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Compartilhamento de dados pessoais com o Ministério Público e a vedação ao fishing expedition

Rafael Carvalho Rezende Oliveira
15/09/2025
Escrito por Luís Manoel Borges do Vale e Rafael Carvalho Rezende Oliveira
Não é incomum o recebimento pela Administração Pública de ofícios lavrados pelo Ministério Público, os quais requisitam documentos, em cujo teor estão inseridos dados pessoais que foram originalmente coletados e tratados para implementação de políticas públicas, o que revela a importância do debate acerca dos limites e das possibilidades de compartilhamento de dados pessoais com órgãos de controle externo.
Inicialmente, é oportuno lembrar que os dados pessoais são relevantes não apenas para o mercado, constituindo-se no centro dos modelos de negócios das grandes sociedades empresárias do planeta (Meta/Facebook/Instagram, Amazon, Alphabet/Google, Microsoft, Apple etc.),[1] que tratam dados dos seus clientes para segmentação dos usuários por meio da criação de perfis (profiling) e direcionamento de publicidade, mas também para a Administração Pública que necessita do tratamento dos dados pessoais para formulação de políticas públicas eficientes e atendimento do interesse público.[2]
Conforme já destacamos em outra oportunidade, revela-se necessária a regulação jurídica para estabelecer as condições, os limites e as responsabilidades para o uso adequado e proporcional dos dados pessoais, com o intuito de evitar práticas atentatórias ao ordenamento jurídico, especialmente pelo fato de que a Administração Pública é um dos maiores agentes de tratamento de dados pessoais, diante da sua inevitável e diuturna interlocução com os cidadãos. Do nascimento à morte de um indivíduo, os respectivos dados são coletados, com intensidades distintas, pela Administração Pública que, inclusive, confere informações e documentos que passarão a constituir, eles próprios, dados pessoais da pessoa natural (ex: RG, CPF etc).[3]
Nesse contexto, a Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD) constitui marco regulador relevante para o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, “com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.
De acordo com o 5º, X, da LGPD, o tratamento de dados pessoais engloba “toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração” (art. 5º, X, da LGPD).
Destaca-se que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas hipóteses (bases legais) indicadas no art. 7º da LGPD (consentimento do titular; cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; etc). As hipóteses indicadas no referido dispositivo legal constituem bases legais suficientes para autorizar o tratamento de dados pessoais, inexistindo hierarquia entre elas. Em consequência, ressalvada a primeira base legal, que indica o consentimento do titular, as demais bases legais não necessitam do referido consentimento para o tratamento dos dados pessoais.[4]
No âmbito do conceito alargado do “tratamento de dados pessoais”, insere-se o compartilhamento de dados pela Administração Pública previsto nos arts. 25 e 26 da LGPD, que permite a sua implementação entre órgãos e entidades administrativas (compartilhamento interno), bem como entre a Administração Pública e a iniciativa privada (compartilhamento externo), desde que atendidas as exigências contidas nos citados dispositivos legais.
No presente ensaio, o objetivo principal é abordar os limites e possibilidade do compartilhamento de dados pessoais pela Administração Pública com o Ministério Público.
Com efeito, o Ministério Público constitui “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, na forma do art. 127 da CRFB. No âmbito das suas atribuições constitucionais, destacam-se, por exemplo, a função institucional de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição (art. 129, II, da CRFB) e de requisitar informações e documentos para instruir seus procedimentos (art. 129, VI, da CRFB).
No contexto da legislação infraconstitucional, o art. 8º, VIII, da Lei Complementar 75/1993, assegura ao Ministério Público “ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública”. O poder de requisição do Parquet é reforçado no art. 26, I, “b”, da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).
Ademais, a legislação parece vedar qualquer oposição ao cumprimento das requisições ministeriais. O § 2º do art. 8º da Lei Complementar 75/1993 estabelece que “nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo”, e o § 3º do mesmo dispositivo legal prevê que “a falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa”.
É inegável, portanto, a relevância do Ministério Público para defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Contudo, assim como ocorre com as demais instituições públicas, as prerrogativas reconhecidas ao Ministério Público não são absolutas ou ilimitadas, devendo ser exercidas dentro dos limites constitucionais e legais, inclusive aqueles relacionados à proteção de dados pessoais.
Em consequência, o compartilhamento de dados pessoais com o Ministério Público deve observar os direitos e garantias constitucionais, bem como os limites fixados na LGPD.
Conforme dispõe o art. 25, da LGPD, os dados pessoais deverão ser mantidos em formato interoperável e estruturado para o uso compartilhado, visando à execução de políticas públicas, à prestação de serviços públicos, à descentralização da atividade pública e à disseminação e ao acesso das informações pelo público em geral.
O art. 26 da LGPD, por sua vez, dispõe que o compartilhamento de dados pessoais pela Administração Pública, o que inclui aquele realizado a partir de requisições do Ministério Público, “deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeitados os princípios de proteção de dados pessoais elencados no art. 6º desta Lei.”
Ao tratar do compartilhamento de dados pessoais pela Administração Pública, o Supremo Tribunal Federal decidiu:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITOS FUNDAMENTAIS À PRIVACIDADE E AO LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE. TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS PELO ESTADO BRASILEIRO. COMPARTILHAMENTO DE DADOS PESSOAIS ENTRE ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. ADI E ADPF CONHECIDAS E, NO MÉRITO, JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM EFEITOS FUTUROS.
(…)
4. Interpretação conforme à Constituição para subtrair do campo semântico da norma eventuais aplicações ou interpretações que conflitem com o direito fundamental à proteção de dados pessoais. O compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da Administração Pública, pressupõe: a) eleição de propósitos legítimos, específicos e explícitos para o tratamento de dados (art. 6º, inciso I, da Lei 13.709/2018); b) compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas (art. 6º, inciso II); c) limitação do compartilhamento ao mínimo necessário para o atendimento da finalidade informada (art. 6º, inciso III); bem como o cumprimento integral dos requisitos, garantias e procedimentos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, no que for compatível com o setor público.
(…)
6. O compartilhamento de informações pessoais em atividades de inteligência deve observar a adoção de medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; a instauração de procedimento administrativo formal, acompanhado de prévia e exaustiva motivação, para permitir o controle de legalidade pelo Poder Judiciário; a utilização de sistemas eletrônicos de segurança e de registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização em caso de abuso; e a observância dos princípios gerais de proteção e dos direitos do titular previstos na LGPD, no que for compatível com o exercício dessa função estatal.”[5] (Grifo nosso).
É possível extrair do sobredito julgado da Suprema Corte, os requisitos para validade do compartilhamento de dados pessoais pela Administração Pública, a saber: a) adoção de medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; b) instauração de procedimento administrativo formal, acompanhado de prévia e exaustiva motivação, com o intuito de viabilizar o controle de legalidade pelo Poder Judiciário; c) utilização de sistemas eletrônicos de segurança e de registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização em caso de abuso; e d) observância dos princípios gerais de proteção e dos direitos do titular previstos na LGPD, no que for compatível com o exercício dessa função estatal
Destarte, as requisições ministeriais para obtenção de dados pessoais devem respeitar integralmente os termos da LGPD e os requisitos fixados pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse cenário, as requisições encaminhadas pelo Parquet à Administração Pública que solicitam dados pessoais, de forma genérica e sem a indicação específica do interesse público a ser atendido, bem como aquelas desacompanhadas da indicação do processo administrativo em curso (ex: inquérito civil), devem ser consideradas ilegítimas.
Cumpre mencionar, por exemplo, a situação hipotética em que o Ministério Público requisita o envio contínuo e sistemático de todos os dados pessoais tratados pela ouvidoria de órgão ou entidade da Administração Pública, sob o argumento de que a análise dos referidos dados tem por objetivo verificar a legalidade do funcionamento da ouvidoria e a eventual omissão na apuração de irregularidades denunciadas ao órgão.
Ainda que a requisição em comento seja determinada no âmbito de processo administrativo investigatório em curso no Ministério Público,[6] seria possível considerá-la irregular, na medida em que não apresenta, de forma justificada, a necessidade dos dados para o atendimento do interesse público, com violação aos princípios da LGPD, especialmente os princípios da finalidade, adequação e necessidade (art. 6º, I, II, e III, da LGPD):
“Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:
I – finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;
II – adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;
III – necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados”. (Grifo nosso).
Nesse ponto, a LGPD determina que todas as atividades de tratamento de dados pessoais devem observar o princípio da boa-fé e devem ser realizadas exclusivamente para finalidades específicas e legítimas, compatíveis com as informações previamente fornecidas ao titular, limitadas ao mínimo necessário para a consecução desses objetivos.
No exemplo em comento, a requisição formulada pelo Parquet não satisfaz o requisito da finalidade específica do compartilhamento, pois não demonstra a pertinência dos dados pessoais tratados pela ouvidoria a fato concreto determinado. O simples pedido de acesso integral aos dados pessoais da ouvidoria do Poder Executivo, sob o argumento de que tal medida seria imprescindível à instrução dos procedimentos administrativos investigatórios em curso, não cumpre as exigências normativas e jurisprudencial para regularidade do compartilhamento.
A ausência de delimitação objetiva e de finalidade definida aproxima o pedido ministerial da prática conhecida como “pescaria probatória” (fishing expedition), rechaçada pelo ordenamento jurídico por violar o devido processo legal, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, constituindo-se uma investigação especulativa, “sem objetivo certo ou declarado, que lança suas redes na esperança de ‘pescar’ qualquer prova para subsidiar uma futura acusação”.[7] De acordo com Alexandre Morais da Rosa:
“Fishing Expedition ou Pescaria Probatória é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém. [É] a prática relativamente comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais. O termo se refere à incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe, antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem ser fisgados, muito menos a quantidade.”[8] (Grifo nosso).
Outro obstáculo relevante ao atendimento da requisição ministerial no exemplo indicado, refere-se à criação de novas responsabilidades e atribuições para a Ouvidoria do âmbito do Poder Executivo, que terá de alocar pessoal e recursos para viabilizar, de modo contínuo, o acesso aos seus dados pelo Ministério Público.
Isso porque o Ministério Público não dispõe de prerrogativa para impor obrigações ao Poder Executivo, com impactos intensos na estrutura e no funcionamento dos órgãos municipais, limitando-se a atuação ministerial às suas funções de controle e fiscalização.
Aliás, nem mesmo o Poder Legislativo possui competência para fixar deveres administrativos dessa natureza. Sua atribuição restringe-se à definição das diretrizes gerais de programas e políticas públicas voltadas à implementação de direitos essenciais, desde que não interfira em competências privativas do Chefe do Executivo nem altere a estrutura da Administração Pública ou imponha encargos a seus órgãos.
Não por outra razão, a eventual promulgação de lei de iniciativa parlamentar, com o objetivo de obrigar a Ouvidoria do Poder Executivo ao compartilhamento de dados pessoais ininterrupto ao Parquet deveria ser considerada inconstitucional por vício formal de iniciativa da respetiva, em razão da invasão da competência privativa do Chefe do Executivo para iniciativa legislativa, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b”, da CRFB.[9]
Ora, assim como não se afigura juridicamente possível ao Poder Legislativo impor, por meio de lei de iniciativa parlamentar, alterações na estrutura e no funcionamento dos órgãos do Poder Executivo, com maior razão não se revela constitucionalmente válida a imposição pelo Ministério Público, por meio do ato administrativo de requisição, de alterações na rotina interna dos órgãos do Poder Executivo municipal. Em conclusão, o poder requisitório do Ministério Público revela-se instrumento relevante para o desempenho das funções ministeriais e pode envolver o compartilhamento de dados pessoais tratados pela Administração Pública, desde que observados os limites exigidos pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, devendo ser consideradas ilegítimas requisições ministeriais de dados pessoais sem a instauração justificada do competente processo administrativo, bem como aquelas dotadas de generalidade excessiva, com o intuito de promover, indevidamente, a prática de (fishing expedition), em desacordo com os princípios da LGPD[10]. Afinal de contas, as prerrogativas absolutas e ilimitadas se confundem com arbitrariedades que, naturalmente, não são toleradas no Estado Democrático de
[1] Fonte: <https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2025/07/09/nvidia-e-a-primeira-empresa-no-mundo-a-valer-us-4-tri-e-lidera-ranking-das-mais-valiosas.ghtml>. Acesso em: 05/09/2025.
[2] Para aprofundamento do tema, vide: VALE, Luís Manoel Borges do; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. LGPD na Administração Pública, Rio de Janeiro: Forense, 2025. Vale destacar a redação do art. 24, VII, da Lei nº 14.129/2021: “Art. 24. Os órgãos e as entidades responsáveis pela prestação digital de serviços públicos deverão, no âmbito de suas competências: (…) VII – realizar a gestão das suas políticas públicas com base em dados e em evidências por meio da aplicação de inteligência de dados em plataforma digital”. (Grifo nosso);
[3] VALE, Luís Manoel Borges do; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. LGPD nas licitações e contratações públicas, Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 24, n. 281, p. 19-39, maio 2025
[4] VALE, Luís Manoel Borges do; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. LGPD na Administração Pública, Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 25/26.
[5] STF, ADI 6649/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 19/06/2023.
[6] Ressalta-se que mesmo nos processos administrativos relacionados à investigação de infrações penais, a observância dos princípios da LGPD decorre do art. 4º, III, “d” e § 1º do referido diploma legal: “Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais: (…) III – realizado para fins exclusivos de: (…) d) atividades de investigação e repressão de infrações penais; (…) § 1º O tratamento de dados pessoais previsto no inciso III será regido por legislação específica, que deverá prever medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos nesta Lei.”
[7] Fonte: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/22102023-Caiu-na-rede-e-fishing-expedition-ou-serendipidade.aspx>. Acesso em: 05/09/2025.
[8] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Estratégico: de acordo com a Teoria dos Jogos, 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p. 389-390.
[9] A respeito do tema, o STF decidiu: “DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 7.470/2024. PROGRAMA “NA HORA MULHER”. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. CRIAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INICIATIVA PRIVATIVA. TEMA 917 DA REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO FORMAL APENAS QUANTO À ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Esta Suprema Corte, no julgamento do ARE nº 878.911/RJ (Tema 917 da Repercussão Geral), firmou o entendimento de que “não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, “a”, “c” e “e”, da Constituição Federal). 2. É compatível com a Constituição Federal norma de origem parlamentar que cria políticas públicas, desde que não adentre no núcleo da iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, como, por exemplo, a organização e funcionamento da Administração Pública, conclusão lógica que se extrai das premissas fixadas no julgamento do tema 917 da Repercussão Geral. Constitucionalidade dos art. 1º, 2º, 4º, 6º e 8º da lei distrital nº 7.470/2024. 3. Quanto aos art. 3º, 5º, 7º e 9º, a legislação distrital é incompatível com as diretrizes do texto constitucional porquanto alterou a estrutura e funcionamento da Administração Pública e criou novas atribuições a órgãos distritais, interferindo na gestão administrativa. 4. Recurso extraordinário parcialmente provido, a fim de declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 4º, 6º e 8º da Lei Distrital nº 7.470/2024, e a inconstitucionalidade dos arts. 3º, 5º, 7º e 9º Lei Distrital nº 7.470/2024.” (Grifo nosso. RE 1.544.272/DF, Rel. Min. Flávio Dino, Tribunal Pleno, DJe 04/06/2025).
[10] Em linha de convergência, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal: “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. HIPÓTESE DE DESCOMPASSO COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO ÂMBITO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.055.941/SP (TEMA 990). I. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 1. Reclamação julgada procedente, para cassar o ato reclamado, de modo a reconhecer a legalidade na atuação do Ministério Público, quando solicitou, mediante procedimento e comunicação formais, a elaboração de Relatório de Inteligência Financeira dos investigados, apontados como integrantes de organização criminosa que obtinha ganhos a partir de esquema de pirâmide financeira. II. RAZÕES DE DECIDIR 2. Verifica-se que o acórdão reclamado, ao declarar a ilicitude dos Relatórios de Inteligência Financeira, decidiu o caso de forma contrária ao entendimento firmado por esta SUPREMA CORTE no julgamento do Tema 990-RG, oportunidade em que o Plenário assentou que: “1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil – em que se define o lançamento do tributo – com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB referido no item anterior deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios”. 3. No particular, o relatório foi requisitado de maneira formal e com indicação expressa do número do procedimento ao qual se destinava, na linha do entendimento firmado por este STF. O que não pode ser admitido é o requerimento sem qualquer procedimento, sem objetivo certo e sem nenhum elemento indiciário; hipótese não retratada nos autos. III. DISPOSITIVO 4. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (Grifo nosso. Rcl 70191 AgR/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 19/11/2024).
Autores:
Luís Manoel Borges do Vale
Procurador do Estado de Alagoas (Assessor Especial), Membro do Tribunal Administrativo de Tributos Estaduais, Sócio do Rafael Oliveira Advogados Associados, nomeado Procurador Federal, Ex-Advogado da Petrobras, Presidente da Comissão de Inteligência Artificial aplicada à Advocacia Pública, Membro da Comissão Nacional de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB, Doutor pela Universidade de Brasília- UnB, Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas, Especialista pela Ohio University, Professor de Direito Processual Civil na Escola Superior da Magistratura de Alagoas – ESMAL, na Escola Superior da Magistratura de Goiás, na Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso do Sul, na Escola da Advocacia Geral da União – EAGU,na UERJ e em outras instituições de ensino, membro da Internacional Association of Privacy Professionals – IAPP, do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo – ANNEP, Revisor da Revista Eletrônica de Direito Processual, Autor de obras jurídicas, dentre elas “Teoria Geral do Processo Tecnológico” (Indicada ao prêmio Jabuti em 2024) e LGPD na Administração Pública.
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
Visiting Scholar pela Fordham University School of Law (Nova Iorque). Pós-Doutor pela UERJ. Doutor em Direito pela UVA-RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ. Especialista em Direito do Estado pela UERJ. Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC. Professor do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado e Doutorado do PPGD/UVA. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito da Universidade Cândido Mendes. Professor de Direito Administrativo da EMERJ e do curso FORUM. Professor dos cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ). Presidente do Conselho editorial interno da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR). Membro da lista de árbitros do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Ex-Defensor Público Federal. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Sócio-fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. Árbitro e consultor jurídico. E-mail: contato@roaa.adv.br.