
32
Ínicio
>
Administrativo
>
Artigos
>
Constitucional
ADMINISTRATIVO
ARTIGOS
CONSTITUCIONAL
Normas gerais relativas a concursos públicos: Lei 14.965/2024

Maria Sylvia Zanella Di Pietro
21/03/2025
Nos termos do art. 37, II, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
A exigência de concurso público é feita também para ingresso nas carreiras institucionalizadas pela Constituição: para ingresso na Magistratura, no cargo inicial de juiz substituto, o art. 93, I, exige concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases; para ingresso na carreira do Ministério Público, o art. 129, § 3º, faz idêntica exigência; igualmente é exigido concurso público de provas e títulos para ingresso nas classes iniciais da Advocacia-Geral da União (art. 131, § 2º), na carreira de Procurador do Estado (art. 132) e na de Defensor Público (art. 134, § 1º).
Quando a Constituição fala em concurso público, ela está exigindo procedimento aberto a todos os interessados,1ficando vedados os chamados concursos internos, só abertos a quem já pertence ao quadro de pessoal da Administração Pública. Daí não terem mais fundamento algumas formas de provimento, sem concurso público, previstas na legislação ordinária anterior à Constituição de 1988, como a transposição (ou ascensão) e a readmissão.2
A Lei nº 14.965, de 9-9-2024, dispõe sobre as normas gerais relativas a concursos públicos. Nos termos do art. 13, essa Lei “entra em vigor no dia 1º de janeiro do quarto ano após a sua publicação oficial, podendo sua aplicação ser antecipada pelo ato que autorizar a abertura de cada concurso público”. A publicação oficial ocorreu em 10-9-2024.
Ao fazer referência a normas gerais, tanto na ementa como no art. 1º, a Lei deixa clara a intenção de estender os seus efeitos a todos os entes federativos, em afronta à autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, já que não se trata de matéria atribuída à União pela Constituição Federal, entre as competências privativas, previstas no art. 22. Também não se trata da competência concorrente estabelecida no art. 24, que justifique a aplicação do § 1º desse dispositivo, que prevê, em caso de legislação concorrente, a competência da União para estabelecer normas gerais. É cabível, no caso, ação direta de inconstitucionalidade perante o STF, que poderá fazer “interpretação conforme”, sem redução de texto, para excluir do art. 1º o vocábulo “gerais”. A menção ao art. 37, II, contida no art. 1º da Lei não confere validade jurídica à norma, uma vez que a referência à lei, contida nesse dispositivo constitucional, refere-se à lei posta pelo ente federativo competente para legislar sobre a matéria.
Provavelmente por reconhecer a invalidade da norma, o legislador, no art. 13, § 2º, determina que “alternativamente à observância das normas desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem optar por editar normas próprias, observados os princípios constitucionais da administração pública e desta Lei”. Supondo que fosse possível à União estabelecer normas gerais sobre concurso público, a norma do art. 13, § 2º, estaria em desconformidade com o art. 24, §§ 2º e 3º, da Constituição, que somente autorizam os Estados a exercer a competência suplementar sobre a matéria e a exercer a competência plena apenas na hipótese de inexistir lei federal sobre normas gerais. Talvez seja uma forma desajeitada de o legislador federal reconhecer que a Lei nº 14.965, na realidade, não estabelece normas gerais.
A lei submete à sua abrangência, subsidiariamente, os concursos públicos para as carreiras de Advogado da União e Procurador dos Estados e do Distrito Federal (art. 1º, § 2º), mas exclui de sua abrangência os concursos da Magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública, bem como das empresas públicas e sociedades de economia mista que não recebam recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 1º, § 3º). No entanto, o § 4º faculta a aplicação total ou parcial da Lei às hipóteses do art. 1º, § 3º, bem como à contratação de servidores temporários, à admissão de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, à admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros pelas Universidades e a outros não sujeitos à norma do art. 37, II, da Constituição Federal.618 DIREITO ADMINISTRATIVO • Di Pietro
O art. 2º exige que a avaliação leve em conta os conhecimentos, as habilidades, além das competências necessárias ao desempenho com eficiência das atribuições do cargo ou emprego, tal como definição contida no § 1º. O § 2º exige que o concurso compreenda, no mínimo, a avaliação por provas ou provas e títulos (em consonância com o art. 37, II, da Constituição), e permite a realização de curso ou programa de formação, “desde que justificada em razão da natureza das atribuições do cargo e prevista no edital”. O art. 11, caput, reforça o caráter facultativo do curso ou programa de formação, ressalvando a hipótese de haver disposição diversa em lei específica.
Por sua vez, o art. 9º, repetindo a exigência contida no art. 2º, acrescenta que os conhecimentos serão avaliados mediante provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais, que cubram conteúdos gerais ou específicos; as habilidades serão avaliadas mediante elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do cargo ou emprego público, bem como testes físicos compatíveis com suas atividades; e as competências serão avaliadas mediante avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico, conduzido por profissional habilitado nos termos da regulamentação específica. Pelos termos dos arts. 2º, 6º, II, e 9º, a avaliação das competências será exigida “nos casos em que couber”, sem indicar quando ela é cabível. A conclusão possível é a de que a avaliação das competências é cabível quando prevista em lei específica.
Tanto as provas como o curso ou programa de formação podem ser de caráter eliminatório, classificatório ou eliminatório e classificatório (arts. 9º, § 1º, e 11, § 1º).
O art. 7º dá o rol dos elementos que devem constar do edital, cabendo lembrar que esse ato, da mesma forma que ocorre no procedimento da licitação, tem caráter vinculante tanto para a Administração Pública como para os candidatos.
O art. 12 repete preceito contido na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ao determinar que “a decisão controladora ou judicial que, com base em valores jurídicos abstratos, impugnar tipo de prova ou critério de avaliação previsto no edital do concurso público deverá considerar as consequências práticas da medida, especialmente em função dos conhecimentos, das habilidades e das competências necessários ao desempenho das atribuições do cargo ou emprego público, em observância ao caput do art. 20 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942)”.
Quer saber mais?

LEIA TAMBÉM
- Licitação: sobrepreço, superfaturamento e preços inexequíveis
- Licitações e contratos administrativos: saiba tudo sobre o livro
- Livro-lido: Estrutura Geral da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
NOTAS
1 O STF aprovou duas súmulas que evitam restrições infundadas à participação do candidato a concurso público: pela Súmula nº 684, “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”; e pela Súmula nº 686, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.
2 V. item 13.5 do livro Di Pietro, Direito Administrativo, 38ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, sobre provimento.