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Licitação nas PPPs: Questões Relevantes
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIV
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONCESSÕES E TERCEIRO SETOR
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE RESULTADOS
DEMOCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
28/10/2014
1. Introdução
O presente estudo tem por objetivo abordar as principais características e polêmicas das licitações para contratação de Parcerias Público-Privadas (PPPs), previstas na Lei nº 11.079/2004.
Na primeira parte, pretende-se demonstrar o fenômeno da fragmentação normativa da licitação pública, com a promulgação de diversos diplomas legais sobre o tema, criando sistemas próprios de licitações, incluindo o tratamento especial conferido pela Lei das PPPs, que convivem com a tradicional Lei nº 8.666/1993. Em seguida, o trabalho apresentará o panorama geral das PPPs, com destaque para sua origem, fontes normativas e modalidades. Na parte final, o estudo analisará as peculiaridades e polêmicas das licitações para contratação de PPPs.
2. A fragmentação normativa e as tendências nas licitações e nas compras governamentais
O regime tradicional de licitações e contratações públicas, previsto na Lei nº 8.666/1993, que substituiu o Decreto-Lei nº 2.300/1986, caracteriza-se pelo excesso de formalismos procedimentais com o intuito de reduzir a discricionariedade do Administrador e ampliar os mecanismos de controle.
Todavia, as formalidades procedimentais não foram suficientes para garantia da eficiência administrativa e diminuição da corrupção nas compras governamentais.
Ao revés, a instituição do procedimento licitatório burocrático trouxe uma série de consequências indesejáveis para as contratações da Administração Pública, tais como a onerosidade e a morosidade do procedimento.
A busca pela eficiência e pela transparência, além de outros objetivos constitucionais inerentes ao Direito Administrativo contemporâneo, demonstra a necessidade de mudanças nas regras aplicáveis às licitações e às compras governamentais, especialmente a melhoria da qualidade dos resultados no relacionamento entre os setores públicos e privados.
No entanto, verifica-se um “custo político” na alteração formal da Lei nº 8.666/1993, mistificada como símbolo da moralidade administrativa; não obstante, os inúmeros exemplos concretos demonstrarem a sua insuficiência.[1]
Em consequência, o legislador optou por alterar o regime de contratações administrativas de forma setorial, sem modificar diretamente a Lei nº 8.666/1993. Assim ocorreu com a criação da modalidade pregão (Lei nº 10.520/2002), com a instituição do Sistema de Registro de Preços (Decreto nº 3.931/2001), com as normas relativas às licitações sustentáveis (Instrução Normativa nº 01/2010, expedida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), com o novo regramento para licitações de publicidade (Lei nº 12.232/2010), com estipulação de tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte que participam de licitações públicas (LC nº 123/1996), entre tantos outros exemplos.
Nesse cenário, destacam-se as peculiaridades do regime de licitações para contratação de PPPs, previstas na Lei nº 11.079/2004, que representam, em grande medida, as tendências das licitações já consagradas em outros diplomas legais, tais como a elaboração dos projetos, básico e executivo, pelos contratados; a inversão das fases de habilitação e julgamento; a submissão da minuta de edital à consulta pública etc.
3. Parcerias Público-Privadas (PPPs): origem, fontes normativas e modalidades
As PPPs representam, em síntese, um novo modelo de concessão de serviços públicos e administrativos, com regime jurídico especial, que pretende fomentar a formalização de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada em grandes contratações públicas.[2]
O regime jurídico das PPPs encontra-se delimitado na Lei nº 11.079/2004, que estabelece normas gerais aplicáveis a todos os entes da Federação, na forma do art. 22, XXVII, da CRFB, além de algumas normas específicas direcionadas exclusivamente à Administração Federal (arts. 14 a 22).[3]
Com ampla utilização no direito comparado,[4] a inserção do novo modelo de concessões (PPPs), ao lado do modelo tradicional previsto na Lei nº 8.987/2005 e da legislação correlata, pode ser justificada por diversos fatores, especialmente: a) limitação da capacidade de investimento pelo Poder Público na prestação direta dos serviços públicos e na solução dos “gargalos” de infraestrutura, em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000); b) necessidade de atração do investidor privado para prestação de serviços públicos não autossustentáveis, que exigem investimentos de grande vulto ou são prestados sem contraprestação pecuniária do usuário, com a institucionalização de novas garantias, diluição de riscos do investidor e outros mecanismos jurídicos não encontrados na legislação tradicional de concessões; c) busca por maior eficiência na prestação dos serviços públicos com a valorização da iniciativa privada (princípio da subsidiariedade).
Em relação às “novidades” consagradas na Lei nº 11.079/2004, destacam-se, exemplificativamente: a) valor mínimo do contrato: valor igual ou superior a vinte milhões de reais (art. 2º, § 4º, I); b) prazo de vigência não inferior a 5 nem superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação (arts. 2º, § 4º, II, e 5º, I); c) repartição de riscos entre o parceiro público e o parceiro privado, inclusive os relativos a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária (arts. 4º, VI, e 5º, III); d) compartilhamento com o Poder Público de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado (art. 5º, IX); e) remuneração variável pelo parceiro público ao parceiro privado vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato (art. 6º, § 1º); f) remuneração pelo parceiro público ao parceiro privado somente após a disponibilização do serviço (art. 7º); g) garantias diferenciadas de adimplemento das obrigações financeiras pelo parceiro público relativo ao parceiro privado, com destaque para o fundo garantidor, Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP (arts. 8º e 16).
As Parcerias Público-Privadas são divididas em duas espécies, assim conceituadas pela Lei nº 11.079/2004, art. 2.º: a) PPP patrocinada (§ 1.º): “é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.” (grifo nosso); e b) PPP administrativa (§ 2.º): “é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.” (grifo nosso).
Em suma, as PPPs podem ser: a) PPP patrocinada: envolve a prestação de serviços públicos e a remuneração por meio de tarifas, além da contraprestação pecuniária por parte da Administração (ex.: exploração de rodovias pelo parceiro privado com remuneração por meio de tarifa e contraprestação pecuniária do Estado); b) PPP administrativa de serviços públicos: tem por objeto a execução de serviços públicos (a Administração é a “usuária indireta” e a coletividade é a “usuária direta”) que serão remunerados integralmente pelo Poder Público (ex.: serviço de coleta de lixo domiciliar, sem contraprestação específica dos usuários); e c) PPP administrativa de serviços administrativos: envolve a prestação de serviços privados ao Estado (a Administração será a “usuária direta” e a coletividade a “usuária indireta”) com remuneração integralmente assumida pelo Estado, sem cobrança de tarifa (ex.: serviço de “hotelaria” em presídios, construção e operação de uma rede de creches ou restaurantes para servidores públicos, construção e gestão de arenas esportivas etc.).
4. As peculiaridades novidades das licitações para contratação de Parcerias Público-Privadas (PPPs)
As licitações para contratação de PPPs, reguladas pela Lei nº 11.079/2004, com aplicação subsidiária das Leis nos 8.987/1995, 9.074/1995 e 8.666/1993, apresentam peculiaridades em relação às licitações para concessão de serviços públicos comuns que serão destacadas a seguir.[5]
4.1. Projetos básico e executivo: elaboração por entidades privadas e participação na licitação
O primeiro ponto que merece destaque nas licitações para contratação de PPP refere-se à responsabilidade pela elaboração dos projetos básico e executivo.
Tradicionalmente, a realização de obras e a prestação de serviços pressupõem a elaboração do “projeto básico” (art. 6º, IX, da Lei nº 8.666/1993)[6] e do “projeto executivo” (art. 6º, X, da Lei nº 8.666/1993)[7] que devem estabelecer, de maneira clara e precisa, todos os aspectos técnicos e econômicos do objeto a ser contratado, tendo em vista o dever de planejamento estatal.[8]
As licitações para contratação de obras e serviços dependem, entre outras exigências, da elaboração do projeto básico que deve ser aprovado pela autoridade competente e disponibilizado para consulta dos interessados em participar do processo licitatório (art. 7º, § 2º, I, da Lei nº 8.666/1993). Ressalte-se, contudo, que a licitação pode ser iniciada sem a elaboração prévia do projeto executivo, desde que haja decisão motivada por parte da autoridade administrativa, hipótese em que o projeto deverá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e dos serviços (art. 7º, § 1º, e 9º, § 2º, da Lei nº 8.666/1993).
Não podem participar da licitação para contratação de obras e serviços (art. 9º, I e II, da Lei nº 8.666/1993): a) os autores do projeto básico ou executivo;[9] e b) as empresas responsáveis pela elaboração do projeto básico ou executivo, ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista, detentor de mais de 5% do capital com direito a voto, controlador, responsável técnico ou subcontratado.[10]
No tocante às licitações para celebração de PPPs administrativas, o art. 3º da Lei nº 11.079/2004 determina a aplicação do art. 31 da Lei nº 9.074/1995, que admite a participação, direta ou indireta, dos autores ou responsáveis pelos projetos, básico ou executivo, nas licitações e na execução das obras ou dos serviços.[11] A norma em comento também é aplicável às PPPs patrocinadas, tendo em vista o disposto no art. 3º, § 1º, da Lei nº 11.079/2004, que prevê a aplicação subsidiária da Lei nº 8.987/1995, e a legislação correlata, incluindo, portanto, a Lei nº 9.074/1995 que dispõe sobre normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos.
É oportuno registrar que o inciso II do art. 11 da Lei nº 11.079/2004, que permitia atribuir ao contratado a responsabilidade pela elaboração dos projetos executivos das obras, foi vetado pelo Chefe do Executivo sob o argumento de que a referida atribuição deveria englobar também a elaboração dos projetos básicos.[12]
O intuito é permitir que o particular contribua com a sua expertise para a elaboração do caminho que será utilizado para prestação do serviço, garantindo maior eficiência à parceria.
Vale ressaltar que, nas concessões tradicionais de serviços públicos e nas PPPs, quando o projeto envolver a execução de obras, a Administração Pública não é obrigada a elaborar o projeto básico, o que não afasta a obrigatoriedade de definir os “elementos do projeto básico que permitam sua plena caracterização” (art. 18, XV, da Lei nº 8.987/1995).[13]
Verifica-se, destarte, que o legislador admitiu que os projetos básico e executivo fossem elaborados pelos concessionários/parceiros privados, devendo ser afastadas das PPPs as vedações constantes do art. 9º, I e II, da Lei nº 8.666/1993.[14] Aliás, a elaboração dos projetos mencionados pelo particular interessado na contratação também foi admitida pelo denominado “Regime Diferenciado de Contratações Públicas” (RDC).[15]
4.2. Justificativa para formatação da PPP
O Estado pode realizar obras e prestar serviços públicos, diretamente, por meio de seus agentes públicos ou, indiretamente, com a formatação de parcerias (em sentido amplo) com os particulares (ex.: contratos administrativos de obras e serviços – Lei nº 8.666/1993, concessões comuns de serviços públicos simples ou precedidas de obras públicas – Lei nº 8.987/1995, PPPs patrocinada ou administrativa – Lei nº 11.079/2004). A escolha do meio mais adequado para satisfação do interesse público depende da ponderação de uma série de fatores, tais como: risco do negócio, necessidade de financiamento público, capacidade de endividamento público, potencial interesse de investidores privados na execução do projeto etc.
No caso das PPPs, sua utilização depende da elaboração de estudo técnico que demonstre a conveniência e a oportunidade da contratação, com a identificação das respectivas razões que justifiquem a utilização desse modelo (art. 10, I, “a”, da Lei nº 11.079/2004).[16]
A apresentação das razões que justificam a utilização da PPP, em detrimento de outras formas de parceria, especialmente a concessão comum, pode ser explicada pelo fato de que a parceria envolve contribuições pecuniárias por parte do Poder Público, o que não ocorre, em regra, no modelo tradicional de concessão.
4.3. PPP e responsabilidade fiscal
A responsabilidade fiscal é uma diretriz para celebração e execução das PPPs, na forma do art. 4º, IV, da Lei nº 11.079/2004.[17]
A necessidade de responsabilidade fiscal nas contratações públicas não representa novidade, pois se trata de exigência contida na Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF). No caso dos contratos de PPPs, todavia, o legislador consagrou exigências mais intensas no tocante à responsabilidade fiscal, notadamente pelo fato dessas contratações envolverem contraprestações orçamentárias vultosas por grande período de tempo, ultrapassando, inclusive, os limites temporais do Plano Plurianual.
Em síntese, as principais exigências de caráter fiscal que deverão ser adimplidas pelo Poder Público, no momento de instaurar o procedimento licitatório para celebração de PPP, são:
a) realização da licitação depende da elaboração de estudo técnico que demonstre: a.1) que as despesas criadas ou aumentadas não afetarão as metas de resultados fiscais previstas no Anexo referido no art. 4º, 1º, da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (art. 10, I, “b”, da Lei nº 11.079/1904); e a.2) quando for o caso, conforme as normas editadas na forma do art. 25 da Lei de PPP, a observância dos limites e das condições decorrentes da aplicação dos arts. 29, 30 e 32 da LRF, pelas obrigações contraídas pela Administração Pública relativas ao objeto do contrato (art. 10, I, “c” da Lei nº 11.079/2004).[18] O estudo técnico deverá apontar as premissas e a metodologia de cálculo utilizadas, observadas as normas gerais para consolidação das contas públicas, sem prejuízo do exame de compatibilidade das despesas com as demais normas do plano plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 10, § 1º, da Lei nº 11.079/2004).
b) elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria público-privada (art. 10, II, da Lei nº 11.079/2004);
c) declaração do ordenador da despesa de que as obrigações contraídas pela Administração Pública no decorrer do contrato são compatíveis com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e estão previstas na Lei Orçamentária Anual, assim como seu objeto, que se encontra previsto no plano plurianual (PPA) em vigor (art. 167, § 1º, da CRFB e art. 10, III e V, da Lei nº 11.079/2004); e
d) estimativa do fluxo de recursos públicos suficientes para o cumprimento, durante a vigência do contrato e por exercício financeiro, das obrigações contraídas pela Administração Pública.
A referida exigência é importante para o cumprimento dos limites fixados nos arts. 22 e 28 da Lei nº 11.079/2004.[19] Os limites previstos no caput do art. 28 da Lei das PPPs aplicam-se à Administração Pública Direta (União, Estados, Distrito Federal e Município) e Indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais de direito público e de direito privado, bem como entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público), excluídas as empresas estatais não dependentes (art. 28, § 2º, da Lei nº 11.079/2004).[20] Ademais, as contraprestações estatais não pecuniárias, previstas no art. 6º da Lei nº 11.079/2004 (ex.: outorga de direitos em face da Administração Pública, outorga de direitos sobre bens públicos dominicais), não estão incluídas no limite de 5% da receita corrente líquida previsto no art. 28 da mesma Lei.[21]
Por fim, quando o contrato de PPP for assinado em exercício diverso daquele em que for publicado o edital, a autoridade administrativa deverá atualizar os estudos e as demonstrações técnicas que comprovem o respeito às exigências fiscais (art. 10, § 2º, da Lei nº 11.079/2004).
4.4. Minuta do edital e consulta pública: democratização da Administração Pública
Em virtude da necessidade de maior transparência da atuação estatal, a Lei de PPPs impõe a submissão das minutas do edital e do contrato de PPP à consulta pública prévia (art. 10, VI, da Lei nº 11.079/2004).[22]
É importante destacar que a legislação tradicional já estabelecia a exigência de participação popular, por meio de audiências públicas, para as contratações de grande vulto, conforme previsão contida no art. 39 da Lei nº 8.666/1993.[23]
A realização de consultas e audiências públicas representa uma tendência do Direito Administrativo moderno, fortemente marcado pela democratização da administração pública por meio da participação do cidadão na formação da decisão do agente público e o consequente reforço de sua legitimidade.[24]
Apesar do avanço na previsão da consulta pública das minutas do edital e dos contratos de PPPs, a legislação foi tímida na fixação das regras que deverão ser observadas pelo poder concedente, sendo possível a aplicação subsidiária dos arts. 31 ao 35 da Lei nº 9.784/1999.
Dessa forma, a consulta pública na PPP deve observar, ao menos, as seguintes regras: a) ampla divulgação da consulta para possibilitar a participação do maior número de cidadãos, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato e seu valor estimado; b) fixação de prazo razoável para apresentação das manifestações (prazo mínimo de 30 dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos sete dias antes da data prevista para a publicação do edital); c) dever de apresentação, pelo poder concedente, de resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais; d) publicação do resultado da consulta.
Em caso de ausência ou deficiência da consulta pública, a licitação será nula e, por consequência, o respectivo contrato de PPP. É possível, em casos extremos, quando o vício é constatado no curso do contrato, que a irregularidade no procedimento não acarrete necessariamente a declaração de nulidade do próprio contrato de PPP, garantindo-se a continuidade da prestação do serviço público, sem olvidar da possibilidade, em qualquer caso, de punição dos agentes públicos responsáveis pelo vício formal.
4.5. Licenciamento ambiental
A preocupação com a sustentabilidade ambiental é uma das principais tendências nas contratações públicas naquilo que se convencionou chamar de “licitações verdes”.[25] Nas licitações públicas para contratação de empreendimentos que exigem licenciamento ambiental, o projeto básico deve conter o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).[26]
Em relação às licitações para contratação de PPPs, a legislação exige a licença ambiental prévia ou da expedição das diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato exigir (art. 10, VII, da Lei nº 11.079/2004). De acordo com a referida norma, o Poder Público pode dispensar a apresentação inicial do licenciamento ambiental para execução do contrato de PPP, restringindo-se a apresentar diretrizes para o licenciamento ambiental que deverão ser observadas pelo futuro contrato. A hipótese é justificada pela possibilidade, já aventada anteriormente, de licitação para concessão de serviços públicos, sem a elaboração prévia do projeto básico, cuja responsabilidade pode ser transferida ao próprio interessado (art. 3º, caput e § 1º da Lei nº 11.079/2004 e art. 31 da Lei nº 9.074/1995), limitando-se o Poder Público a fixar os “elementos do projeto básico”. Nesse caso, o parceiro privado poderia apresentar o licenciamento ambiental no momento da confecção do projeto básico necessário à execução das obras.[27]
4.6. Necessidade de autorização legislativa
Outra novidade que diz respeito à fase interna da licitação relaciona-se à exigência de autorização legislativa prévia para realização de licitação e celebração de contrato de PPP patrocinada, quando mais de 70% da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública (art. 10, § 3º, da Lei nº 11.079/2004).
Entendemos que, apesar do silêncio da lei, a necessidade de autorização legislativa deve ser aplicada também às PPPs administrativas, uma vez que a remuneração, nessas concessões, será realizada, em princípio, integralmente pelo Estado, não havendo cobrança de tarifa dos usuários.
4.7. Modalidade de licitação: concorrência, lances de viva voz e inversão de fases
A modalidade de licitação exigida para as PPPs é a concorrência, na forma do art. 10 da Lei nº 11.079/2004. Trata-se, no entanto, de concorrência com algumas peculiaridades em relação àquela versada na Lei nº 8.666/1993.
Em primeiro lugar, o poder concedente pode inverter as fases de habilitação e julgamento, hipótese em que o julgamento será realizado com a fixação da ordem de classificação e posterior análise dos documentos de habilitação do licitante vencedor (art. 13 da Lei nº 11.079/2004), prerrogativa também inserida nas concessões comuns (art. 18-A da Lei nº 8.987/1995, com redação dada pela Lei nº 11.196/2005).
A realização do julgamento antes da fase de habilitação acarreta maior celeridade ao certame, uma vez que a Administração Pública, após identificar o licitante vencedor, restringe a análise dos documentos relacionados à habilitação apresentados pelo primeiro colocado na ordem de classificação, sem a necessidade de verificação dos documentos dos demais licitantes que não serão contratados. Ademais, como a etapa de habilitação se circunscreve aos documentos do vencedor, não se abre a oportunidade para eventual interposição de recurso administrativo, com efeito suspensivo, contra inabilitação dos demais interessados.[28]
É recomendável que a Administração estabeleça a inversão de fases no edital de licitação para garantir maior eficiência à licitação, conforme explicado anteriormente.[29] Nesse caso, encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o envelope com os documentos de habilitação do licitante classificado em primeiro lugar, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital e, uma vez habilitado, será declarado vencedor.
Na hipótese de inabilitação do primeiro colocado, a Administração analisará os documentos de habilitação do segundo colocado e assim sucessivamente até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital, na forma do art. 13, III, da Lei 11.079/2004. Com a proclamação do resultado final, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas (art. 13, IV, da Lei 11.079/2004).
A segunda peculiaridade da concorrência nas PPPs refere-se à possibilidade de lances em viva voz, após a apresentação de propostas escritas (art. 12, III e § 1º da Lei nº 11.079/2004). Existe, aqui, discricionariedade por parte da Administração Pública que deve definir no edital a melhor forma de apresentação das propostas: a) propostas escritas, apresentadas em envelopes lacrados, ou b) propostas escritas, seguidas de lances em viva voz.
Admitidas as propostas verbais, os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances. No entanto, o edital pode restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% maior que o valor da melhor proposta (art. 12, § 1º, I e II, da Lei nº 11.079/2004).
As novidades citadas foram inspiradas na legislação do pregão que também estabelece a possibilidade de apresentação de lances verbais, complementares às propostas escritas, bem como a inversão das fases de habilitação e julgamento. Em razão dessa combinação, alguns autores denominam a concorrência na PPP de “concorrência-pregão”.[30]
4.8. Qualificação técnica e tipos de licitação
A fase de julgamento, nas licitações para PPPs, poderá ser precedida de etapa de qualificação técnica das propostas, admitindo-se a desclassificação dos licitantes que não alcançarem a pontuação mínima estabelecida no edital (art. 12, I, da Lei nº 11.079/2004).
Em relação aos tipos de licitação, além dos critérios previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei nº 8.987/1995 (menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado e combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público com o de melhor técnica), o art. 12, II, da Lei nº 11.079/2004 acrescenta duas outras possibilidades: a) menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública, e b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea “a” com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital. Não se admite a utilização do critério da maior outorga (ou maior oferta) paga pelo licitante vencedor e prevista no art. 15, II, da Lei nº 8.987/1995, pois, além de não mencionado na legislação específica da PPP tal critério, é naturalmente incompatível com o perfil da parceria que pressupõe, ao contrário, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado (art. 2º, § 3º, da Lei nº 11.079/2004).[31]
Os dois primeiros critérios de julgamento (menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado e combinação dos critérios de menor valor da tarifa e melhor técnica) são utilizados, exclusivamente, nas licitações para celebração de PPPs patrocinadas, que admitem a cobrança de tarifa dos usuários, devendo ser consideradas incompatíveis com as PPPs administrativas que não envolvem o pagamento de tarifa (art. 2º, §§ 1º e 2º, Lei nº 11.079/2004).
As propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação serão recusadas pelo poder concedente (art. 11 da Lei nº 11.079/2004 e art.15, § 3º, da Lei nº 8.987/1995).
Em caso de empate, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira e, se for o caso, sorteio entre os empatados (art. 11 da Lei nº 11.079/2004, art. 15, § 4º, da Lei nº 8.987/1995 e art. 45, § 2º, da Lei nº 8.666/1993). O ideal, no entanto, seria a fixação de outro critério para desempate de propostas que levasse em consideração fatores de eficiência econômica, social ou ambiental, por exemplo.[32]
4.9. Saneamento de falhas: relativização do formalismo e Administração Pública de Resultados
Costuma-se afirmar que, enquanto o Direito Administrativo é pautado pelo formalismo, o Direito Privado é marcado pela liberdade das formas. No campo das licitações e das compras governamentais, vigora o princípio do procedimento formal (ou princípio do formalismo) que impõe a observância fiel das normas e dos procedimentos previstos na legislação, na forma do art. 4°, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993.[33]
Todavia, é oportuno ressaltar que o princípio do procedimento formal não significa excesso de formalismo. No âmbito da denominada “Administração de Resultados”,[34] segundo a qual a interpretação e a aplicação do Direito não podem se afastar das consequências geradas pelas escolhas que são efetivadas pelas autoridades estatais, a legislação tem flexibilizado o formalismo, por exemplo: a) nas licitações tradicionais, quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a Administração poderá fixar prazo para que os licitantes apresentem nova documentação ou outras propostas (art. 48, § 3º, da Lei nº 8.666/1993); b) as microempresas e empresas de pequeno porte podem corrigir falhas nos documentos de regularidade fiscal (art. 43, § 1º, da Lei Complementar nº 123/2006) etc.
Nas licitações para formalização de PPPs, o edital pode prever a “possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório” (art. 12, IV, da Lei n° 11.079/2004). Trata-se de novidade que relativiza a vedação constante no § 3º do art. 43 da Lei nº 8.666/1993, norma que permite apenas a apresentação de esclarecimentos sobre documentos constantes do procedimento e veda a inclusão de novos documentos.
O saneamento de falhas nas licitações para contratação de PPPs confirma que o formalismo deve ser moderado, de forma a não prejudicar a contratação de propostas mais vantajosas por equívocos formais que não contaminam substancialmente o certame. A correção de falhas pode ocorrer em relação a qualquer ato praticado no certame, mas deve ser utilizado com parcimônia, em estrita observância dos princípios da isonomia, da razoabilidade e da boa-fé, entre outros.
5. Conclusão
No estágio atual de evolução do Direito Administrativo, a busca por parcerias com os particulares para execução de tarefas públicas revela-se um traço característico da Administração Pública Consensual.[35]
As PPPs representam, nesse cenário, uma importante resposta ao dilema: necessidade de execução de serviços não autossustentáveis x austeridade fiscal.
A Lei nº 11.079/2004 consagra importantes inovações nas licitações públicas e compras governamentais, pautadas pela eficiência administrativa. O enfoque no planejamento, na responsabilidade fiscal, na segurança jurídica e no resultado da ação administrativa, com a relativização de formalidades não essenciais, pauta as regras diferenciadas de licitações nas PPPs, abordadas no presente trabalho, que servirão de paradigma para a atualização e o aprimoramento, em um futuro próximo, da Lei Geral de Licitações.
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