efeito, o artigo 5º, XIX, m estabelecia a competência privativa da União para legislar sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. Esse modo de ver a questão indígena só se modificou com a Constituição de 1988 que consagrou a autodeterminação dos povos indígenas17, encerrando com o regime de tutela até então vigente18.
A autodeterminação constitucional dos povos indígenas corresponde à antiga reivindicação dos povos originários que passam a ter possibilidade jurídica de decidirem sobre os seus destinos, conforme definido no contexto jurídico nacional.
A Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas estabelece que:
Artigo XXI
Direito à autonomia ou à autogovernança
1. Os povos indígenas, no exercício de seu direito à livre determinação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, bem como a dispor de meios para financiar suas funções autônomas.
2. Os povos indígenas têm direito a manter e desenvolver suas próprias instituições indígenas de decisão. Têm também direito de participar da tomada de decisões nas questões que afetam seus direitos. Poderão fazê-lo diretamente ou por meio de seus representantes, de acordo com suas próprias normas, procedimentos e tradições. Têm ainda direito à igualdade de oportunidades de participar plena e efetivamente, como povos, de todas as instituições e foros nacionais, e a eles ter acesso, inclusive os órgãos deliberativos.
No mesmo sentido vai a Declaração das Nações Unidas sobre o Direitos dos Povos Indígenas.
Artigo 4
Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodeterminação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas.
Ao conjunto acima deve ser acrescentado o artigo 7º da Convenção 169 que assegura aos povos indígenas o direito de estabelecer suas próprias prioridades.19 Parece evidente, portanto, que a autodeterminação constitucional dos povos indígenas – ao encerrar o regime de tutela – repercute diretamente na questão da realização da CLPI e do papel que o Estado desempenha no respectivo processo.
Muito embora a Convenção 169 outorgue um relevante papel ao Estado na CLPI, sobretudo em sua organização, este não pode superar o desempenhado pelos próprios indígenas, ou mesmo atrapalhar a realização da CLPI. Há, também, que se considerar, casuisticamente, o nível de organização de cada um dos povos consultados para que se verifique da necessidade de maior ou menor mediação estatal no processo de CLPI.
Audiência Pública e CLPI
Tem sido usual a confusão entre a CLPI e a audiência pública prevista para as hipóteses de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades capazes de causar “significativa degradação“ ambiental.20
A audiência pública (AP) prevista no artigo 3º, V da Lei 15190/2025 é “modalidade de participação no licenciamento ambiental, de forma presencial ou remota, aberta ao público em geral, na qual deve ser apresentado, em linguagem acessível, o conteúdo da proposta em avaliação e dos respectivos estudos, especialmente as características da atividade ou do empreendimento e de suas alternativas, os impactos ambientais e as medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias, com o objetivo de dirimir dúvidas e de recolher críticas e sugestões.” Conforme já tive a oportunidade de me manifestar, “[a] finalidade legal das audiências públicas é assegurar que a comunidade afetada seja ouvida sobre o projeto, manifestando sua opinião, sem caráter deliberativo”21. Entretanto, há que se observar que a AP não pode ser encarada como um mero ato protocolar, sem maiores consequências para o licenciamento ambiental, pois ela “deve ter seus resultados levados em consideração pelo órgão licenciante”22.
Os indígenas, certamente, têm amplo acesso à audiência pública, muito embora ela não deva se confundir com a CLPI.
A participação popular no licenciamento ambiental se dá na forma dos artigos 39/41 da LGLA, sendo a audiência pública obrigatória nos processos de licenciamento ambiental de atividades ou de empreendimentos sujeitos a Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) antes da decisão final sobre a emissão da Licença Prévia (LP). A realização da CLPI é uma etapa não essencial do licenciamento ambiental, haja vista que é levada a efeito por autoridade envolvida23 que não se confunde com a autoridade licenciadora24. No particular, registre-se que a ausência de manifestação da autoridade envolvida no licenciamento ambiental não impede o prosseguimento do processo, nem acarreta nulidade25. A hipótese é de aplicação do § 2º do artigo 42 da Lei 9784/1999 26, apurando-se a responsabilidade pela não elaboração – ou sua elaboração intempestiva – do parecer.
A autoridade envolvida, em princípio, participa do processo de licenciamento ambiental por solicitação da autoridade licenciadora, limitando-se à sua esfera de competência27. A disposição não é inovadora, pois já se encontrava presente na Portaria 60/201528. A norma se justifica por, pelo menos, dois aspectos: (1) se a ausência de manifestação da autoridade envolvida fosse capaz de paralisar o licenciamento ambiental, na prática, o órgão licenciador seria a autoridade envolvida e (2) a CLPI não se confunde com o poder de veto outorgado à comunidade consultada. A esse respeito, julgo conveniente expor o entendimento da FUNAI sobre a CLPI e os seus objetivos:
A consulta é um processo de diálogo, de conversas justas e de boa-fé que garante a participação dos povos diretamente afetados, respeitando suas particularidades culturais, seu jeito e seus planos de vida e de futuro. Não se trata de um evento isolado, mas sim de conhecer as razões de todos os envolvidos, para que os Governos tomem decisões que considerem e respeitem a diversidade cultural.
Nesse processo, cada um deve ceder um pouco, tentando chegar a um acordo, e não dizer simplesmente sim ou não.
Para os indígenas, que historicamente sempre estiveram fora dos processos de tomada de decisão, é uma forma de eles se aproximarem, participarem, influenciarem nas decisões e acompanharem tudo antes que as coisas aconteçam.29
A Instrução Normativa 2/2015 da FUNAI estabelece os procedimentos administrativos a serem observados pela Fundação, quando instada a se manifestar nos processos de licenciamento ambiental federal, estadual e municipal, em razão da existência de impactos socioambientais e culturais aos povos e terras indígenas decorrentes da atividade ou empreendimento objeto do licenciamento. A FUNAI estabelece o termo de referência para que se proceda ao Estudo do Componente Indígena do licenciamento que, em geral, é feito segundo o protocolo de consulta de cada um dos povos indígenas potencialmente afetados por determinados projetos/empreendimentos. Infelizmente, estes procedimentos têm sido confundidos com a CLPI que, como visto acima, é algo mais complexo.
CLPI é uma modalidade de participação popular especificamente voltada para os povos indígenas e tribais. Não há, contudo, impedimento legal para que outras comunidades sejam beneficiadas, desde que fixados critérios legais, prévios ao licenciamento.30
Entretanto, é fácil perceber que a Convenção não estabelece uma sanção para as hipóteses em que a CLPI não tenha sido realizada. Muito embora não haja previsão de uma sanção, parte da jurisprudência interna tem entendido que a ausência da CLPI implica na nulidade do licenciamento ambiental que deverá ser paralisado até que o evento se realize.31 A Lei 9784/1999, em seu artigo 43, estabelece que nas hipóteses nas quais por “disposição de ato normativo devam ser previamente obtidos laudos técnicos de órgãos administrativos e estes não cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes.” Ou seja, caso a autoridade envolvida não realize a CLPI, nada impede que a autoridade licenciante solicite os préstimos de entidade capacitada para fazê-lo, mediante delegação de competência.
Direito de influenciar
Nesta altura, cabe a pergunta: o que esperar como resultado da CLPI? Conforme foi visto acima, não há base legal para a paralisação do licenciamento ou da atividade pela ausência da CLPI, entendimento que, até aqui, é o do Supremo Tribunal Federal.
5. Em que pese as referidas decisões da instância de origem, deve-se ter presente a importância estratégica da Usina Hidrelétrica de Belo Monte para o país, na medida em que a interrupção do seu funcionamento implicaria drásticos prejuízos ao Erário e, por consequência, ao interesse público, uma vez que se encontra em operação desde novembro de 2015. 6. Assim, considerando as consequências que poderão advir da invalidação da licença de funcionamento da usina e a incerteza quanto ao grau de impacto às comunidades indígenas que são afetadas pelo empreendimento, não é o caso de invalidar o licenciamento ambiental, muito menos de paralisar a operação da UHE Belo Monte. 7. Desse modo, essas populações indígenas devem ser compensadas pelos impactos sofridos pela implantação e operação da UH Belo Monte, devendo o Juízo de origem determinar as medidas necessárias para reparação, inclusive econômica, a proteção das comunidades indígenas e do meio ambiente. 8. Agravos Internos a que se nega provimento. (STF. RE 1379751 – ED – Terceiros Agr. 1ª Turma. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Julgamento: 21/02/2024. Publicação: 24/04/2024)
Neste ponto, julgo necessário relembrar que a CLPI não se resume a um ato formal, pois na verdade ela é um processo que se desenvolve desde as fases preliminares de planejamento do empreendimento ou projeto até a sua completa desmobilização, conforme tem sido corretamente interpretado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)32.
É necessário enfatizar que a “consulta não gera, não cria, não transfere, não extingue, nem reconhece direitos, como decorre de ser uma opinião comunitária específica sobre um projeto determinado. Ela serve como um balizamento para a redução e mitigação de impactos sobre as comunidades e, também, para avaliar as compensações, se for o caso.”33
Vetar, como se sabe, é o ato de proibir, impedir ou desautorizar a prática de alguma coisa. Não há, no texto da Convenção 169, nenhum trecho que possa sugerir a outorga de poder de veto às diferentes comunidades titulares do direito à CLPI. Inicialmente, cumpre observar que o artigo 2º, (2)(a) da Convenção determina que os governos assumam a responsabilidade de desenvolver ações com vistas à proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais e a garantia do respeito pela sua integridade. Nesse sentido, tais ações devem incluir medidas que “assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população.” Em tais circunstâncias, há que se observar que a CLPI – como modalidade específica de participação popular na ação administrativa do Estado – não se confunde com o referendo ou o plebiscito (C.F. art. 14, I e II)34.
La Consulta Previa no es un referéndum ni un plebiscito. No se limita a obtener uma respuesta de “sí” o “no”. Es un proceso de diálogo intercultural que exige análisis detallado, respeto por los derechos colectivos y una perspectiva amplia que contemple el interés general de la sociedad ecuatoriana.35
Disto resulta que a CLPI não tem natureza deliberativa, salvo para a comunidade que expressa o seu ponto de vista relativamente a determinado projeto e/ou empreendimento. Explico-me, uma vez que a comunidade tenha deliberado segundo seus próprios costumes e de forma livre, tendo recebido a informação sobre o projeto de forma apropriada, tal deliberação é obrigatória para ela que se obriga com os termos de sua própria decisão. O resultado da CLPI é que servirá de base para a elaboração do acordo entre as partes.36
Inicialmente, é necessário lembrar que o artigo 34 da Convenção 169 estipula que:
Artigo 34
A natureza e o alcance das medidas que sejam adotadas para pôr em efeito a presente Convenção deverão ser determinadas com flexibilidade, levando em conta as condições próprias de cada país.
Portanto, a partir do texto da própria Convenção, resta claro que a aplicação de seus termos se dá de forma casuística e conforme as condições concretas de cada projeto ou empreendimento específico, “levando em conta as condições próprias de cada país”. Logo, a adoção de um critério geral de nulidade do licenciamento ambiental, por falta da realização da CLPI é, com o devido respeito, contrário à letra da Convenção 169.
Dado que o resultado da consulta não tem o condão de vetar a implantação do projeto/empreendimento, parece ser razoável admitir que a sua ausência corresponde a vício sanável e que, portanto, não impede a concessão do licenciamento ambiental.
No caso do Povo Saramaka v. Suriname37 , a Corte IDH relativamente à realização de empreendimentos extrativistas no território Saramaka entendeu que tais empreendimentos sofrem as seguintes restrições:
129 – Neste caso em particular, as restrições em questão correspondem à emissão das concessões para exploração madeireira e mineração de recursos naturais presentes dentro do território Saramaka. Por isso, de acordo com o artigo 1.1 da Convenção, a fim de garantir que as restrições impostas aos Saramakas em relação ao direito à propriedade por meio da emissão de concessões dentro de seu território não impliquem na negação de sua subsistência como povo tribal, o Estado deve cumprir as seguintes três garantias: primeiro, o Estado deve assegurar a participação efetiva dos membros do povo Saramaka, de acordo com seus costumes e tradições, em relação a todo projeto de desenvolvimento, investimento, exploração ou extração (doravante denominado “projeto de desenvolvimento ou de investimento”)124 que seja realizado dentro do território Saramaka. Segundo o Estado deve garantir que os membros do povo Saramaka se beneficiem razoavelmente do projeto realizado dentro de seu território. Terceiro, o Estado deve garantir que não outorgará nenhuma concessão dentro do território Saramaka a menos e até que entidades independentes e tecnicamente capazes, sob a supervisão do Estado, realizem um estudo prévio de impacto social e ambiental. Por meio destas salvaguardas se procura preservar, proteger e garantir a relação especial que os membros do povo Saramaka têm com seu território que, por sua vez, garante sua subsistência como povo tribal.
A CLPI tem por objetivo chegar a um acordo – mediado pelo Estado38 – entre as comunidades titulares do direito a serem consultadas e os diferentes empreendimentos e/ou projetos que estejam projetados. O acordo, naturalmente, pode ser total ou parcial, havendo concessões mútuas, como é da essência dos acordos.
A CLPI, como se viu, é um instrumento fundamental para que se possa colher a opinião das comunidades impactadas pelos projetos e/ou empreendimentos, devendo ser realizada de boa-fé e com vistas alcançar um acordo entre as partes envolvidas.
Conclusão
A análise empreendida ao longo deste artigo demonstra que a CLPI, prevista na Convenção 169 da OIT, constitui um instrumento essencial para assegurar a participação efetiva de povos indígenas e comunidades tradicionais nos processos de licenciamento ambiental. Ainda que não atribua poder de veto às comunidades consultadas, a CLPI fortalece a legitimidade das decisões administrativas, reduz inseguranças jurídicas e amplia a proteção socioambiental, funcionando como um mecanismo de diálogo intercultural e de construção de consensos.
A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a autodeterminação dos povos indígenas, alinha-se à ordem jurídica internacional no reconhecimento do direito dessas comunidades de serem ouvidas. A Lei Geral de Licenciamento Ambiental, mesmo sem mencionar explicitamente a Convenção 169, deve ser interpretada em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, de modo a garantir que a CLPI seja efetivamente considerada sempre que projetos afetarem povos indígenas ou tribais.
Conclui-se, portanto, que a CLPI não é um mero procedimento formal, mas um processo de construção de confiança e de respeito aos direitos fundamentais. Sua ausência, embora não acarrete automaticamente a nulidade do licenciamento, pode comprometer a legitimidade do empreendimento e gerar litígios prolongados. Nesse contexto, a efetiva implementação da CLPI deve ser compreendida como condição para uma governança ambiental democrática, inclusiva e compatível com o desenvolvimento sustentável e com os direitos humanos dos povos originários e tribais.
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NOTAS
1 Professor Titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Vencedor do Prêmio Elisabeth Haub para Direito Ambiental e Diplomacia do ano 2022. Ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA. Ex-presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Advogado e parecerista.
2 Agradeço a leitura e sugestões do amigo Eduardo F. Bim. A responsabilidade pelo texto é exclusivamente minha.
3 Artigo 6° 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
4 Ver: STF ADI 5905.
5 Omissão legislativa verificada, em virtude de quase 37 anos de inércia quanto à edição de leis reclamadas pelos arts. 176, § 1º, e 231, CF. Demonstração da atual impossibilidade de os povos indígenas perceberem quaisquer resultados do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte e outros similares. O direito dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais, o dever de proteção a esse direito e o estabelecimento de mecanismos de reparação por danos decorrentes da exploração de recursos presentes nas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas resultam de um conjunto de normas nacionais e internacionais que devem ser interpretadas com vistas a garantir a dignidade e o melhor nível de preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Incidência da Convenção 169 da OIT e do artigo 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Solução para o caso concreto (Belo Monte): enquanto pendente a lacuna legislativa, assegura-se aos indígenas, como participação nos resultados do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, o recebimento de 100% do valor atualmente repassado à União, na forma do art. 17, § 1º, I da Lei nº 9.648/20, a título de Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH). Possibilidade de formalização de acordos entre povos indígenas, União, Estados, Municípios, empresa responsável e Ministério Público Federal para pagamento em montante superior ao percentual fixado nestes autos. Concessão de eficácia erga omnes (art. 9º da Lei nº 13.300/2016). Outros empreendimentos existentes ou que venham a existir, voltados para o aproveitamento dos potenciais energéticos de recursos hídricos em terras indígenas, geram impactos onde quer que se instalem. Não se trata de situação restrita ao empreendimento, ao rio em questão e aos povos indígenas representados pelas impetrantes. Assim, enquanto pendente a regulamentação tratada nestes autos, as condições específicas para aproveitamento dos potenciais energéticos de recursos hídricos em terras indígenas e a forma de pagamento da participação dos indígenas nos resultados de tal atividade deve seguir a mesma lógica aplicável ao caso Belo Monte. Esta decisão não alcança o cumprimento da Constituição Federal quanto à possível lavra legal de minerais com a participação dos povos indígenas na deliberação e nos resultados. Contudo, sublinho que a ausência de regulamentação dos artigos 176, § 1º, e 231 da Carta Magna favorece o garimpo ilegal, o “narcogarimpo” e a crescente atuação de organizações criminosas, sobretudo na Amazônia. Tais organizações criminosas, vinculadas ou não a poderes locais, operam o financiamento, a logística e a lavagem de dinheiro no garimpo ilegal, pressionando os territórios indígenas permanentemente. Com as práticas atualmente verificadas, os povos indígenas ficam com pesados ônus, sem benefícios, mesmo que alguns se associem ao garimpo ilegal. Tema que também aguarda deliberação legislativa há quase 37 anos, desde a promulgação da Constituição, em 1988. Os recursos devem ser empregados em favor dos povos indígenas, coletivamente considerados, com transparência nos processos decisórios e nas prestações de contas. O suprimento da lacuna por esta Corte não implica, por si só, a autorização para exploração de potenciais energéticos em terras indígenas. A autorização é sempre da União, por meio do poder competente, precedida de autorização do Congresso Nacional, com participação dos povos indígenas, nos termos da Convenção 169 da OIT. Contudo, é fixado o regime de partilha dos resultados com os povos indígenas nos casos já existentes ou que venham a existir. (…) Fixado o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para efetivo suprimento da mora legislativa, com a vigência do regime jurídico ora fixado até que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. [MI 7.490 MC-REF, rel. min. Flávio Dino, j. 25.06.2025, P, DJE de 16.07.2025.]
6 Artigo 1 ° 1. A presente convenção aplica-se: a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial; b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas. 2. A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção. 3. A utilização do termo “povos” na presente Convenção não deverá ser interpretada no sentido de ter implicação alguma no que se refere aos direitos que possam ser conferidos a esse termo no direito internacional.
7Artículo 7. Criterios de identificación de los pueblos indígenas uoriginarios Para identificar a los pueblos indígenas u originarios como sujetos colectivos, se toman en cuenta criterios objetivos y subjetivos. Los criterios objetivos son los siguientes: a) Descendencia directa de las poblaciones originarias del territorio nacional. b) Estilos de vida y vínculos espirituales e históricos con el territorio que tradicionalmente usan u ocupan. c) Instituciones sociales y costumbres propias. d) Patrones culturales y modo de vida distintos a los de otros sectores de la población nacional.El criterio subjetivo se encuentra relacionado con la conciencia del grupocolectivo de poseer una identidad indígena u originaria. Las comunidades campesinas o andinas y las comunidades nativas o pueblos amazónicos pueden ser identificados también como pueblos indígenas u originarios, conforme a los criterios señalados en el presente artículo. Las denominaciones empleadas para designar a los pueblos indígenas u originarios no alteran su naturaleza ni sus derechos colectivos. Acesso: 16/09/2025. https://consultaprevia.cultura.gob.pe/sites/default/files/pi/archivos/Ley%20N°%2029785.pdf
8 YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Lúcia Alberta Andrade de. (Orgs.). A Convenção 169 da OIT e o Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada. – Brasília: Funai/GIZ, 2013, p.7
9 LGLA. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: …. XXIV – Termo de Referência (TR): documento emitido pela autoridade licenciadora, que estabelece o escopo dos estudos a serem apresentados pelo empreendedor no licenciamento ambiental para avaliação dos impactos e, quando couber, dos riscos ambientais decorrentes da atividade ou do empreendimento.
10 LGLA. Art. 28. A autoridade licenciadora deve elaborar TR para o EIA e para os demais estudos ambientais, compatível com as diferentes tipologias de atividades ou de empreendimentos, ouvidas as autoridades envolvidas referidas no inciso III do caput do art. 3º desta Lei, quando couber…. § 6º Poderá ser exigido, mediante justificativa técnica da autoridade licenciadora, o levantamento de dados primários para a caracterização da área de estudo quando não houver dados válidos recentes ou forem insuficientes os dados existentes. § 7º O empreendedor pode indicar a fonte da informação à autoridade licenciadora quando a informação estiver disponibilizada em base de dados oficiais.
11 LGLA. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: …. XXIII – Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE): documento a ser apresentado nas hipóteses previstas nesta Lei, que contém caracterização e informações técnicas sobre a instalação e a operação da atividade ou do empreendimento.
12 LGLA – Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:…. VII – reunião participativa: modalidade de participação no licenciamento ambiental, de forma presencial ou remota, pela qual a autoridade licenciadora solicita contribuições para auxiliá-la na tomada de decisões; VIII – tomada de subsídios técnicos: modalidade de participação presencial ou remota no licenciamento ambiental, pela qual a autoridade licenciadora solicita contribuições técnicas a especialistas convidados, com o objetivo de auxiliá-la na tomada de decisões.
13Xavier, Maico Oliveira. Extintos no discurso oficial, vivos no cenário social [livro eletrônico]: os índios do Ceará no período do império do Brasil – trabalho, terras e identidades indígenas em questão. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2018.
14 DANNEMANN, Victoria. La lucha de pueblos indígenas dados por extintos. Acesso: 17/09/2025. Disponível em: https://www.dw.com/es/pueblos-indígenas-dados-por-extintos-luchamos-por-el-derecho-a-la-existencia/a-59641802.
En los Estados modernos, primero hubo declaraciones de extinción precipitadas y después trataron de invisibilizar, homogeneizar y ciudadanizar a las poblaciones indígenas”, afirma por su parte la antropóloga argentina Claudia Briones, de la Universidad de Río Negro.
“Es la ideología del blanqueamiento y el prejuicio evolucionista: la idea de que si los occidentales cambiamos somos modernos, pero si otros pueblos cambian, pierden su identidad y dejan de ser indígenas”, explica Briones.
151953: Congress seeks to abolish tribes, relocate American Indians. Acesso: 17/09/2025. https://www.nlm.nih.gov/nativevoices/timeline/488.html
16 Art. 6. São Cidadãos Brasileiros I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.
17 CF. Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Lei 14701/2023. Art. 2º São princípios orientadores desta Lei: I – o reconhecimento da organização social, dos costumes, das línguas e das tradições indígenas; II – o respeito às especificidades culturais de cada comunidade indígena e aos respectivos meios de vida, independentemente de seus graus de interação com os demais membros da sociedade; III – a liberdade, especialmente de consciência, de crença e de exercício de qualquer trabalho, profissão ou atividade econômica; IV – a igualdade material; V – a imprescritibilidade, a inalienabilidade e a indisponibilidade dos direitos indígenas.
18 Código Civil. Art. 4 oSão incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: ….Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
19 Artigo 7º I. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-Ios diretamente.
20 CF. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade…
21 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 24ª edição. Barueri: Atlas. 2025, p. 155
22 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 24ª edição. Barueri: Atlas. 2025, p. 157
23 órgão ou entidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, integrante do Sisnama, competente pelo licenciamento ambiental na forma da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que detém o poder decisório e responde pela emissão, renovação, acompanhamento e fiscalização das respectivas licenças ambientais.
24 órgão ou entidade que, nos casos previstos na legislação, pode manifestar-se no licenciamento ambiental acerca dos impactos da atividade ou do empreendimento sobre as terras indígenas ou quilombolas, sobre o patrimônio cultural acautelado ou sobre as unidades de conservação da natureza.
25 LGLA – Art. 43. Observadas as premissas estabelecidas no art. 42 desta Lei, a autoridade licenciadora encaminhará o TR para manifestação da respectiva autoridade envolvida nas seguintes situações: (…) § 1º As autoridades envolvidas têm o prazo máximo de 30 (trinta) dias para se manifestarem sobre o TR, a partir do recebimento de solicitação da autoridade licenciadora, podendo ser prorrogado por 15 (quinze) dias, se devidamente justificado. § 2º A ausência de manifestação da autoridade envolvida nos prazos previstos no § 1º deste artigo não obsta o andamento do licenciamento ambiental nem a expedição do TR definitivo, e o órgão licenciador deve utilizar o termo de referência padrão disponibilizado pela autoridade envolvida.
26 Lei 9784/1999. Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo….. § 2o Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
27 O Estado de Minas Gerais, Decreto 47.383/2018, possui norma singular que condiciona a validade do licenciamento ambiental à manifestação da autoridade envolvida, o que é claramente inconstitucional, haja vista que a autonomia constitucional do estado fica subordinada à manifestação de terceiros.
Art. 26 – Os órgãos e entidades públicas a que se refere o art. 27 da Lei nº 21.972, de 2016, poderão manifestar-se quanto ao objeto do processo de licenciamento ambiental, de maneira não vinculante, no prazo de cento e vinte dias, contados da data em que o empreendedor formalizar, junto aos referidos órgãos e entidades intervenientes, as informações e documentos necessários à avaliação das intervenções. § 1º – A não vinculação a que se refere o caput implica a continuidade e a conclusão da análise do processo de licenciamento ambiental, com a eventual emissão de licença ambiental, após o término do prazo de cento e vinte dias, sem prejuízo das ações de competência dos referidos órgãos e entidades públicas intervenientes em face do empreendedor. § 2º – A licença ambiental emitida não produzirá efeitos até que o empreendedor obtenha a manifestação dos órgãos ou entidades públicas intervenientes, o que deverá estar expresso no certificado de licença. § 3º – Caso as manifestações dos órgãos ou entidades públicas intervenientes importem em alteração no projeto ou em critérios avaliados no licenciamento ambiental, a licença emitida será suspensa e o processo de licenciamento ambiental será encaminhado para nova análise e decisão pela autoridade competente. § 4º – A critério do órgão ambiental licenciador, a manifestação dos órgãos e entidades públicas intervenientes poderá ser exigida como requisito para formalização do processo de licenciamento ambiental ou para seu prosseguimento, hipótese essa em que o empreendedor deverá protocolizar, junto ao órgão licenciador, a decisão do órgão ou entidade pública interveniente, no prazo máximo de trinta dias, contados do recebimento da manifestação. Art. 27 – Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimento de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental licenciador com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – Rima –, o empreendedor fica obrigado a apoiar a implantação e a manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral. Parágrafo único – O órgão ambiental licenciador deverá inserir a obrigação prevista no caput como condicionante do processo de licenciamento ambiental.
28 Art. 7º Os órgãos e entidades envolvidos no licenciamento ambiental deverão apresentar ao IBAMA manifestação conclusiva sobre o estudo ambiental exigido para o licenciamento, nos prazos de até noventa dias, no caso de EIA/RIMA, e de até trinta dias, nos demais casos, contado da data de recebimento da solicitação, considerando: (…) § 4º A ausência de manifestação dos órgãos e entidades no prazo estabelecido não implicará prejuízo ao andamento do processo de licenciamento ambiental, nem para a expedição da respectiva licença.
29 YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Lúcia Alberta Andrade de. (Orgs.). A Convenção 169 da OIT e o Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada. – Brasília: Funai/GIZ, 2013, p. 13
30 Convenção 169. Artigo 1 ° 1. A presente convenção aplica-se: a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial.
31 DIREITOS INDÍGENAS. AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.LICENCIAMENTO AMBIENTAL. CONSULTA PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA COMUNIDADE INDÍGENA. AUSÊNCIA DE INCLUSÃO DO COMPONENTE INDÍGENA NO EIA/RIMA. NULIDADE DO PROCESSO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS1. O direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas impactadas por empreendimentos potencialmente danosos é garantia fundamental assegurada pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição Federal, devendo ser realizada antes da tomada de decisões administrativas. O respeito aos direitos dos povos indígenas, conforme previsto na º Convenção 169 da OIT, deve ser observado em todas as fases do licenciamento ambiental. 2. A ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas impactadas por empreendimentos ambientais configura vício insanável, que conduz à nulidade do licenciamento ambiental. 3. A não inclusão do Estudo do Componente Indígena no EIA/RIMA representa violação aos princípios da precaução e da participação democrática, tornando nulo o processo de licenciamento ambiental desde sua origem. A omissão do Estudo do Componente Indígena no EIA/RIMA desrespeita as exigências legais e compromete a validade do processo de licenciamento ambiental. 4. O órgão licenciador (FEPAM) e o empreendedor (Copelmi Mineração Ltda.) tinham conhecimento da necessidade de consulta prévia e da inclusão do componente indígena, sendo inaceitável a continuidade do
licenciamento sem a devida participação das comunidades afetadas. 5. A suspensão do licenciamento ambiental, determinada na decisão de primeiro grau, constitui medida necessária para garantir a integridade dos direitos indígenas e o cumprimento das normas ambientais aplicáveis. Tribunal Regional Federal da 4ªRegião. Apelação Cível nº 5069057-47.2019.4.04.7100/RS. Relator: Desembargador Federal Marcos Roberto Araújo dos Santos. 12/06/2025
32 166. A obrigação de consultar as comunidades e povos indígenas e tribais sobre toda medida administrativa, ou legislativa, que afete seus direitos reconhecidos na legislação interna e internacional, bem como a obrigação de assegurar os direitos dos povos indígenas de participar das decisões dos assuntos que digam respeito a seus interesses, está em relação direta com a obrigação geral de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção (artigo 1.1)…….Posto que o Estado deve garantir esses direitos de consulta e participação em todas as fases de planejamento e desenvolvimento de um projeto que possa afetar o território sobre o qual se assenta uma comunidade indígena, ou tribal, ou outros direitos essenciais para sua sobrevivência como povo, esses processos de diálogo e busca de acordos devem ser realizados desde as primeiras etapas da elaboração e planejamento da medida proposta, a fim de que os povos indígenas possam participar verdadeiramente e influir no processo de tomada de decisões, em conformidade com as normas internacionais pertinentes […]. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador. Acesso: 16/09/2025. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/dd8acea6c7256808b84889d6499e6aaa.pdf
33 ANTUNES, Paulo de Bessa. Povos indígenas e tribais e a consulta prévia da Convenção 169 da Organização Internacional do trabalho. Indaiatuba: Foco. 2025, p. 117
34 Plebiscito e referendo são consultas ao povo para decidir sobre matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
A principal distinção entre eles é a de que o plebiscito é convocado previamente à criação do ato legislativo ou administrativo que trate do assunto em pauta, e o referendo é convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta.
Ambos estão previstos no art. 14 da Constituição Federal e regulamentados pela Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Essa lei, entre outras coisas, estabelece que, nas questões de relevância nacional e nas previstas no § 3º do art. 18 da Constituição – incorporação, subdivisão ou desmembramento dos estados, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo. Nas demais questões, de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados em conformidade, respectivamente, com a Constituição estadual e com a Lei Orgânica. Tribunal Superior Eleitoral. Acesso: 16/09/2025. https://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/plebiscito-e-referendo
35Consulta previa, libre e informada. Acesso: 16/09/2025. https://www.recursosyenergia.gob.ec/wp-content/uploads/2024/12/Que-es-la-Consulta-Previa.pdf
36 Bolívia. Ley Nº 222, de 10 de Febrero de 2012, Ley de Consulta a los Pueblos Indígenas del Territorio indígena y Parque Nacional Isiboro Sécure –TIPNIS. Artículo 10. (Carácter de los acuerdos de la Consulta). Los acuerdos logrados en el proceso de Consulta son de cumplimiento obligatorio para el Estado Plurinacional y los pueblos indígena originario campesinos Mojeño-Trinitario, Chimane y Yuracaré. Acesso: 16/09/2025. https://sea.gob.bo/digesto/CompendioII/R/196_L_222.pdf
37 Sentença de 28 de setembro de 2007. https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_172_por.pdf
38 187. Cumpre salientar que a obrigação de consultar é responsabilidade do Estado, razão pela qual o planejamento e realização do processo de consulta não é um dever que se possa evitar, delegando-o a uma empresa privada ou a terceiros, muito menos à mesma empresa interessada na extração dos recursos no território da comunidade objeto da consulta. […] 200. A Corte reitera que a busca de um “entendimento” com o Povo Sarayaku, levado a cabo pela empresa CGC, não pode ser entendida como uma consulta de boa-fé, na medida em que não consistiu em um diálogo genuíno como parte de um processo de participação com vistas a alcançar um acordo. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador. Acesso em: 16/09/2025. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/dd8acea6c7256808b84889d6499e6aaa.pdf