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A nova improbidade administrativa
GEN Jurídico
03/07/2023
O combate à improbidade no setor público é imposição constitucional que se encontra regulada pela Lei n. 8.429/1992, legislação que foi profundamente reformada pela Lei n. 14.230/2021. As alterações foram tão significativas que não é exagero afirmar que se está diante de uma Nova Lei de Improbidade Administrativa.
Nesse contexto de inovação legislativa, o livro A Nova Improbidade Administrativa tem por objetivo apresentar ao leitor uma visão original, crítica, profunda e sistemática das alterações que foram implementadas no sistema brasileiro de combate à corrupção pela Lei n. 14.230/2021. E sempre sob um olhar “garantista”, que confere relevância ímpar à letra da lei, sobretudo no tocante às normas de caráter sancionatório.
Os autores apresentam as posições jurisprudenciais e doutrinárias mais atualizadas sobre a improbidade e com elas dialogam de forma crítica, apontando, ainda, quais entendimentos consolidados dos Tribunais Superiores foram superados pela nova legislação. São mencionadas e minuciosamente explicadas as novas decisões do STF sobre a Lei de Improbidade, explorando seus fundamentos e suas consequências.
Com uma linguagem clara e acessível, inclusive com o uso de tabelas e esquemas visuais, mas sem abandonar a complexidade que envolve a matéria, realçam-se as novidades consagradas na nova Lei, facilitando sua compreensão e assimilação. A leitura é obrigatória para aqueles que buscam estudar e compreender o novo sistema brasileiro de combate à improbidade.
Lei da Improbidade Administrativa na visão do ministro Gilmar Mendes
A Lei de Improbidade Administrativa criou um importante mecanismo de proteção da moralidade pública, conferindo ao Estado a possibilidade de – para além do Direito Penal – punir atos de notável reprovabilidade.
A improbidade é um ilícito caracterizado por sua gravidade e pela repulsa social causada, a merecer uma punição devida, mesmo que não se trate de uma efetiva violação à lei penal.
Muito embora situações dessa espécie não resultem na imposição de pena privativa de liberdade, é imperiosa a cautela tanto do autor da ação – normalmente o Ministério Público – como do julgador. É sabida a gravidade das sanções aplicáveis a agentes condenados por atos de improbidade administrativa, como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos.
Além disso, a mera abertura do processo muitas vezes já gera grande prejuízo aos réus diante não apenas da severidade das possíveis punições, mas também do forte caráter simbólico negativo que envolve os atos de improbidade, os quais não se cingem ao mero ilícito, mas, na realidade, representam uma ação de notável gravidade.
Nessa perspectiva, o balanço dos 30 anos da Lei de Ação de Improbidade merece uma avaliação crítica do instituto, à luz da evolução jurisprudencial e das inovações decorrentes da reforma implementada pela Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021.
Com efeito, a discussão acerca da submissão de determinados agentes públicos ao duplo regime sancionatório – relativos aos dispositivos e normas dos atos de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) e dos crimes de responsabilidade (Lei 1.079/1950) –, bem como sobre a existência de prerrogativa de foro para o julgamento de tais ações, embora sedimentada na Corte, evidencia os contornos graves da sistemática da improbidade, que foram reconhecidos na reforma da referida lei.
Algumas questões, que já eram por si relevantes, parecem acertadamente ter merecido especial atenção do legislador no processo legislativo que culminou na edição da Lei 14.230/2021. No entanto, torna-se imperioso o debate acerca dos desequilíbrios ainda presentes no sistema, que muitas vezes comporta abusos e enquadramentos aleatórios.
A accountability dos gestores é fundamental, mas deve ser sensível às dificuldades tipicamente enfrentadas pelos funcionários públicos e às limitações conjunturais em decisões sensíveis, em que nem sempre se tem clareza quanto às consequências concretas de um ato ou até mesmo das restrições legais aplicáveis. Essa questão é especialmente relevante nos casos de agentes políticos em razão do possível comprometimento de sua necessária independência, que pode ser afetada pelo constante risco de questionamentos infundados.
É necessária a responsabilização pelo mau uso da ação, porque é razoável que a própria lei contenha elementos para coibir os abusos, que infelizmente são sistêmicos. A Lei de Abuso de Autoridade, aprovada em 2019, pode ser um relevante passo nesse sentido, se efetiva e corretamente aplicada.
Dessa forma, urge discutir essas questões, que permeiam todo o sistema de Justiça, ainda carente de ferramentas efetivas de responsabilização dos agentes políticos a quem cabe a persecução em defesa da probidade administrativa. Sintomas desse diagnóstico são as propostas de emenda à Constituição que buscam aprimorar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça.
A conformação sistêmica da Lei de Improbidade, após décadas de aplicação do diploma e sucessivas reformas, parece descortinar que o Estado brasileiro está no limiar de modificações significativas no arcabouço da accountability dos agentes públicos responsáveis pela persecução e tutela da probidade. O fortalecimento da democracia brasileira e da própria legitimidade da ação estatal pressupõe a construção de um sistema que efetivamente imponha contrapesos a tais mecanismos.
A questão exigirá de todos compromisso democrático e criatividade institucional na busca por soluções que assegurem a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público, mas que também demandem de seus membros a estrita observância das garantias e postulados constitucionais na exata medida dos extensos poderes que lhes foram conferidos para o cumprimento de suas missões institucionais.
Nesse sentido, esta obra surge como uma valorosa contribuição para o estudo desse importante novo diploma legal, que enseja um diálogo aprofundado entre doutrina, jurisprudência e administração pública. Por certo, os trabalhos aqui apresentados enriquecerão esse debate. Desejo a todos uma excelente leitura!
Gilmar Ferreira Mendes
Ministro do Supremo Tribunal Federal. Doutor em Direito pela Universidade de Münster, Alemanha. Professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
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