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DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
HISTÓRIA DO DIREITO
Heráclito Fontoura Sobral Pinto
Gladston Mamede
16/08/2021
O Direito sempre permitiu um heroísmo intelectual, vale dizer, uma luta sem sangue, sem mortes: luta com as armas da razão e da determinação. É uma pena que as sociedades deem tanto valor aos que pegam em armas para resistir, na mesma toada em que são olvidados aqueles que fizeram das palavras as suas espadas e do conhecimento seus escudos. É trágico, senão demente, essa sobrevalorização dos atos de violência (ação ou reação), em desprestígio dos atos de afirmação de uma cultura de atuação intelectual, civilizada e civilizatória.
Esses ponto e contraponto ficam claros quando se aborda um episódio da história brasileira e, nele, a atuação de uma personagem, um jurista: Heráclito Fontoura Sobral Pinto, a quem outorguei a eponomia deste breve ensaio que, como o anterior, tem por finalidade festejar a passagem do dia do advogado e dia do estudante de Direito (e dos estudantes em geral), comemorados em 11 de agosto, data da criação dos primeiros cursos superiores no Brasil, os cursos de Direito de São Paulo e Pernambuco.
Como se sabe, houve no país uma tentativa de insurreição política levada a cabo pelos componentes da Aliança Nacional Libertadora, liderada por Luís Carlos Prestes, nos finais de 1935. Presos, os líderes do movimento foram barbaramente torturados sob o comando do chefe da Polícia da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, Filinto Muller, uma dessas pessoas que encarnam em nossa historiografia a terrível expressão do Estado sádico: o aparelho e os agentes que, no exercício da coercitividade estatal, expressam o que há de pior nas características do homo sapiens.
Entre as centenas de presos, à conta da insurreição, havia um casal de alemães: Arthur e Elise Ewert. Para interrogá-los, Filinto Muller convida oficiais do Exército Nazista. Sim: a Administração Pública Brasileira, o Estado Brasileiro, atual em conjunto com o Estado Nazista em pleno território nacional. E o fez de maneira infame. Fernando de Moraes, em Olga, conta como o casal foi barbaramente torturado por policiais brasileiros e militares hitleristas. Primeiro, apanharam por uma semana sem que uma palavra ou pergunta lhe fossem dirigidas, incluindo choques elétricos, cassetete, chibatas e queimaduras de cigarros. Nos interrogatórios, marido e mulher eram torturados alternadamente, um na presença do outro. Olga, o livro, é um registro de como nós, seres humanos, podemos ser cruéis e ignóbeis. Não vou prosseguir, mas há muito mais lá. Muito mais. Triste e desesperador. Vergonhoso. Pior: tais relatos historiográficos são apenas uma amostra de tudo o que já se fez – e pior! que ainda se faz – nesta terra. Fê-lo a ditadura Vargas, fê-lo a ditadura militar instaurada em 1964, e, lastimavelmente, ainda o fazem alguns setores da polícia, alimentando o clima de animosidade que torna cada vez mais cruel a guerra civil diluída que é travada em nossas grandes cidades, e que faz vítimas entre cidadãos que pouco se importam pelo que se passa em nossas prisões ou em nossas periferias.
É neste cenário e neste contexto que se encarta o heroísmo intelectual, sem armas ou sangue, de Sobral Pinto, advogado nascido em Barbacena, embora radicado no Rio de Janeiro. Ainda jovem, o penalista chamou para si a defesa do casal e, mesmo, do líder do movimento, Luiz Carlos Prestes. Uma situação que o colocava em risco pessoal. Para tocar tais casos constituiu-se uma corte de exceção, o Tribunal de Segurança Nacional, cuja presidência foi assumida Frederico de Barros Barreto. E, por aceitar uma função deste jaez, presidir uma Corte especialmente criada para julgar os envolvidos na insurreição de novembro de 1935, com suspensão de todos os direitos e garantias fundamentais, foi depois premiado com uma vaga no Supremo Tribunal Federal, do qual foi presidente entre 1960 e 1962.
Como todos as normas de que poderia se socorrer estavam suspensas por força da Ditadura Vargas, a tarefa de defender os torturados era praticamente impossível. Mas a inteligência ajudou ao jurista. Ao ler a notícia de um cidadão curitibano condenado à prisão por ter espancado um cavalo até a morte, Sobral Pinto percebeu que a Lei de Proteção aos Animais não tinha sido suspensa pelo Estado e recorreu a ela para a defesa daqueles dois animais humanos, o casal Ewert, que estava sendo torturado barbaramente. Aquilo foi uma humilhação internacional e a repercussão negativa acabou levando à soltura do casal.
Não foi só isso. Como resultado da atuação obstinada de Sobral Pinto, Prestes pode receber correspondências de sua mãe e da irmã, bem como escrever para sua mulher, Olga, que a ditadura Vargas covardemente entregara para o governo nazista, sob o pretexto de se tratar de uma cidadã alemã, e que, por ser judia, acabaria sendo executada em um campo de concentração. Sobral seguiu denunciando todos os abusos e fazendo uma defesa intransigente das normas constitucionais e legais em favor de seus clientes, sem nada receber por isso. Foi tão competente que, quando do julgamento de Prestes e Ewert perante o Tribunal de Segurança Nacional, Frederico de Barros Barreto impôs tamanhas exigências para que os advogados dos presos entrassem no recinto do tribunal que Luiz Carlos Prestes pediu a Sobral Pinto que se ausentasse e fez ele mesmo sua defesa.
Sobral Pinto nunca desistiu. Jamais. Um herói com a caneta, a máquina de datilografia, as palavras. Lutou até trazer para o Brasil a filha de Prestes, Anita, mantida num campo de concentração com a mãe. Também se luta com o Direito. E não é o único na galeria dos heróis jurídicos.
Este texto é um resumo do que se lê em A Advogacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.
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