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A Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Parte V)
Diogo Rezende de Almeida
03/02/2021
Diogo Rezende de Almeida[1]
Bruna C. Carneiro da Silveira[2]
Esta é a quinta parte do estudo sobre a reforma da Lei 11.101/2005, realizada pela Lei 14.112, no qual pretendemos apresentar as principais alterações ocorridas na sistemática dos processos de recuperação judicial e falência.[3]
Neste trabalho, propomo-nos a analisar quatro pontos: (i) a disciplina do parcelamento fiscal especificamente voltado ao devedor em recuperação judicial, (ii) as alterações promovidas na sistemática da supervisão judicial, (iii) as novas hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência e (iv) a possibilidade de financiamento de empresas em recuperação judicial e suas vantagens e desvantagens para o financiador.
Parcelamento Fiscal
A lei 11.101/05 pouco se debruçou sobre os impactos fiscais na recuperação judicial. Dedicou-se ao tema, de forma tímida, no seu artigo 68, o qual prescreve que as Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos no CTN.
A possibilidade de parcelamento da dívida do contribuinte em recuperação judicial encontra guarida legal, portanto, no art. 68 da Lei 11.101/95, 155-A, §§ 3º e 4º do CTN e 10-A da Lei 10.522/02, o qual dispõem que o empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial poderá parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas.
Apesar de uma interpretação literal da legislação conduzir à constatação de que seria mera faculdade da Fazenda Pública e do INSS a concessão do parcelamento da dívida, a jurisprudência do STJ, por meio de uma interpretação sistemática da matéria, se inclinou no sentido de que o parcelamento do crédito tributário constitui direito do devedor em recuperação judicial (Resp nº 1.187.404/MT).
Na linha da interpretação adotada pelo STJ, o legislador reformista cuidou de instituir providências especiais para o crédito tributário, conferindo-lhe um tratamento mais harmônico com a teleologia da Lei 11.101/05.
Os arts. 10-A e 10-B da Lei 14.112/20 preveem uma regulamentação minuciosa acerca do parcelamento do crédito tributário do devedor em recuperação judicial, que não é, todavia, mandatória: o devedor permanece com a opção de liquidar seus créditos tributários por meio de outra modalidade de parcelamento instituída por lei federal (§1º do art. 10-A).
De acordo com o parcelamento disciplinado na reforma, o crédito poderá ser parcelado em até 120 prestações mensais e sucessivas, correspondentes a um percentual mínimo previsto em lei (inciso V do art. 10-A).
Em relação aos débitos administrados pela Receita Federal, poderá a empresa devedora utilizar os créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para fins de liquidar até 30% da dívida consolidada no parcelamento, e, caso o devedor opte por essa modalidade, poderá proceder ao parcelamento do restante da dívida em até 84parcelas, observando os percentuais mínimos previstos em lei (inciso VI do art. 10-A).
Os requisitos para a concessão do parcelamento – seja a modalidade descrita no inciso V do art. 10-A, seja aquela descrito no inciso VI do mesmo artigo – estão descritos no §2º-A, o qual impõe que a empresa (i) forneça à Receita Federal e à PGFN todas as informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros; (ii) amortize o saldo devedor do parcelamento com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período da vigência do plano de recuperação judicial; (iii) mantenha a regularidade fiscal; e (iv) cumpra de forma regular as obrigações perante o FGTS.
Ainda que obtido o parcelamento, não haverá a liberação dos bens e dos direitos do devedor ou de seus responsáveis que tenham sido constituídos em garantia dos créditos parcelados, nos termos do §6º do art. 10-A da Lei 14.112. No entanto, à medida que as parcelas forem sendo pagas pelo devedor, pode o juiz autorizar a liberação de parte dos bens dados em garantia se ficar demonstrado que a garantia remanescente é suficiente para a satisfação do crédito em eventual inadimplemento.
Dentre as causas de exclusão da recuperanda do parcelamento, todas elencadas no §4º do art. 10-A da Lei 14112, destacam-se: (i) a falta de pagamento de seis parcelas consecutivas ou de nove parcelas alternadas; (ii) a falta de pagamento de uma até cinco parcelas, se toda as demais estiverem pagas; (iii) a constatação, pela Receita Federal ou pela PGFN de eventual ato tendente ao esvaziamento patrimonial do sujeito passivo como forma de fraudar o cumprimento do parcelamento; (iv) a decretação de falência ou extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica optante; (v) a declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica; e (vii) a extinção sem resolução do mérito ou a não concessão da recuperação judicial, bem como a convolação desta em falência.
Com o advento de qualquer das causas de exclusão da recuperanda do parcelamento (com exceção daquelas descritas nos incisos IV e VII), nasce, para a Fazenda Pública, a faculdade de requerer a convolação da recuperação judicial em falência, conforme preceitua o §4º, IV, do art. 10-A. Trata-se de relevante modificação do sistema atual, a qual contraria a atual jurisprudência do STJ no sentido da ilegitimidade da Fazenda Pública para o requerimento da falência da empresa (REsp 164.389/MG).
Supervisão Judicial
Além de regulamentar, com maior detalhamento, o parcelamento fiscal do crédito tributário devido pelo empresário em recuperação judicial, a reforma da Lei 11.101/05 promoveu significativa modificação no que tange ao período de supervisão judicial.
Na sistemática anterior, a lei previa, no seu art. 61, que a partir da decisão homologatória do plano de recuperação judicial, o devedor permaneceria em recuperação judicial até que se cumprissem todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial. Apenas após o transcurso do biênio de supervisão judicial, o juiz declararia definitivamente encerrada a Recuperação Judicial.
Com a reforma, a redação do art. 61 foi modificada, de modo que a imposição, ou não, de um biênio no qual o devedor ficará sob supervisão judicial, decorrerá da discricionariedade do juiz, que “poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.”
Pela leitura do novo art. 61, a recuperação judicial poderá ser encerrada antes do prazo de 2 anos, contados da concessão da recuperação judicial, que constituirá um limite temporal à supervisão judicial, e não mais uma exigência.
Ademais, vê-se que a parte final da nova redação do art. 61 cuidou de sanar antiga controvérsia acerca do termo inicial do prazo de supervisão judicial, de modo que, independentemente da existência de prazo de carência previsto no plano de recuperação, o cômputo do biênio de eventual supervisão judicial se iniciará quando da concessão da recuperação judicial.
Novas hipóteses de convolação da RJ em falência
A disciplina das hipóteses da convolação da recuperação judicial em falência está prevista no art. 73, o qual dispunha, antes da reforma, que o juiz decretaria a falência durante o processo de recuperação judicial: (i) por deliberação da assembleia geral de credores, na forma do art. 42; (ii) pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 da; (iii) quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4o do art. 56 ; e (iv) por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do art. 61.
Foram três as modificações substanciais promovidas pela reforma, quais sejam: a alteração da redação do inciso III e o acréscimo de dois incisos, que instituem duas novas hipóteses da convolação da recuperação judicial em falência.
Quanto à primeira modificação, o legislador cuidou de contemplar, nas hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência, a novidade trazida pela reforma no sentido de se admitir que os credores elaborem um plano de recuperação judicial alternativo. Assim, acaso seja rejeitado o plano de recuperação elaborado pelos devedores, a recuperação será convolada em falência somente se (i) ausentes as condições de votação do plano de recuperação judicial ofertado pelos credores; ou (ii) se o plano elaborado pelos credores for rejeitado.
Em relação à segunda modificação, a reforma inseriu, no art. 73, o inciso V, o qual estipula que, caso o devedor descumpra o parcelamento fiscal ou a transação firmada com o Fisco, será convertida a recuperação judicial em falência. Quanto a essa hipótese, uma análise do citado inciso em conjunto com a disposição contida no §4º do art. 10-A, conduz à interpretação no sentido de que não é qualquer descumprimento do parcelamento que ensejará a convolação em falência, mas apenas aquelas que redundam na exclusão do devedor do parcelamento, as quais foram descritas no primeiro tópico desta exposição.
Por fim, no art. 73, do inciso VI, a reforma passou a prever a convolação da recuperação judicial em falência se identificado o esvaziamento patrimonial do devedor, que implique na liquidação substancial da empresa, em prejuízo aos credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas.
Com o objetivo de facilitar a atividade do intérprete, o legislador reformista dispôs acerca do conceito da liquidação substancial a que se refere o inciso VI, prevendo, no §3º do art. 73, que se considera substancial a liquidação quando não forem reservados bens, direitos ou projeção de fluxo de caixa futuro suficientes à manutenção da atividade econômica para fins de cumprimento de suas obrigações.
Em reforço ao disposto no art. 73, parágrafo único, a nova hipótese de convolação evidencia a necessidade de o devedor se planejar não só para o pagamento dos créditos novados pelo plano de recuperação judicial, mas também para o pagamento dos créditos extraconcursais, sob pena de possibilidade de decretação da quebra.
A possibilidade de financiamento de empresa em RJ e suas vantagens e desvantagens para o financiador
O financiamento da empresa devedora durante o curso da recuperação judicial, apesar de consistir em um dos mecanismos mais importantes para a superação da situação de crise econômico-financeira da recuperanda, não recebia tantos estímulos pela redação original da Lei 11.101/05.
Limitava-se o legislador a dispor que o financiamento contraído pelo devedor durante a recuperação teria o caráter de crédito extraconcursal e ocuparia a quinta (e última) posição na ordem de preferência dessa modalidade de crédito em caso de falência (art. 67, caput e 84, V). Na tentativa de oferecer algum incentivo aos financiadores, a lei conferia singela vantagem aos fornecedores de bens e serviços que continuassem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, garantindo que os seus créditos quirografários que se sujeitassem à recuperação judicial tivessem privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência (art. 67, parágrafo único).
Contudo, o legislador reformista instituiu normas voltadas a conferir ao financiador (que pode ser qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor, conforme dicção expressa do art. 69-E) maior segurança jurídica, o que facilita, consequentemente, a obtenção de crédito pela recuperanda.
Houve relevante modificação no art. 84, de modo que, se na redação anterior da lei, o crédito do financiador ocupava o quinto lugar na ordem de preferência de créditos extraconcursais em caso de quebra, passou a preferir a todos os créditos extraconcursais, exceto aqueles previstos no art. 150 (despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência) e 151 (créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência).
Além disso, a nova Lei conta com uma seção específica voltada à regulamentação dos financiamentos eventualmente obtidos pelo devedor durante a recuperação judicial (Seção IV-A).
Dispõem os arts. 69-A e 69-B que a autorização judicial para celebração dos contratos de financiamento com o devedor será precedida de oitiva do Comitê dos Credores, e que a modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua natureza extraconcursal, tampouco as garantias outorgadas pelo devedor em favor do financiador de boa-fé, na hipótese de o desembolso dos recursos já ter sido efetivado.
Ademais, o legislador também permite que o juiz autorize a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador, podendo dispensar a anuência do detentor da garantia original (art. 69-C).
Assim, numa perspectiva comparativa, a reforma trouxe vantagens significativas ao credor do financiamento, cujo crédito foi alçado a uma posição de maior vantagem na ordem de preferência.
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No próximo artigo, serão abordadas as novidades introduzidas na sistemática da recuperação extrajudicial e examinados os reflexos processuais decorrentes da reforma.
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[1]Professor de Direito Processual da FGV Direito Rio. Doutor e Mestre em Direito Processual pela UERJ. Advogado.
[2]Bacharel em Direito pela PUC-Rio. Advogada.
[3]Os demais textos do estudo podem ser acessados em https://blog.grupogen.com.br/juridico/diogoalmeida/.