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Doação: promessa inscrita no registro de imóveis

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Doação: promessa inscrita no registro de imóveis

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REVISTA FORENSE 142

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17/06/2021

Revista Forense – Volume 142
JULHO-AGOSTO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP

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NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

– A promessa de contratar, quando gera direito real, autoriza execução compulsória pela forma, específica da adjudicação judicial.

– A redação do art. 1.006, § 1º, do Cód. Civil, abarca tôdas as hipóteses de promessa “de contrahendo”, que não só as de compra e venda.

PARECER

1º Que valor se deve emprestar à escritura de promessa de doação inscrita no Registro de Imóveis?

2º Atribui a promessa de doação, em tais condições, direito real, exeqüível compulsòriamente?

3° Em caso negativo, qual a medida a adotar-se nos autos de inventário?

4° Em qualquer caso, cabe requerer ao Juízo do inventário separação de bens, para atender ao direito obrigacional resultante?

I

1. Preceitua o art. 1° da lei nº 649, de 11 de março de 1949, que

“os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais petições, desde que inscritos em qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real oponível a terceiros e lhes confere o direito de adjudicação compulsória nos têrmos dos artigos 16 desta lei e 346 do Cód. de Processo Civil”.

A lei atalhou, por essa, norma, de uma vez por tôdas, a controvérsia quanto aos efeitos obrigacionais da promessa de compra e venda de imóvel. Se o instrumento, pelo qual se estabeleceu promessa de contrato futuro, cujo objeto seja imóvel não loteado, é inscrito no Registro de Imóveis, o valor, que se lhe tem de imputar, corresponde ao de um instrumento de contrato

atual, de tal sorte que se considera definitivo, produzindo, desde o ato notarial, quanto ao direito do compromissário, os efeitos peculiares à escritura de compra e venda. Veda-se à doutrina, por mais revêssa, questionar a letra da lei, tentando represar-lhe as conseqüências.

Não se cuida mais de regra equivalente à do art. 5º do dec.-lei n° 58, de 1937, por meio da qual apenas se apercebia o compromissário de garantia contra a eventualidade de alienação ou oneração posterior: já agora, o direito é oponível, também, ao compromitente, uma vez que se faculta ao adquirente o uso da medida compulsória, prevista no art. 346 do Cód. de Proc. Civil. Nem se aproposita mais ao assunto a disposição do art. 1.006 da lei processual, reservada exclusivamente às hipóteses de declararão de vontade ainda por emitir, porquanto, nas promessas de compra e venda de imóvel, tal declaração já está expressa.

2. Indubitável é que os efeitos da regra do art. 1° da lei n° 649 se comunicam às promessas de doação.

Evidentemente, nesse diploma, por seu objeto específico, seria incabível cogitar das promessas de doar; desde, porém, que se disciplinou, por essa forma, a eficácia das promessas de compra e venda, abriu-se ensejo a reconhecê-la, na mesma latitude, às outras. Não ocorrendo, como aí não ocorre, a caso de discrepância de normas – de vez que só uma existe: a da lei nº 649 – não deparamos com uma “dúvida lógica”, senão como uma “dúvida diagnóstica” e a solução depende de apreciarmos a similaridade, afinidade ou contigüidade do caso com o outro regulado, já, na ordem jurídica.

Mais integrativa que a analogia legis, no processo lógico da interpretação, é a analogia juris: como, aqui, só esta é passível de apreciação, o critério para aferir o direito dos compromissários da doação encerra-se no brocardo de que ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio.

Com efeito, prometa-se vender, ou doar, é sempre uma promessa de contrato, que se formula; logo, a um como a outro direito, dela defluente, pois que é o mesmo direito fundamental, se há de aplicar a mesma disposição. Ora, compra e venda e doação são institutos similares, afins, ou gêmeos, porque

– constituem contrato;

– versam sôbre o direito de propriedade;

– determinam a alienação dela.

O adquirente por cumpra e o por doação exercem sôbre o objeto do contrato o mesmo direito fundamental que é um direito real; de tal jeito, as disposições legais, que assegurem, garantam ou protejam o exercício de tal direito, no tocante à primeira espécie, adequar-se-ão, forçosamente, à segunda.

Problemas como êsse impõem um “juízo de valor” e é “nas mesmas fontes, de onde deduzimos a equação dêle, que deveremos colhêr os elementos para resolvê-lo”, e, em tais condições, conforme nos observa BRUNETTI, “Scritti giuridichi varii”, 143, uma solução negativa entrará em conflito com as razões oriundas de dispositivos legais que rejam casos similares ou matérias análogas, ou dos princípios gerais do direito, la soluzione negativa urta contro ragioni desunte da disposizione che regolano caso simili o materie analoghe, o dai principi generali del diritto”.

Sem dúvida, pois, o valor atribuível à escritura de doação inscrita no Registro de Imóveis é o que se prevê no art. 859 do Código Civil, a saber:

“Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu ou transcreveu”.

II

3. Formulada em caráter irretratável, a promessa de contratar, quando (e é a hipótese que examinamos) gera direito real, autoriza execução compulsória, pela forma específica de adjudicação judicial, contra o compromitente que recalcitra.

Tornou-se impraticável, com respeito a êste assunto, a disposição do art. 1.088 do Cód. Civil, à vista do que estabeleceu, primeiro o art. 22 do dec. n° 3.079, de 1938, e, depois, a enunciarão formal e categórica do art. 1º da lei nº 649.

Ora, convindo-se, como é fôrça convir, em que a promessa de doar está sujeita ao mesmo princípio que lhes transmite a todas a virtude de gerar direito real, resta concluir que ao beneficiário da doação impede, também a faculdade legal de executá-la compulsòriamente, com o objetivo de conseguir a adjudicação judicial do direito por ela produzido.

III

4. Coerentemente, excluímos, por força de tais argumentos, a hipótese negativa, que, não obstante, a consulta entendeu de aventar.

Em todo caso – tão-só para fins de raciocínio – indicaremos que, se fôra possível retirar a essa promessa de contrahendo o poder obrigacional que atualiza o contrato ainda por firmar-se, caberia ao donatário promover a medida consubstanciada no artigo 1.006, § 2º, do Cód. de Proc. Civil, verbis:

“Nas promessas de contratar, o juiz assinará prazo ao devedor para executar a obrigação”.

Nem se faz mister acentuar que, na opinião concorde dos exegetas, a redação do texto legal, aí, abarca tôdas as hipóteses de promessa de contratar, que não só as de compra e venda.

IV

5. Se, em conformidade com a conclusão a que, por simples raciocínio, chegamos no item anterior, o interessado suscitar, no correr do inventário (cujo processo não comporta questões dependentes de prova aliunde), a execução da obrigação constante da promessa de doar, só lhe será permitido requerer ao juiz que mande reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para a solução do débito, como garantia de sua satisfação, até que se liquide na ação proposta, em tempo oportuno, contra o espólio.

Como quer que encaremos a índole da obrigação inerente à promessa de contrato futuro, obrigação existe, expressa em documento que se reveste de formalidades legais, de modo a constituir-lhe prova bastante, e, desde que não a podem impugnar com a alegação de pagamento, quadra exigi-la na forma do art. 1.796, § 1°, do Código Civil.

Rio de Janeiro, 27 de agôsto de 1951.

Sobre o autor

J. Guimarães Menegale, advogado no Distrito Federal.

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