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Licitação: sobrepreço, superfaturamento e preços inexequíveis

LICITAÇÃO

MANUAL DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Maria Sylvia Zanella Di Pietro

10/01/2025

A vantajosidade, guiada pela lógica do custo-benefício dinâmico, é complementada por outro objetivo do processo licitatório: “evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos”. Essas longas palavras podem ser sumarizadas em comando mais sucinto: a “precificação adequada”, conceito cujo entendimento impõe que se resgatem definições fundamentais.

O art. 6º, inciso LVI, trata o sobrepreço como um preço apresentado no processo de contratação “em valor expressivamente maior aos preços referenciais de mercado”. Para se chegar a essa conclusão, leva-se em conta ou o valor de um item, em caso de contratação por preço unitário, ou o valor global do objeto, em contratação por tarefa, empreitada por preço global, empreitada integral, semi-integrada ou integrada.

A expressão “preço referencial de mercado” exige atenção. Os mercados privados não se confundem com mercados públicos. O balanço dos riscos é distinto em cada um deles. Não se está afirmando, aqui, que os riscos dos mercados públicos sejam necessariamente maiores ou menores que os privados em todas as situações, pois afirmação do gênero dependeria de exame concreto e muita empiria. Ainda assim, é fato que o regime público de contratação é diferenciado, quer por passar pela licitação, quer por envolver mais burocracia, quer por prever poderes exorbitantes em favor do Estado, como o de alterar unilateralmente o contrato ou de afastar parcialmente a exceptio non adimpleti contractus. Esses vários fatores alteram os riscos de contratação e, por si só, impedem que se exija, de um mesmo fornecedor, por um mesmo serviço ou bem, preço idêntico para contratar com o Estado ou para contratar com outros particulares. A mensagem é simples: conquanto certo preço ofertado ao Estado supere o preço no mercado privado, isso não bastará para se confirmar sobrepreço. Se os mercados são distintos, não é possível tomá-los como idênticos, como mesma referência.

Diferentemente do sobrepreço, conceito financeiro restrito ao valor apresentado na licitação, o superfaturamento é definido pelo art. 6º, inciso LVII, como:

“dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por: 

a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas; 

b) deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia que resulte em diminuição da sua qualidade, vida útil ou segurança; 

c) alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado; 

d) outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços.”

Essa definição revela que o superfaturamento equivale a um pagamento a maior e indevido para o contratado, gerando seu enriquecimento ilícito. Isso resulta não de um preço exagerado na licitação (sobrepreço), mas de estratégias comportamentais da pessoa contratada pela Administração, como entregar menos do que vendeu, inventar causas para prorrogar o contrato para receber parcelas adicionais de pagamento e executar o objeto com material mais barato que o pactuado. O superfaturamento não decorre de vícios do preço contido na proposta comercial durante o certame, mas sim de comportamentos praticados ao longo da execução contratual e que elevam indevidamente o pagamento, como a adulteração de qualidade ou de quantidade, a alteração indevida de prazos, de índices de reajuste etc. A lei não é exaustiva na matéria, isto é, o rol de comportamentos gerados de superfaturamento é meramente exemplificativo.

Tanto por sobrepreço, quanto por superfaturamento, a precificação é elevada e se torna inadequada diante daquilo que a Administração Pública contrata para satisfazer suas necessidades. No entanto, existe um terceiro problema de precificação, que consiste na indicação, durante a licitação, de valor irrisório ou menor que o necessário para se executar a obrigação nos parâmetros esperados. A tal respeito, o art. 59, § 2º e § 4º prevê a desclassificação de propostas com preços inexequíveis, além de permitir que a Administração realize diligências para confirmar essa situação. No caso de obras e serviços de engenharia, qualquer preço inferior a 75% do orçado será automaticamente reputado inexequível.

Surge aqui uma indagação frequente: por que um licitante cobraria menos que o necessário? A justificativas para essa ocorrência são das mais diversas ordens, mas nem sempre são mal-intencionadas.

Em primeiro lugar, é possível que o licitante calcule incorretamente os custos que assumirá com a contratação. A inexequibilidade decorre da sua imperícia, de falhas de previsão, de falta de experiência em contratos públicos. Essa causa é decerto mais comum entre microempresas, que sofrem de maior fragilidade técnica e humana, pois nem sempre contam com o apoio necessário para lidar com a complexidade da contratação administrativa.

Em segundo lugar, é concebível que o licitante reduza seu preço passionalmente, ou seja, por se envolver psicologicamente na disputa de modo tão intenso a ponto de comprometer sua racionalidade econômica, O licitante, obcecado por vencer, passa a fazer lances e propostas que, se vencedoras do certame, serão incapazes de sustentar suas atividades ao longo da execução do contrato. Isso tende a ocorrer em pregões e leilões, em que a exigência de lances reduz o tempo de reflexão e cálculo.

Em terceiro lugar, há agentes que intencionalmente baixam seu preço para arruinar concorrentes. Entra em cena o conhecido “preço predatório”, o preço menor que o custo, mas praticado com o objetivo de inviabilizar a sobrevivência dos competidores no mercado relevante. Essa estratégia funciona, porque muitos consumidores se orientam somente pelo preço, como a própria Administração Pública em certas licitações. Funciona, ainda, porque o predador terá caminhos futuros para compensar seus prejuízos. Poderá, de um lado, superfaturar o contrato pelas técnicas já mencionadas ou, de outro, tão logo tenha destruído seus concorrentes e assumido o posto de monopolista, poderá elevar seus preços nas contratações futuras com o objetivo de receber aquilo que deixou de ganhar no passado.

Todos esses fatores revelam que o legislador agiu bem não somente ao combater o sobrepreço na licitação e as estratégias de superfaturamento ao longo do contrato administrativo, como também ao vedar a contratação por preços inexequíveis – expediente que, além de colocar em jogo a execução contratual, poderá deflagrar efeitos devastadores para a boa concorrência nos variados mercados públicos. Combater o preço inexequível e o sobrepreço, ao longo da licitação, e atacar o superfaturamento durante o contrato são técnicas que se unem em favor da precificação adequada.

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