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ARTIGOS

CLÁSSICOS FORENSE

PROCESSO CIVIL

REVISTA FORENSE

A tutela da evidência e o sistema de precedentes no CPC/2015

ART. 311

ART. 927

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

PRECEDENTES

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 433

TUTELA DA EVIDÊNCIA

Revista Forense

Revista Forense

13/08/2021

Revista Forense – Volume 433 – Ano 117
JANEIRO – JUNHO DE 2021
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP

Revista Forense – Volume 433Abreviaturas e siglas usadas
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G) CADERNO DE DIREITO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

A TUTELA DA EVIDÊNCIA E O SISTEMA DE PRECEDENTES NO CPC/2015

INTERLOCUTORY RELIEF BASED ON CLEAR RIGHT AND THE SYSTEM OF PRECEDENTS IN BRAZILIAN CIVIL PROCEDURE CODE OF 2015

SOBRE OS AUTORES

NELSON LUIZ PINTO

Doutor e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-Rio), da Universidade Candido Mendes e da PUC-SP, onde exerce também a função de coordenador do núcleo de direito desportivo no pós-graduação stricto sensu

BEATRIZ KREBS DELBONI

Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Advogada. Graduada na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas – FGV Direito SP.

Resumo: Este estudo sugere interpretar sistematicamente o art. 311, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, que diz respeito às hipóteses de concessão da tutela da evidência, e o art. 927 do mesmo diploma processual, que traz uma série de provimentos a serem seguidos pelos magistrados. A principal questão objeto do presente trabalho é verificar se o rol do art. 311 é taxativo ou meramente exemplificativo, podendo ser ampliado com base nos incisos do art. 927.

Palavras-chave: Tutela da evidência; Precedentes; Art. 311; Art. 927; Código de Processo Civil de 2015.

Abstract: This paper proposes to systematically interpret Article 311, item II, of Brazilian Civil Procedure Code of 2015, about the hypotheses of concession of interlocutory relief based on clear right, and Article 927 of the same code, that brings a series of provisions to be followed by the judges. The main question of this paper is whether the list of Article 311 is exhaustive or just illustrative and if can be expanded based on the items of Article 927.

Keywords: Interlocutory relief based on clear right; precedents; Article 311; Article 927; Brazilian Civil Procedure Code of 2015.

 1. INTRODUÇÃO

Este estudo tem por escopo uma tentativa de realizar uma intepretação sistemática dos arts. 311, inciso II, e 927 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ambos ligados à discussão sobre o sistema de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro e sobre as técnicas de aceleração e maior eficiência do processo.

O primeiro dispositivo traz uma série de hipóteses de concessão da tutela da evidência, inclusive com a possibilidade de decisão liminar em algumas delas. Mais especificamente, o inciso II trata da existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.

O art. 927, por sua vez, traz uma série de provimentos a serem “observados” pelos juízes e tribunais, incluindo as situações dispostas no art. 311, inciso II, mas não se restringindo a elas.

A partir disso, o principal questionamento deste estudo refere-se às diferenças entre as hipóteses elencadas pelo art. 311, inciso II, e aquelas trazidas pelo art. 927. Assim, busca-se identificar os eventuais motivos que justificaram essa diferenciação e avaliar se o rol do art. 311 é taxativo ou exemplificativo. Caso ele seja meramente exemplificativo, questiona-se a possibilidade da ampliação das hipóteses de incidência constantes nos seus incisos, para inclusão de outras disposições elencadas no art. 927 deste mesmo diploma processual.

Para tanto, será feito um breve panorama da transição entre o CPC/2015 e o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), a fim de demonstrar a origem da tutela da evidência no sistema processual brasileiro. 

Em seguida, serão analisados de forma individualizada o art. 311 e o art. 927, identificando-se as principais características e pontos relevantes de cada um deles.

Por fim, será feita uma tentativa de interpretação sistemática dos dois dispositivos, buscando-se responder aos questionamentos trazidos neste estudo.

2. PANORAMA DO CPC/2015

A Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil traz um breve panorama sobre a situação do sistema processual brasileiro à época do CPC/1973.1 Conforme consta no referido documento, o código revogado funcionou satisfatoriamente durante seus primeiros vinte anos.

Entretanto, com o advento de transformações sociais e institucionais no Brasil, o diploma processual anterior se tornou defasado, sendo alvo de uma série de reformas. O Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de 2009, que instituiu a Comissão de Juristas para elaboração do Anteprojeto, expõe que foram editadas 64 normas legais alterando o CPC/1973 desde o início de sua vigência, em 17.01.1973.2

Uma importante mudança refere-se à introdução do instituto da antecipação dos efeitos da tutela.3 Com relação a esse tema, a Lei 8.952/1994 incluiu o art. 273 ao CPC/1973, de forma a permitir que o juiz antecipasse, total ou parcialmente, a tutela pretendida na ação principal, desde que atendidos os requisitos legais.

Com isso, o Código revogado passou a prever duas formas de tutelas provisórias de urgência: a tutela de urgência não satisfativa (ou tutela cautelar) e a tutela de urgência satisfativa (ou tutela antecipada).4

Em linhas gerais, a tutela cautelar, prevista nos arts. 796 a 889 do CPC/1973, assegurava bens, provas e pessoas, com vistas a evitar danos e garantir a efetividade do processo. Já a tutela antecipada, presente no art. 273, permitia a antecipação dos efeitos da tutela, ou seja, a própria fruição do direito.5

A despeito dessa distinção, diversos questionamentos permeavam as duas formas de tutela. O principal ponto era que, de alguma forma, ambas continham o intuito de garantir e de satisfazer, o que levou, inclusive, à previsão expressa de fungibilidade entre elas, no art. 273, § 7º, do CPC/1973.6

Além das tutelas provisórias de urgência, o Código revogado também comportava a possibilidade de concessão da tutela da evidência, isto é, hipóteses em que o juiz poderia antecipar os efeitos da tutela mesmo sem a presença de perigo da demora.7

Apesar de não usar essa terminologia, o art. 273, em seu inciso II, previa duas situações em que se poderia conceder a tutela da evidência: a caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Ademais, o § 6º do referido dispositivo dispunha que a tutela seria concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados – parcial ou integralmente – fossem incontroversos. 

Com o advento do CPC/2015, a partir de seu art. 294, criou-se o gênero “tutela provisória”, que se divide em duas espécies: a tutela de urgência (subdividida em antecipada ou cautelar) e a tutela da evidência. 

Segundo essa nova sistemática, a tutela de urgência será concedida na presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme se depreende do art. 300 do CPC/2015.

No tocante às subespécies da tutela de urgência, destaca-se que, apesar de apresentarem requisitos semelhantes, a tutela antecipada e cautelar foram tratadas em capítulos próprios do CPC/2015. De acordo com Arlete Inês Aurelli, isso sinaliza que não há um regime único para elas, sendo que a principal diferença entre as duas é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente.8

A tutela provisória da evidência, por sua vez, difere das tutelas já mencionadas por não conter o requisito da urgência.9 Segundo Aurelli, ela é fundada na “altíssima probabilidade de o requerente da medida ter razão, dispensando a demonstração de perigo do dano”.10 Ainda assim, é possível aplicar a fungibilidade entre a tutela da evidência e a de urgência, desde que, no caso concreto, o requerente preencha os requisitos necessários para tanto.11

A partir dessas considerações iniciais sobre a atual sistemática das tutelas provisórias, o enfoque deste estudo diz respeito ao art. 311 do CPC/2015, mais especificamente em relação à parte final de seu inciso II. Conforme será visto adiante, o dispositivo descreve algumas hipóteses em que a tutela da evidência será concedida, sendo que em duas delas há possibilidade de decisão liminar pelo juiz – é o caso do inciso II.

A inquietação que se apresenta é o motivo pelo qual o rol do art. 311 se difere do rol do art. 927, que disciplina uma série de provimentos a serem “observados” pelos juízes e tribunais, com estreita ligação às ideias de fortalecimento dos precedentes e uniformização da jurisprudência brasileira.12

Com efeito, este estudo visa a interpretar sistematicamente os dois dispositivos, de modo a compreender se há espaço para ampliação das hipóteses do art. 311, inciso II, sendo um rol apenas exemplificativo, ou se há alguma justificativa para se excluir os demais provimentos do art. 927.

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ART. 311 DO CPC/2015

3.1. A redação do dispositivo

O art. 311 do CPC/2015 traz quatro situações em que a tutela de evidência pode ser concedida, independentemente do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. São elas: abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte (inciso I); possibilidade de comprovação documental das alegações de fato e existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante (inciso II); pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito (inciso III); e presença de prova documental apta a demonstrar os fatos constitutivos do direito do autor, sem que o réu tenha oposto prova capaz de gerar dúvida razoável (inciso IV).

Antes de aprofundar outras questões, cabe uma breve reflexão sobre as hipóteses constantesnos quatro incisos do art. 311.

Conforme Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, o inciso I trata de todas as situações em que a defesa for “inconsistente”, ou seja, quando os argumentos trazidos pelo réu forem frágeis diante do conjunto de elementos – alegações e provas – trazidos pelo autor na petição inicial.13

Já Rodrigo Ramos afirma que se trata de uma repetição do art. 273, inciso II, do CPC/1973, sendo que a única diferença é que este falava em abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do “réu”, enquanto o CPC/2015 fala em “parte”.14

No inciso II, que será posteriormente analisado com maior profundidade, Marinoni, Arenhart e Mitidiero afirmam que houve um equívoco por parte do legislador no que toca os precedentes.15 Isso porquea parte final do inciso fala em “tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”, quando, para os autores, não importa a origem dos precedentes, se são oriundos de casos repetitivos ou consolidados em súmulas vinculantes.

Na visão deles, o que importa é que exista um precedente oriundo do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou que haja jurisprudência formada em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) nos Tribunais de Justiça (TJs) ou Tribunais Regionais Federais (TRFs).16

Ramos, por sua vez, conclui que qualquer meio de fixação de teses vinculantes derivado do art. 927 do CPC/2015 autoriza a tutela da evidência em caráter antecipado.17

Diferentemente do disposto nos incisos I e II (e também do IV), que comportam hipóteses abstratas e abertas, o inciso III traz uma a situação específica: o contrato de depósito. Marinoni, Arenhart e Mitidiero afirmam que essa disposição substituiu o procedimento especial de depósito do CPC/1973.18

Segundo Ramos, a opção por inserir uma situação casuística visa a reforçar a efetividade da posse no caso de violação do contrato de depósito, que corresponde a um tipo específico de direito material.19

Por fim, o inciso IV é “a hipótese clássica em que o tempo para produção da prova deve ser suportado pelo réu – e não pelo autor que já se desincumbiu de seu ônus probatório documentalmente”.20 No entendimento de Marinoni, Arenhart e Mitidiero, é possível ampliar a redação do dispositivo, incluindo também a situação em que o autor comprova seu direito e o réu oferece tão somente defesa indireta sem prova documental, requerendo a realização de prova oral ou pericial.21

Ramos também pontua que o inciso IV deve ser interpretado expansivamente, incluindo situações em que o réu apresenta defesa indireta infundada.22

Feita a análise dos quatro incisos do art. 311, chama-se atenção para o seu parágrafo único, que permite a concessão de liminar somente no caso dos incisos II e III. Dessa forma, pelo texto expresso do CPC/2015, o juiz pode decidir liminarmente apenas quando houver prova documental acompanhada de tese firmada em casos repetitivos ou súmula vinculante ou quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental.

Uma possível justificativa para essa restrição é que, nas duas situações descritas, se presume que a defesa será inconsistente.23Nos demais casos, por outro lado, essa avaliação torna-se possível somente após a manifestação da outra parte, uma vez que não é possível verificar o abuso do direito de se defender, o manifesto propósito protelatório ou a defesa infundada sem que antes seja apresentada, afinal, uma defesa.24

3.2. Alterações sofridas desde a redação original

Neste item, serão analisadas as principais alterações sofridas pelo art. 311 até a redação final do CPC/2015, o que pode se mostrar útil para melhor compreender o desenho dos seus incisos da maneira pela qual estão redigidos hojeNesse sentido, é relevante analisar os textos aprovados pelo Senado Federal – PLS nº 166/2010 – e pela Câmara dos Deputados – PL nº 8.046/2010.25

A escrita inicial do PLS nº 166/2010 sequer utilizava o termo “tutela da evidência”.26 A expressão passou a constar somente na redação aprovada pelo Senado Federal, dispondo que a tutela da evidência seria concedida “independentemente de risco de dano irreparável ou de difícil reparação”.27

Essa disposição foi alteradano texto aprovado pela Câmara dos Deputados28 referente ao PL nº 8.046/2010, que passou a dizer “independentemente da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional”. O atual CPC/2015, por sua vez, fala em “independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo”.

No tocante aos incisos do dispositivo, o art. 278 do PLS nº 166/2010 traziano inciso Iredação semelhante ao do atual CPC/2015, com a única diferença em relação ao uso do termo “requerido”, em vez de “parte”, alteração ocorrida no PL 8.046/2010.

Outra alteração diz respeito ao disposto no inciso II do art. 278 do PLS nº 166/2010, que foi totalmente suprimido. Era a hipótese em que um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles fossem incontroversos, caso em que a solução seria definitiva.

Sobre esse ponto, Leonardo Greco aponta que a versão final do CPC/2015 foi menos “radical”, uma vez que o acolhimento definitivo do pedido formulado na petição inicial sem urgência e sem prévia oitiva da outra parte feriria as garantias do contraditório e da ampla defesa.29 Com isso, prevaleceu a redação do art. 306, inciso II, do PL nº 8.046/2010, idêntica à do atual art. 311, inciso II, do CPC/2015.

Em seguida, o que se observa é que o inciso IIIdo art. 278 do PLS nº 166/2010 foi totalmente retirado pela Câmara dos Deputados e posteriormente reintroduzido na redação definitiva do CPC/2015 com algumas alterações. No PLS nº 166/2010, falava-se que a tutela da evidência seria concedida quando a inicial estivesse instruída com prova documental “irrefutável” do direito alegado pelo autor a que o réu não opusesse “prova inequívoca”.

Já a redação do art. 311, inciso IV, do CPC/2015 fala em prova documental “suficiente” e não oposição de “prova capaz de gerar dúvida razoável”. De acordo com Ramos, apesar da alteração, a prova oferecida deve convencer o juiz, pelo menos em cognição sumária, sobre a veracidade das alegações.30

Quanto ao pedido reipersecutório fundado em prova documental do contrato de depósito, destaca-se que essa hipótese constava no parágrafo único do PLS nº 166/2010, sendo transportada para oart. 306, inciso III, do PL nº 8.046/2010 e reproduzida no art. 311, inciso III, do CPC/2015.

Já o inciso IV do art. 278 do PLS nº 166/2010 dispunha sobre matéria unicamente de direito e existência de tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, IRDRs ou súmula vinculante. Essa hipótese foi reproduzida, em certa medida, no art. 306, inciso II, do PL nº 8.046/2010, permanecendo inalterada no CPC/2015. Na nova redação, contudo, não se fala mais em matéria unicamente de direito, nem em IRDRs.

Por último, o PLS nº 166/2010 previa a concessão de liminar apenas na hipótese do pedido reipersecutório. No PL nº 8.046/2010, ampliou-se essa possibilidade para o caso de alegações de fato comprovadas documentalmente e existência de tese firmada em repetitivos ou súmula vinculante, o que foi mantido na redação do CPC/2015.

Ante o exposto, observa-se que o art. 311 não se manteve isento de alterações desde o início da elaboração do novo Código, suscitando uma série de dúvidas quanto à possibilidade ou não de concessão de tutela de evidência em diversas hipóteses.

4. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ART. 927 DO CPC/2015

O art. 927 traz uma série de provimentos a serem “observados” pelos juízes e tribunais. Dentre eles, estão as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade (inciso I); súmulas vinculantes (inciso II); acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (inciso III); súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional (inciso IV); e orientações do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (inciso V)

Primordialmente, Cassio Scarpinella Bueno afirma que o verbo “observar” corresponde a um comando imperativo, de forma que os incisos desse dispositivo devem – e não apenas podem – ser seguidos pelos magistrados.31

Por conta dessa suposta vinculação criada pelo art. 927, há um intenso debate na doutrina sobre sua interpretaçãoNelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nerypor exemplo, defendem a inconstitucionalidade do dispositivo, sob o fundamento de que a Constituição Federal deveria ter sido alterada para se incluir os provimentos do art. 927 como vinculantes.32

Outro posicionamento que vem sendo debatido diz respeito à existência de diferentes tipos de obrigatoriedade, que incidem de maneira diversa sobre cada um dos incisos do art. 927. Nesse sentidoencontram-se Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello.33 De acordo com eles, é possível falar em três graus de obrigatoriedade: fraca, média e forte.

Há outros autores que trazem classificações parecidas. Eduardo Talamini, por exemplo, fala em vinculação fraca, média e forte.34 Já Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone Campos Mello tratam de espécies de precedentes judiciais, divididas em meramente persuasiva, intermediária e em sentido forte.35

Tendo em vista que o objeto deste estudo não é aprofundar a discussão sobre o art. 927, mas tão somente confrontá-lo com o art. 311, será adotada a terminologia de Wambier, Conceição, Ribeiro e Melloacima citados, partindo da premissa de que o dispositivo é constitucional.

Assim, de acordo com esses autores, o descumprimento de um provimento dotado de obrigatoriedade forte autoriza o uso de algum remédio específicoComo exemplo, eles citam o cabimento de reclamação no caso de uma decisão que ignore acórdão do STJ ou STF em julgamento de recursos repetitivos.36

A obrigatoriedade média enseja o uso de qualquer medida prevista no ordenamento jurídico com vistas a preservar um precedente, ainda que não tenha sido concebida especificamente para isso. Wambier, Conceição, Ribeiro e Mello citam aqui uma “decisão do STF que resolve o recurso interposto por A contra B, decidindo a inconstitucionalidade da lei aplicada, incidenter tantum”.37

Já a obrigatoriedade fraca é meramente cultural, inexistindo sanções no sistema ou meios processuais para ampará-la. Os autores mencionam como exemplo “uma sentença que desrespeita jurisprudência não unânime, mas majoritária do Tribunal local”.38

Trazendo essa classificação para o art. 927, qualificam-se como sendo de obrigatoriedade forte o inciso I (decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade)o inciso II (enunciados de súmulas vinculantes) e o inciso III (acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos).39

Já o inciso IV do art. 927 (súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional) tem obrigatoriedade média, uma vez que inexiste remédio processual específico para atacar decisões contrárias a essas súmulas. Trata-se de uma situação diversa dos primeiros incisos, que ensejam reclamação, com fundamento no art. 988 do CPC/2015.40

Por fim, o inciso V do art. 927 (orientações do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes e tribunais estiverem vinculados) corresponde à obrigatoriedade fraca.41

Admitidos os diferentes graus de obrigatoriedade que incidem sobre o art. 927, resta tecer breves considerações sobre os objetivos da implementação desse dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro, o que pode auxiliar a responder as indagações colocadas neste estudo.

Nesse sentido, em outro estudo sobre o assunto, Wambier e Bruno Dantas apontam que o tema sobre os precedentes ainda se mostra recente no Brasil e vem ganhando importância em razão das constantes alterações no entendimento dos tribunais, com a prolação de decisões conflitantes sobre questões de massa, que acabam afrontando os princípiosda legalidade e isonomia.42

Assim, segundo eles: “A valorização da jurisprudência, no sentido lato, gera: (i) a possibilidade de se criarem institutos que levam à aceleração do procedimento; (ii) mais credibilidade em relação ao Poder Judiciário; (iii) progressiva diminuição da carga de trabalho do Judiciário, já que a desuniformidade da jurisprudência e a possibilidade, que existe sempre, de que haja uma ‘virada’ estimula não só o ato de recorrer, como também a própria propositura de novas ações”.43

Para os fins deste estudo, interessa especialmente a primeira consequência mencionada pelos autores, relativa à aceleração do procedimento. Esse tópico será retomado adiante.

5.INTERPRETAÇÃOSISTEMÁTICA DOS DISPOSITIVOS

Como mencionado, o enfoque deste estudo é analisar a parte final do inciso II do art. 311 em contraposição aos incisos do art. 927 do CPC/2015. O grande questionamento que se apresenta é a motivaçãopara a distinção entre as hipóteses de incidência elencadas nos referidos dispositivos e se é possível aampliaçãodas hipóteses de concessão da tutela da evidência com base nos demais provimentos do art. 927.

Nessa linha de intelecção, o art. 311, inciso II, prevê a possibilidade da concessão da tutela da evidência nos casos em que houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Transportadas para o art. 927, essas hipóteses dialogam tão somente com o disposto no inciso II (enunciados de súmula vinculante) e com o dispostona parte final do inciso III (acórdãos em incidente deresolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos) desse dispositivo.

Elias Marques de Medeiros Neto e Luiz Guilherme Arcaro Conci apontam que a previsão do art. 311, inciso II, simboliza uma evolução do sistema processual civil brasileiro e uma valorização do princípio da efetividade.44 Ainda, afirmam que ela corresponde ao “prestígio a determinados precedentes judiciais”.45

Entretanto, permanece o questionamento: por que o art. 311, inciso II, restringiu as suas hipóteses de incidência a alguns precedentes, em detrimento de outros?Trata-se de uma restrição que se justifica ou as hipóteses desse dispositivo são meramente exemplificativas?

O primeiro ponto que se destaca para responder a essas questões é o fato que, dos provimentos do art. 927, somente dois têm previsão constitucional expressa. Trata-se do inciso I (decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade) e do inciso II (súmulas vinculantes), previstos nos arts. 102, § 2°, e 103-A, caput, da Constituição Federal, respectivamente.

Contudo, o art. 311, inciso II, sequer incluiu as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, limitando-se às sumulas vinculantes. Por outro lado, abrangeu as teses firmadas em julgamento de casos repetitivos, que não estão explicitadas no texto constitucional.

Portanto, desde logo, parece haver uma incoerência no rol do art. 311, inciso II, que poderia ter incluído o inciso I do art. 927 entre as hipóteses de cabimento da tutela da evidência.

O segundo ponto a ser ressaltado é que as hipóteses de concessão da tutela da evidência no ordenamento jurídico brasileiro não se restringem ao art. 311.46 A título exemplificativo, tem-se o art. 59, § 1º, da Lei 8.245/91, referente a locação de imóveis urbanos. De acordo com o disposto no referido dispositivo, há uma série de situações em que é cabível liminar para desocupação no prazo de quinze dias, sem oitiva prévia da parte contrária, mediante pagamento de caução.

Outro exemplo disso é o art. 30 da Lei nº 9.514/1997, que trata da alienação fiduciária de bens imóveis. Nos termos do referido dispositivo, o fiduciário, o cessionário, os sucessores ou o adquirente do imóvel por força de público leilão têm garantida a reintegração na posse do imóvel em caráter liminar, desde que comprovada a consolidação da posse em seu nome.

Dessa forma, ao menos a princípio, não parece haver impedimento para ampliação das hipóteses de concessão da tutela da evidência somente pelo fato de não constarem no rol do art. 311 do CPC/2015.

O terceiro ponto refere-se aos objetivos da introdução do referido dispositivo no ordenamento jurídico pátrio. Conforme apontado por Bruno Vinícios da Rós Bodart, o “tempo é um bem da vida”.47 Via de regra, quem arca com os custos do tempo do processo é o requerente, salvo nos casos de concessão de tutela provisória.

Como adverte Bodart, o mero aguardo para se exercer um direito é apto a gerar prejuízos à esfera jurídica da parte.48 Assim, pode-se dizer que a tutela da evidência serve, em alguma medida, para redistribuir o ônus de suportar o tempo do processo, promovendo maior agilidade.

Esse aspecto também está alinhado ao entendimento de Wambier e Dantas sobre a importância da valorização da jurisprudência. Novamente, de acordo com esses autores, o fortalecimento das decisões judiciais pode levar à criação de institutos que acelerem o procedimento.49 Com isso, verifica-se a estreita relação entre os arts. 311, inciso II, e os provimentos do art. 927, uma vez que ambos estão voltados – dentre outros objetivos – à maior agilidade do processo.

Com base nesses fundamentos, não parece haver justificativa para se restringir a possibilidade de concessão de tutela da evidência às hipóteses de julgamento de casos repetitivos ou súmulas vinculantesSugere-se, portanto, a interpretação sistemática do art. 311, inciso II, com as hipóteses de incidência do art. 927.

Conforme já mencionado, o rol de provimentos do art. 927 é bastante heterogêneo, existindo grande discussão doutrinária sobre sua vinculatividade. O que se propõe neste estudo não é a inclusão de todas essas hipóteses para a concessão da tutela da evidência, mas a interpretação extensiva desse dispositivoao menos no que abrange aos provimentos com obrigatoriedade forte do art. 927, segundo a classificação de Wambier, Conceição, Ribeiro e Mello.Isso porque já foram incluídas no art. 311, II, do CPC/2015 algumas hipóteses com esse grau de obrigatoriedade, de modo que não parece existir razões para a exclusão das demais.

Em suma, conclui-se que a parte final do inciso II do art. 311 poderia conter também os acórdãos em incidente de assunção de competência, resolução de demandas repetitivas e decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade. Com isso, todos esses provimentos, ao lado daqueles que já constam no referido dispositivo, poderiam fundamentar a concessão da tutela da urgência, inclusive em caráter liminar, nos termos do parágrafo único do art. 311.

6. CONCLUSÃO

Diante de todo o acima exposto, constata-se que no rol do art. 311, inciso II, estão inclusas apenas algumas das hipóteses constantesdo art. 927 do CPC/2015, que estão ligadas à ideia de fortalecimento da jurisprudência e valorização dos precedentes.

Considerando a existência de diversos graus de obrigatoriedade (fraca, média e forte), a serem observadas pelo julgadorao aplicar os incisos do art. 927 do CPC ao caso concreto, conclui-se que não há justificativa para a inclusão, como fundamento para a concessão da tutela da evidência, constante no art. 311, inciso II, de apenas algumas dessas hipótesesqualificadas com grau de obrigatoriedade forte, excluindo as demais.

Assim, propõe-se uma interpretação sistemática dos referidos dispositivos, de modo que o inciso II do art. 311 do CPC/2015 inclua todos os provimentos revestidos de obrigatoriedade forte constantes no art. 927 do mesmo diploma. São eles: as teses firmadas em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (que já constam no art. 311) e os acórdãos em incidente de assunção de competência, resolução de demandas repetitivas e decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade (provimentos que se encontram no art. 927, mas foram suprimidos do art. 311).

Portantoentende-se que o art. 311, inciso II, traz um rol meramente exemplificativo. Essa conclusão ampara-se nos seguintes aspectos: (i) o dispositivo já inclui algumas das hipóteses qualificadas como sendo de obrigatoriedade forte, sem que haja uma justificativa para que se exclua outros provimentos com o mesmo grau de obrigatoriedade; (ii) há outras hipóteses de concessão da tutela da evidência no ordenamento jurídico brasileiro fora do art. 311; (iii) tanto o art. 311 quanto o art. 927 dialogam com a ideia de celeridade do procedimento, com vistas a assegurar outros objetivos do CPC/2015.

7. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS 

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BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

BUENO, Cassio Scarpinella. Projetos de Novo Código de Processo Civil comparados e anotados: Senado Federal (PLS n. 166/2010) e Câmara dos Deputados (PL n. 8.046/2010). São Paulo: Saraiva, 2014.

CÂMARA, Alexandre Freitas; PEDRON, Flávio Quinaud; TOLENTINO, Fernando LageTutelas provisórias no CPC 1973 e no CPC 2015: o quanto o novo tem de inovador? Revista dos Tribunais Online, v. 262/2016.

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, 2014, v. XIV.

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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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RAMOS, Rodrigo. A tutela provisória de evidência no novo Código de Processo Civil. Dissertação – Mestrado em Direito Processual Civil – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2015.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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