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DICAS
DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS
LANÇAMENTOS
Estado atual do controle de convencionalidade
Valerio Mazzuoli
11/12/2020
O controle de convencionalidade das leis é instituto cada vez mais em voga no Brasil e tem sido prioritariamente exercido pelo Poder Judiciário. O seu exercício decorre do exame de compatibilidade vertical material das normas do direito interno com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil. Tais tratados, portanto, são paradigma de controle tanto da produção normativa doméstica (elaboração das leis) quanto da aplicação das normas vigentes no Estado, razão pela qual guardam nível hierárquico superior ao das leis no direito brasileiro.
Não há que se falar, por sua vez, em controle de convencionalidade para a compatibilização de leis internas com costumes internacionais, princípios gerais de direito ou atos de organizações internacionais, pois convencionalidade conota o exame de compatibilidade vertical material das normas domésticas tão somente com tratados (convenções, daí o neologismo) internacionais de direitos humanos. A compatibilização de leis com costumes internacionais, princípios gerais de direito ou atos de organizações internacionais se faz por respeito à superioridade do direito internacional frente ao direito interno, sem a mecânica própria – interna, primária, e internacional, secundária – do controle de convencionalidade e, na maioria das vezes, sem a observância de princípios dialógicos (v.g., pro homine) de prevalência indistinta de uma ordem (internacional) sobre a outra (interna).
O exame de compatibilidade vertical material que o Poder Judiciário realiza na aplicação das normas internas tendo como paradigmas os tratados de direitos humanos em vigor no Brasil – é dizer, o controle de convencionalidade das leis – decorre da jurisprudência consolidada da Corte IDH, cujas origens remontam ao ano de 2006, no julgamento do caso Almonacid Arellano e Outros vs. Chile. Naquela ocasião, a Corte IDH assentou que cabe ao Poder Judiciário dos Estados o exercício primário do controle de convencionalidade entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e os tratados de direitos humanos em vigor, para o que deve levar em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana de 1969.
Frise-se ter sido esse julgamento o que inaugurou formalmente a doutrina do controle interno de convencionalidade no continente americano. Foi, também, a decisão a partir da qual se verificou ser intenção da Corte IDH que o controle difuso de convencionalidade seja reconhecido como tema de ordem pública internacional. Os juízes e tribunais internos, a partir da decisão do caso Almonacid Arellano, viram-se empoderados com a missão de aplicar – junto à Constituição e também às leis do Estado – os tratados de direitos humanos em detrimento das normas domésticas, quando mais benéficos aos direitos em jogo em cada caso concreto.
Pouco tempo depois (em novembro de 2006) voltou a Corte IDH a se referir ao controle de convencionalidade das leis, no caso Trabalhadores Demitidos do Congresso vs. Peru, reforçando o seu entendimento anterior e destacando, também, algumas especificidades desse controle, dentre as quais a de caber ao Poder Judiciário controlar ex officio a convencionalidade das normas internas, no âmbito de suas respectivas competências e dos regulamentos processuais correspondentes. A tese exarada pela Corte IDH sobre o tema foi a seguinte:
Quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que o efeito útil da Convenção não se veja diminuído ou anulado pela aplicação de leis contrárias às suas disposições, objeto e fim. Em outras palavras, os órgãos do Poder Judiciário devem exercer não somente um controle de constitucionalidade, senão também ‘de convencionalidade’ ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no âmbito de suas respectivas competências e dos regulamentos processuais correspondentes. Esta função não deve se limitar exclusivamente às manifestações ou atos dos postulantes em cada caso concreto (…).
Perceba-se, no caso, a redação imperativa da Corte, no sentido de ser um dever do Poder Judiciário interno controlar a convencionalidade de suas leis em face dos tratados internacionais de direitos humanos. Ademais, pela frase derradeira do trecho citado do caso Almonacid Arellano e Outros vs Chile – de que o Poder Judiciário “deve ter em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana” – fica claro que o controle de convencionalidade exercido pelos juízes e tribunais nacionais deverá pautar-se também pelos padrões estabelecidos pela “intérprete última” da Convenção, quando o tratado-paradigma for a Convenção Americana.
Tal encontra reflexo no chamado controle difuso de convencionalidade, pois, se a Corte IDH (repita-se: a “intérprete última” da Convenção) não limita dito controle a um pedido expresso das partes em um caso concreto, e se, ao seu turno, os juízes e tribunais locais devem levar em conta a interpretação que do tratado faz a Corte Interamericana, tal significa que o Poder Judiciário interno não deve se prender à solicitação das partes, senão controlar a convencionalidade das leis ex officio, sempre que estiver diante de um caso concreto cuja solução possa ser encontrada em tratado internacional de direitos humanos de que o Estado é parte: iura novit curia.
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Este livro – pioneiro em toda a literatura latino-americana – investiga com profundidade o mecanismo de exame de convencionalidade pelo Ministério Público, quer quando age de ofício, quer quando atua por provocação. A obra desce a fundo nos meandros possíveis de atuação do Ministério Público relativos à aplicação de tratados internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil, despertando uma nova vocação ministerial – ainda não aflorada em nosso País – de defensor de uma ordem jurídica ampliada e, sobretudo, internacionalizada.
A obra é fruto de um extenso trabalho conjunto, cujas discussões tiveram início em ambiente acadêmico e perduram até hoje. Sua finalidade é fazer compreender todas as múltiplas possibilidades que tem o Ministério Público de atuar relativamente às normas de direitos humanos em vigor no Brasil, tornando-se instituição cada vez mais apta a lidar com todas essas questões.
O livro investiga, primeiramente, o estado da arte da aplicação das normas internacionais de direitos humanos no Brasil e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos a esse respeito. Num segundo momento, a obra aprofunda todas as hipóteses em que o Ministério Público afere a convencionalidade das leis, é dizer, verifica a compatibilidade das normas internas tendo como paradigmas os tratados de direitos humanos, sem, contudo, resolver a questão jurídica propriamente dita.
No capítulo derradeiro, o livro investiga os casos em que o Ministério Público propriamente controla a convencionalidade das leis, resolvendo os temas postos à sua apreciação a título de vontade do Estado. Os casos julgados contra o Brasil pela Corte Interamericana foram devidamente estudados, revelando que a falta de devido exame de convencionalidade interno – pela não persecução penal de crimes graves contra os direitos humanos das vítimas – foi a responsável pelas condenações internacionais. Pelo pioneirismo e profundidade técnica, esta é obra que não pode faltar à mão dos membros do Ministério Público, Magistrados, Defensores Públicos, Advogados, agentes da segurança pública e estudantes de Direito, merecendo lugar de destaque nas melhores bibliotecas jurídicas do País.
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