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PROCESSO PENAL
Fraudes bancárias digitais: quem investiga, julga e processa o crime virtual?
Joaquim Leitão Júnior
03/11/2020
Com advento do Pacote Anticrime, o estelionato[1] que já vinha sendo um grande trunfo da criminalidade organizada, acabou ganhando mais este reforço legislativo de doses cavalares rumo à impunidade, pois agora via de regra será reputado como crime, cuja ação penal (inclusive de cunho persecutório penal na fase investigativa) depende de representação da vítima – o que de certa forma vai fomentar a impunidade, porquanto não raras vezes as vítimas envergonhadas de possíveis ardis e artifícios que caíram, tenderão não buscar mais a tutela penal. Todavia, deixando de lado esta constatação que não é objeto central do tema, devemos nos ater a problemática que se circunscreve e gravita em torno da atribuição para investigar e competência para julgar e processar o crime de estelionato praticado com uso de bancos digitais.
Antes de adentrarmos, porém, é necessária uma breve divagação sobre o tema.
O tipo penal abrigado no art. 171[2], caput, conjugado com, o art. 14, inciso I, todos do Código Penal em vigor, se apresenta da seguinte maneira:
“CAPÍTULO VI
DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES
Estelionato
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
A atribuição constitucional da Polícia Judiciária Civil se dá por forma de exclusão, ou seja, o que não for competência [sic] (onde preferimos a expressão atribuição) da União ou Militar será da Polícia Judiciária Civil, consoante se vislumbra do § 4º, da Carta Magna:
“Art. 144. […]
§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
A atribuição investigatória pode coincidir ou não com a competência jurisdicional (acepção técnica), onde quem detém esta última é o Poder Judiciário, encarregado da atividade judicante ou jurisdicional.
O art. 4º, do Código de Processo Penal apregoa que:
“Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas jurisdições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.
Sabe-se que a competência no processo penal se dá em lugar da infração penal, porém, além desta regra existem outros critérios para orientar competência. Nesta diretiva, o art. 69, da Lei Processual Penal reza que:
DA COMPETÊNCIA
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração:
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função. [destaque nosso]
Em reforço ao entendimento esposado, o art. 70, e seguintes do Código Adjetivo Penal preceitua que:
CAPÍTULO I
DA COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. [grifo nosso]
Por derradeiro, embora não seja aplicável no caso em apreço, mas a título e reforço de argumentação de cunho legal, impende trazer à baila a inteligência do art. 109, do Código de Processo Penal.
“Art. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior”.
Dando sequência, a doutrina processual penal do festejado advogado e doutrinador, Aury Lopes Junior, leciona que:
“Com relação à competência em razão do lugar, ao compreendermos que a jurisdição é uma garantia, não pode ela ser esvaziada com a classificação civilista de que é “relativa”. Ou seja, a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar. Assim, também consideramos a competência, em razão do lugar, absoluta.
Contudo, até por honestidade acadêmica, destacamos que não é essa a posição majoritária na jurisprudência brasileira. Predomina a noção civilista de que a competência, em razão do lugar do crime, é relativa. Desde a mera leitura do CPP, defendem que a incompetência em razão do lugar do crime deve ser arguida pelo réu no primeiro momento em que falar no processo, sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juiz (prorrogatio fori).
O julgador, que inicialmente era incompetente em razão do lugar, adquire competência pela preclusão da via impugnativa. Somente o réu pode alegar a incompetência em razão do lugar, pois o Ministério Público, ao eleger o local onde ofereceu a denúncia, fez sua opção e, portanto, preclusa a via para ele.
Contudo, ao contrário de alguma doutrina que não descola das categorias do processo civil, pensamos que a incompetência em razão do lugar pode também ser conhecida pelo juiz de ofício. Isso porque o art. 109 do CPP não faz nenhuma restrição, todo oposto:” [Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012, página 473. Processo penal – Brasil I. Título. II. Série].
Vicente Greco Filho também fazendo alusão sobre a competência em relação ao estelionato teceu o seguinte comentário:
“Algumas situações, ainda, merecem explicação. Em se tratando de estelionato, em sua figura fundamental, é competente o foro do lugar em que ocorreu o prejuízo e não o do lugar das manobras fraudulentas”. (Manual de processo penal / Vicente Greco Filho. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, página 163)
O juiz federal, Márcio André Lopes Cavalcante, sobre o estelionato aborda o seguinte:
Quem será competente para processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Brasília (onde foi feito o depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o dinheiro foi recebido)?
O juízo da comarca de São Paulo.
Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.
No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta.
STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.
STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).
Não confundir:
estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local onde a vítima possui a conta bancária.
Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ:
Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.
estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.
Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado em sua conta.
Nesse sentido:
(…) 1. A jurisprudência da Terceira Seção desta Corte tem oscilado na solução dos conflitos que versam acerca de crime de estelionato no qual a vítima é induzida a efetuar depósito ou transferência bancária em prol de conta bancária do beneficiário da fraude.
2.Deve prevalecer a orientação que estabelece diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante cheque adulterado ou falsificado (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou transferência bancária).
3. Se o crime de estelionato só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário do crime.
4. No caso, considerando que a vantagem indevida foi auferida mediante o depósito em contas bancárias situadas em São Paulo/SP, a competência deverá ser declarada em favor daquele Juízo (suscitado). (…)
STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.
(…) nas hipóteses de estelionato no qual a vítima efetua pagamento ao autor do delito por meio de cheque, a competência para a apuração do delito é do Juízo do local da agência bancária da vítima, porque a consumação se dá quando o cheque é descontado pelo banco sacado. Já no caso de a vítima ter feito o pagamento mediante depósito bancário em dinheiro, como ocorreu no caso concreto, a jurisprudência firmada nessa Corte entende que o delito consuma-se no local onde verificada a obtenção da vantagem indevida, ou seja, no momento em que o valor entra na esfera de disponibilidade do autor do crime. (…)
STJ. 3ª Seção. CC 161.881/CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019.
Cuidado com o Jurisprudência em Teses
A tese 9 do Jurisprudência em Teses nº 84 do STJ afirma o seguinte:
9) O delito de estelionato é consumado no local em que se verifica o prejuízo à vítima.
Cuidado porque essa tese não pode ser tomada de forma absoluta e não se aplica, por exemplo, para a hipótese acima explicada. Assim, no caso de estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária (CAVALCANTE, 2020, online).
Da oscilação da posição dos Tribunais Superiores sobre a competência para o crime de estelionato
O Superior Tribunal de Justiça possuía até então vastos precedentes, dando conta de que a competência no crime de estelionato se dá no local da obtenção da vantagem indevida, o que corroborava e coincidiria com a atribuição investigatória. Portanto, a regra consolidada processualmente, doutrinariamente e jurisprudencialmente (STJ e STF), era de que o delito de estelionato sem uso de conta bancária da vítima, consuma-se no local em que ocorre da obtenção da vantagem ilícita, ou seja, onde ocorre o efetivo prejuízo à vítima.
A situação ganha maior preocupação quando analisamos as multiplicações incontáveis de fraudes virtuais durante a pandemia do Covid-19.
Neste sentido, vejam-se os julgados da Corte da Cidadania sobre o local da ocorrência do crime de estelionato (local do efetivo dano/prejuízo da vítima=obtenção da vantagem ilícita):
STJ – CONFLITO DE COMPETENCIA CC 126781 CE 2013/0039547-8 (STJ)
Data de publicação: 17/04/2013
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE ESTELIONATO.CONSUMAÇÃO. LOCAL DO EFETIVO PREJUÍZO À VÍTIMA. BANCO SACADO. 1. Nos termos do art. 70 do CPP , a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração. 2. O estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP , consuma-se onde ocorreu o efetivo dano à vítima. […].
STJ – CONFLITO DE COMPETENCIA CC 126574 CE 2013/0022928-3 (STJ)
Data de publicação: 17/04/2013
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE ESTELIONATO. CONSUMAÇÃO. LOCAL DO EFETIVO PREJUÍZO À VÍTIMA. BANCO SACADO. 1. Nos termos do art. 70 do CPP , a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração. 2. O estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se onde ocorreu o efetivo dano à vítima. In casu, o efetivo dano se deu no local onde foi obtida a vantagem ilícita, ou seja, na agência bancária onde foi depositado o cheque adulterado, e onde a vítima possuía a conta bancária, localizada em Maringá/PR. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara Criminal de Maringá – SJ/PR , o suscitado.
STJ – CONFLITO DE COMPETENCIA CC 119320 DF 2011/0240641-0 (STJ)
Data de publicação: 22/03/2012
Ementa: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. ESTELIONATO.CONSUMAÇÃO NO LUGAR DAOBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. 1. Nos termos do art. 70 do CPP , a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração. O estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP , consuma-se onde ocorreu o efetivo dano à vítima. 2. No caso, o efetivo dano se deu no local onde foi obtida a vantagem ilícita. […].
STJ – CONFLITO DE COMPETENCIA CC 116493 ES 2011/0067890-1 (STJ)
Data de publicação: 02/06/2011
Ementa: PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZOSFEDERAIS. CRIME DE ESTELIONATO.CONSUMAÇÃO. EFETIVO PREJUÍZO ÀVÍTIMA. BANCO SACADO. 1. “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.” ( Código de Processo Penal ,artigo 70). 2. O estelionato, tipificado no artigo 171, caput, do Código Penal, se consuma onde ocorreu o efetivo prejuízo à vítima. In casu, o efetivo dano se deu na agência onde a vítima/cliente possuía conta, ou seja, o banco sacado. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ªVara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Espírito Santo, ora suscitante.
Encontrado em: PENAL CP-40 LEG:FED DEL: 002848 ANO:1940 ART : 00171 CÓDIGO PENAL ESTELIONATO – CONSUMAÇÃO
STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1055960 RS 2008/0097582-1 (STJ)
Data de publicação: 15/06/2009
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO.CONSUMAÇÃO.OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA. NÃO-OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 14 , INCISO II , DO CÓDIGO PENAL . 1. Inexistindo qualquer fundamento apto a afastar as razões consideradas no julgado ora agravado, deve ser a decisão mantida por seus próprios fundamentos. 2. O crime de estelionato se consuma com a obtenção da vantagem ilícita, nos termos do art. 171 do Código Penal . 3. Agravo regimental desprovido
STJ – RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS RHC 17106 BA 2004/0183527-0 (STJ)
Data de publicação: 22/04/2008
Ementa: RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ESTELIONATO.CONSUMAÇÃO. RESSARCIMENTO DO PREJUÍZO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA. 1. “O delito de estelionatoconsuma–se com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio. Desde que o sujeito ativo desfrute, durante algum tempo, da vantagem indevida, em prejuízo alheio, consuma-se o crime, que não desaparece pelo ressarcimento do dano.” (STF, RT 605/422). 2. Recurso improvido
“DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO E FORO COMPETENTE PARA PROCESSAR A PERSECUÇÃO PENAL.
Compete ao juízo do foro onde se encontra localizada a agência bancária por meio da qual o suposto estelionatário recebeu o proveito do crime – e não ao juízo do foro em que está situada a agência na qual a vítima possui conta bancária – processar a persecução penal instaurada para apurar crime de estelionato no qual a vítima teria sido induzida a depositar determinada quantia na conta pessoal do agente do delito. Com efeito, a competência é definida pelo lugar em que se consuma a infração, nos termos do art. 70 do CPP. Dessa forma, cuidando-se de crime de estelionato, tem-se que a consumação se dá no momento da obtenção da vantagem indevida, ou seja, no momento em que o valor é depositado na conta corrente do autor do delito, passando, portanto, à sua disponibilidade. Note-se que o prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não propriamente à conduta. De fato, o núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. No caso em apreço, tendo a vantagem indevida sido depositada em conta corrente de agência bancária situada em localidade diversa daquela onde a vítima possui conta bancária, tem-se que naquela houve a consumação do delito (CC 139.800-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/6/2015, DJe 1º/7/2015).
Contudo, calha asseverar que, infelizmente os Tribunais Superiores não têm prestigiado à segurança jurídica, decidindo a cada momento de uma maneira no que se refere ao local para investigar, processar e julgar as obtenções das vantagens indevidas e os prejuízos alheios causados à(s) vítima(s) dos crimes de estelionatos.
Assim, quando a hipotética prática de estelionato envolver conta bancária de titularidade da vítima, a competência (tecnicamente na esfera policial: circunscrição) será no local da agência em que a conta está atrelada, ou seja, na localidade da agência onde a vítima possuía a conta bancária, em prestígio a distinção também criada pela jurisprudência do STJ mais recente. Nessa direção, há posições também diametralmente opostas das citadas acima do próprio Superior Tribunal de Justiça, acerca da temática. Nestas decisões, a competência/atribuição para julgar estelionato foi discutida no caso em que o crime em tela se desse mediante depósito ou transferência bancária – no qual se levou em consideração o local da agência beneficiária do depósito ou transferência bancária (local onde se situa a agência que recebeu a vantagem indevida) -, ou seja, o estelionato e a competência/atribuição se daria no caso em que o prejuízo ocorreu em local diferente da obtenção da vantagem:
Ementa Oficial
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. DISSENSO ACERCA DO LOCAL DA CONSUMAÇÃO NA HIPÓTESE DE TRANSFERÊNCIA OU DEPÓSITO BANCÁRIO. DIVERGÊNCIA VERIFICADA ENTRE PRECEDENTES RECENTES DA TERCEIRA SEÇÃO. EQUACIONAMENTO DO TEMA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DA AGÊNCIA BENEFICIÁRIA DO DEPÓSITO.
1. A jurisprudência da Terceira Seção desta Corte tem oscilado na solução dos conflitos que versam acerca de crime de estelionato no qual a vítima é induzida a efetuar depósito ou transferência bancária em prol de conta bancária do beneficiário da fraude.
2. Deve prevalecer a orientação que estabelece diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante cheque adulterado ou falsificado (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou transferência bancária).
3. Se o crime de estelionato só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário do crime.
4. No caso, considerando que a vantagem indevida foi auferida mediante o depósito em contas bancárias situadas em São Paulo/SP, a competência deverá ser declarada em favor daquele Juízo (suscitado).
5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Foro Central Criminal da Barra Funda (DIPO 4) da comarca de São Paulo/SP, o suscitado.
(CC 169.053/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 19/12/2019).
O Supremo Tribunal Federal também possui o entendimento de que inclusive no estelionato, envolvendo conta bancária, a situação de circunscrição e competência seria do local de onde o dinheiro foi obtido/recepcionado (local da obtenção da vantagem ilícita) e não de onde a conta bancária é mantida:
Estelionato cometido por meio de saque em conta bancária, mediante uso de senha e de cartão magnético: competência do local onde o dinheiro foi retirado e não do lugar onde a conta é mantida (STF, HC 78.969-AM, Primeira Turma, Rel. Sydney Sanches, p. 55).
Na mesma senda é o precedente do STF, RT 605/422.
“Ad argumentandum tantum”, também se tem o verbete inserto na Súmula nº 521, do Supremo Tribunal Federal que, embora não se refira em específico sobre o cerne da discussão, serve de norte na tarefa de interpretação do intérprete, porquanto o espírito da exegese de cunho interpretativo é o mesmo, qual seja, do local da obtenção da vantagem indevida e prejuízo. Nesse viés, confira a indigitada súmula:
“SÚMULA 521
O FORO COMPETENTE PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES DE ESTELIONATO, SOB A MODALIDADE DA EMISSÃO DOLOSA DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS, É O DO LOCAL ONDE SE DEU A RECUSA DO PAGAMENTO PELO SACADO”.
Por sua vez, a Súmula nº 244 do Superior Tribunal de Justiça que também serve de norte na tarefa de interpretação do intérprete reverbera que:
“Súmulas do STJ 244. Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos”.
Repetindo-se novamente o espírito interpretativo, no caso de crime de estelionato praticado mediante falsificação de cheque, a Súmula nº 48, do Superior Tribunal de Justiça determina como competente o “juízo do local da obtenção da vantagem ilícita”.
Da atribuição para investigar e competência para julgar e processar o crime virtual de estelionato (fraudes bancárias na internet) praticado com uso de bancos puramente ou totalmente digitais
Aqui reside o cerne de discussão do artigo, em buscarmos justamente respostas técnicas para definir à atribuição de investigar e competência para julgar e processar o crime virtual de estelionato (fraudes bancárias na internet) praticado com uso de bancos puramente ou totalmente digitais.
Grande parcela de bancos consolidado no mercado possuem sedes e filiais físicas, entretanto, é cediço que muitos dos bancos digitais atualmente não possuem filiais e nem sede física (por serem bancos puramente ou totalmente digitais) e isto traz uma problemática, qual seja, como avaliar a questão do local com atribuição para proceder as investigações no caso de fraudes bancárias virtuais, em face de vítimas correntistas de bancos digitais?
Como fica o lugar para promover o processamento e julgamento (competência jurisdicional) de fraudes bancárias virtuais, em face de vítimas correntistas de bancos digitais?
Nestas situações, geralmente, quando se consegue rastrear alguma conta de titularidade de investigado, acaba por recair naquela conta destinada ao aporte dos valores ilícitos. Nestas situações, a solução para definir a circunscrição de investigação e competência para processar e julgar, em nosso pensar, continuaria sendo do local da obtenção da vantagem ilícita, com adição do ingrediente jurisprudencial que poderá sofrer oscilação quanto à conta da vítima ou conta do estelionatário – já enfrentada em tópico anterior.
Todavia, há situações destas contas puramente digitais que não é possível sequer especificar o local em que se deu a obtenção da vantagem por esta evolução tecnológica bancária virtual.
O delegado de polícia, Bruno Gilaberte, o único doutrinador e jurista a tratar disto até o momento no âmbito doutrinário ensina que:
“[…] O panorama se torna complexo quando adicionamos à equação as contas bancárias puramente virtuais (os chamados bancos digitais). Há instituições financeiras que não possuem agências físicas, de modo que não é possível afirmar onde se situa a conta creditada. Se a vítima de uma fraude transfere recursos de sua conta bancária para uma agência virtual, onde fica a conta de titularidade do estelionatário, o crime continua se consumando com a obtenção da vantagem. Todavia, não é possível especificar o local em que se deu a obtenção da vantagem. Parece-nos que, nessa hipótese, ainda muito recente e determinada pela evolução tecnológica, a fixação da competência se dará de acordo com o preceituado no artigo 72 do Código de Processo Penal (domicílio ou residência do réu, de acordo com o caput, ou caso não se saiba onde se situa a moradia do réu, pela prevenção consoante dispõe o § 2º)(GILABERTE, 2020, p. 285) .
A par das explanações, o inteiro teor do art. 72, do CPP, propala que:
“Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.
§1º Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção.
§2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato”.
Encampando o posicionamento doutrinário supra do delegado de polícia, Dr. Bruno Gilaberte, pensamos ser uma saída viável sob o ponto de vista técnico-jurídico de que a fixação de atribuição de investigar e competência para julgar e processar o crime virtual de estelionato (fraudes bancárias na internet) praticado com uso de bancos puramente digitais se deem em conformidade com a inteligência do artigo 72 do Código de Processo Penal, qual seja, o local do domicílio ou residência do réu (de acordo com o caput), ou na hipótese de não se saber onde se situa a moradia do investigado (réu), pela prevenção (art. 72, § 2º, do Código de Processo Penal), porquanto se harmoniza com as diretrizes do art. 69, do Código de Processo Penal. A propósito, o art. 69, da Lei Processual Penal fixa que:
DA COMPETÊNCIA
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração:
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função. [destaque nosso]
Das considerações finais
Por todo exposto, sob oponto de vista técnico-jurídico entendemos que a fixação de atribuição de investigar e competência para julgar e processar o crime virtual de estelionato (fraudes bancárias na internet) praticado com uso de bancos puramente ou totalmente digitais se darão em conformidade com a inteligência do artigo 72 do Código de Processo Penal, qual seja, o local do domicílio ou residência do réu (de acordo com o caput), ou na hipótese de não se saber onde se situa a moradia do investigado (réu), pela prevenção (art. 72, § 2º, do Código de Processo Penal), porquanto se harmonizam com as diretrizes do art. 69, do Código de Processo Penal.
Referências Bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial: dos crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. – 8. ed. rev. e ampl. –São Paulo : Saraiva, 2012.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é do local da agência beneficiária do depósito ou transferência bancária (local onde se situa a agência que recebeu a vantagem indevida). Publicado em 26 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2020/02/a-competencia-para-julgar-estelionato.html. Acesso em 18 de outubro de 2020.
GILABERTE, Bruno. Crimes contra o patrimônio. 2ª Edição – Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2020.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 9. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.
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[1] § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I – a Administração Pública, direta ou indireta; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II – criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) III – pessoa com deficiência mental; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
[2] O doutrinador, Cezar Roberto Bitencourt, assevera que: “A ação tipificada é obter vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. A característica fundamental do estelionato é a fraude, utilizada pelo agente para induzir ou manter a vítima em erro, com a finalidade de obter vantagem patrimonial ilícita.No estelionato, há dupla relação causal: primeiro, a vítima é enganada mediante fraude, sendo esta a causa e o engano o efeito; segundo, nova relação causal entre o erro, como causa, e a obtenção de vantagem ilícita e o respectivo prejuízo, como efeito. Na verdade, é indispensável que a vantagem obtida, além de ilícita, decorra de erro produzido pelo agente, isto é, que aquela seja consequência deste. Não basta a existência do erro decorrente da fraude, sendo necessário que da ação resulte vantagem ilícita e prejuízo patrimonial. Ademais, à vantagem ilícita deve corresponder um prejuízo alheiodo enganado ou de terceiro)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial: dos crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. p. 667-668).