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Mandatos sucessivos com interrupção: prescrição da ação de improbidade
José dos Santos Carvalho Filho
10/12/2015
A Lei 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição da pretensão na hipótese de mandato, cargo em comissão ou função de confiança, iniciando-se a contagem do prazo prescricional após o término do exercício de tais funções (art. 23, I).
A lei, entretanto, nada dispôs sobre a ocorrência de mandatos sucessivos ou do exercício também sucessivo em cargos em comissão ou funções de confiança. A questão não é simplesmente acadêmica, mas, ao contrário, produz efeitos no plano concreto. Se um deputado, por exemplo, comete ato de improbidade no primeiro mandato e é reeleito, como seria a contagem do prazo prescricional? Contar-se-ia a partir do término do primeiro mandato, dentro de cuja legislatura foi cometida a improbidade, ou a contagem seria iniciada ao fim do segundo mandato?
Em obra que escrevemos sobre os prazos extintivos na ação de improbidade, sustentamos que a prescrição deveria ter o início da contagem a partir do término do exercício do segundo (ou último) mandato. Para tanto, alinhamos dois fundamentos. O primeiro consiste em evitar que o mandatário, no mandato subsequente, empregue seu poder para frustrar a ação e dar ensejo à prescrição. Segue-se, ainda, que a lei aludiu ao exercício do mandato, e não ao mandato em si; desse modo, havendo sucessão, o mandatário prosseguirá no exercício do mandato e só o finalizará quanto terminar o segundo mandato, de onde se infere que o prazo prescricional só terá início a partir desse momento[1].
A jurisprudência tem abonado essa interpretação. O STJ, tratando da questão, decidiu “no sentido de se contar o prazo prescricional previsto no art. 23, I, da Lei 8.429/1992, nos casos de reeleição, a partir do encerramento do segundo mandato, considerando a cessação do vínculo do agente ímprobo com a Administração Pública”[2]. Entre os estudiosos, também há os que adotam o mesmo entendimento[3].
Não obstante, ressalvamos que “o desfecho acima só se revela adequado quando o exercício dos mandatos ou das investiduras a termo é sucessivo, ou seja, sem solução de continuidade” (grifos do original)[4]. Havendo interrupção, os fundamentos apontados para a interpretação acima ficariam em tese afastados. A contagem, então, teria que fazer-se a partir do término de cada mandato.
Ocorre que o mesmo STJ ampliou ainda mais a interpretação do art. 23, I, da Lei de Improbidade. Certo prefeito exerceu seu mandato no período de 2001 a 2004. Foi reeleito, mas não chegou a ocupar o cargo em virtude da cassação de sua candidatura processada pela Justiça Eleitoral, vindo a assumir interinamente a Chefia do Executivo o Presidente da Câmara Municipal, que ficou no cargo entre janeiro de 2005 até fevereiro de 2006. Nesse ínterim, também por decisão do Judiciário, foi renovada a eleição e, ocorrendo esta em janeiro de 2006, o ex-prefeito foi reeleito, tomando posse em fevereiro de 2006. Confrontando os períodos, constata-se que o afastamento perdurou por mais de um ano.
A Corte federal, julgando recurso especial interposto pelo ex-prefeito, negou provimento ao recurso, invocando a seguinte linha interpretativa: “Reeleição pressupõe mandatos consecutivos. A legislatura corresponde a um período, atualmente, em caso de prefeitos, de quatro anos. O fato de o Presidente da Câmara Municipal ter assumido provisoriamente, conforme determinação da Justiça Eleitoral, até que fosse providenciada nova eleição, não descaracterizou a legislatura, esta correspondente ao período de 01 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2008”[5].
Em nosso entender, a Corte, concessa venia, não decidiu em conformidade com a norma da Lei de Improbidade.
O art. 23, I, da LIA, deixa bem claro que a contagem do prazo prescricional se inicia com o término do exercício do mandato, cargo em comissão ou função de confiança. No caso em tela, o prefeito concluiu o primeiro mandato, mas sequer deu continuidade à função, já que a Justiça Eleitoral, ao cassar o registro de sua candidatura, deu posse ao vereador que ocupava o cargo de Presidente da Câmara Municipal.
Até que tomasse posse do segundo mandato, para o qual havia sido reeleito, transcorreu o período de mais de ano, época em que se deslindou a controvérsia eleitoral. Processada nova eleição, o ex-prefeito foi eleito mais uma vez, dando início, então, ao exercício nesse segundo mandato. Evidenciou-se, como se pode anotar, a falta de continuidade, de modo que não parece razoável interpretar que tenha havido mandatos sucessivos para o fim de contagem do prazo prescricional.
A continuidade no exercício das funções sucessivas é fundamental para a interpretação sobre a contagem da prescrição. A propósito, consignamos em nosso trabalho já citado: “Por conseguinte, se o Deputado exerce seu mandato, nele praticando ato de improbidade, e fica sem mandato na legislatura seguinte, vindo a reeleger-se somente na próxima, a contagem ocorrerá ao fim do primeiro mandato. A sucessão aqui não é contínua e espelha duas situações autônomas, exigindo soluções próprias para cada uma delas”[6].
A hipótese decidida pelo STJ tem a mesma fisionomia, dado o tempo decorrido entre o fim do exercício do primeiro mandato e o começo do exercício do segundo. Houve evidente solução de continuidade, não podendo os dois períodos ser contados como se fossem uma só unidade. O Tribunal considerou mais relevante o fato de ser uma segunda legislatura, mas esse fator não tem consistência para a correta interpretação. Embora seja a legislatura subsequente, o ex-prefeito levou mais de um ano para ocupar novamente a Chefia do Executivo. Sendo assim, é imperioso considerar autônomos os períodos de exercício.
Impõe-se uma derradeira observação. Diante da lacuna da lei, o fundamento que doutrina e jurisprudência invocam, no caso de sucessividade, para a contagem ser iniciada após o último mandato ou função, qual seja, a possibilidade de o agente usar sua influência para postergar a propositura da ação, ensejando a ocorrência da prescrição quinquenal, fica nitidamente descartado quando há solução de continuidade, como ocorreu na questão decidida pelo STJ. Parece muito pouco provável que a zona de influência possa perdurar se a interrupção é superior a um ano.
A melhor solução para a referida ação, em nosso entender, teria sido a de considerar-se o início da contagem da prescrição a partir do término do exercício do primeiro mandato.
[1] JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Improbidade administrativa. Prescrição e outros prazos extintivos, Atlas/GEN, 2012, pp. 127/128.
[2] STJ, REsp 1.290.824, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 19.11.2013.
[3] WALDO FAZZIO JUNIOR, Improbidade administrativa, Atlas/GEN, 2ª ed., 2014, p. 472.
[4] Ob. cit., p. 128.
[5] STJ, REsp 1.414.787, Rel. Min Humberto Martins, j. 6.10.2015.
[6] JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Improbidade cit., p. 128.
Veja também:
- Eficácia repressiva da improbidade administrativa nas esferas penal e cível
- Contas públicas em tempos de crise
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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