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Construir pontes para a integração
Paulo de Bessa Antunes
26/08/2020
Já se disse que um dos maiores dos erros que se pode cometer é achar que repetindo medidas erradas e velhas, podemos alcançar resultados novos e melhores. A pandemia da COVID-19 tornou muito claras determinadas situações enfrentadas pela comunidade internacional, descortinando uma grave crise humanitária, conforme observado por editorial do conceituado jornal médico The Lancet. [1]
Questões como a imigração forçada em razão de guerras, secas, desertificação e violência têm feito com que cresça a xenofobia e a aversão aos estrangeiros, sobretudo nos países mais ricos que, naturalmente, tendem a atrair mais imigrantes. Afirma-se que a imigração diminui os empregos dos nativos, prejudicando os nacionais dos países que aceitam imigrantes. Se olharmos para as estatísticas, veremos que as coisas não são bem assim. Em 2019, a taxa de emprego nos 27 países da União Europeia [EU] indicou que entre as pessoas com idade variando de 20 a 64 anos, o emprego de pessoas nascidas fora da EU era de 64, 4% ; de 73,9% entre a população nativa de cada país e de 75,3% entre os cidadãos da EU que tinham nascido em outro estado membro, diferentes dos que residiam.[2]
A força de trabalho dos imigrantes é fundamental na EU na atualidade. Recentes pesquisas demonstram que 14,5% dos profissionais da educação são imigrantes; 11,9% dos trabalhadores agrícolas especializados; dos cientistas e engenheiros, o percentual é de 11,1%; 10, 3 % dos cuidadores também são imigrantes e, por fim, 9,9% dos profissionais de limpeza têm origem estrangeira.[3] A integração dos imigrantes é uma das metas da Agenda 2030 estabelecidas pela ONU[4], sendo um fator chave do desenvolvimento sustentável.
Infelizmente, a Humanidade, ao longo de sua História esteve mais preocupada em separar do que em integrar. Como sabemos, o “fim do Império Romano” (fronteira norte) era na Inglaterra (Britânia), onde um muro separava a “civilização” romana dos “bárbaros” escoceses[5]. A Muralha de Adriano teve a sua construção iniciada em 122 AD e foi concluída em 126 AD, não tendo sido capaz de impedir a imigração, trocas culturais e a integração econômica.
A Grande Muralha da China é outro muro importante da História, construído para proteger o “império do centro” das invasões de povos nômades que vinham do norte, é uma construção grandiosa que, todavia, não evitou que a China sofresse a influência de outros povos e que diferentes graus de integração e transformações sociais e étnicas ocorressem no grande império. O muro mais tristemente conhecido é o já derrubado muro de Berlim que foi construído pelas autoridades da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), com vistas a impedir que a população alemã-oriental abandonasse o “paraíso socialista” em direção ao “inferno capitalista”. É relevante observar que” de acordo com pesquisas do Museu do Muro no Checkpoint Charlie, entre 1945 e 1989, pelo menos 1.393 homens e mulheres perderam a vida entre as Alemanha Ocidental e Oriental. Essa cifra ainda estaria sujeita a correções, já que “as pesquisas continuam”, segundo afirmou Alexandra Hildebrandt, diretora e proprietária do museu localizado no antigo posto de fronteira das forças aliadas Checkpoint Charlie, no centro de Berlim. “[6]
Apesar do evidente fracasso dos muros como instrumento de política econômica, de segurança e imigratória, os seres humanos não desistiram deles. Tim Marshall[7] demonstra que, na atualidade, são muitos os muros separando nações e povos. Também sobre o tema, veja-se o livro de Said Saddiki, World of Walls[8].
O mais famoso muro da atualidade é o existente na fronteira entre o México e os Estados Unidos, construído como vã tentativa de impedir a imigração. A ex-secretária de Segurança Interior, Janet Napolitano, costumava afirmar: “You show me a 50-foot wall, and I’ll show you a 51-foot ladder.”[9] (você me mostra um muro de 50 pés de altura, e eu te mostrarei uma escada de 51 pés de altura). Aliás, a ampliação de tal muro acabou gerando problemas para muita gente. Há muro separando a Palestina de Israel, no mundo árabe existem muros em Bagdá, Damasco, Amam, Sana, Beirute, Cairo e Riad. Há um enorme muro separando Bangla – Desh de Bengala (Índia)[10]. Não se esqueça do Muro Marroquino que é o maior campo minado do mundo (2. 700 km) e busca impedir o acesso do povo Saharawi ao território do Saara ocidental, impelindo-os para a Mauritânia.[11] No Marrocos há, também, o muro com Ceuta, já mais que lendário. Há vários outros exemplos na Hungria, onde a fronteira foi eletrificada[12]. A Eslovênia, também murou suas fronteiras[13].
Nenhum destes muros teve a capacidade de estabelecer uma política de imigração razoável e capaz de atender às necessidades das crises humanitárias, bem como as necessidades dos próprios países receptores que, em sua maioria, são países desenvolvidos com claro decréscimo da taxa de natalidade e com número crescente de idosos que deixam o mercado de trabalho. Assim, a imigração, conforme visto acima, tem um importante e crescente papel econômico a desempenhar. A globalização econômica, tem como uma de suas externalidades a maior circulação de mão de obra que, infelizmente, ainda não está devidamente compreendida e regulamentada.
O Brasil, caso entre em um ciclo econômico virtuoso e com crescimento, necessitará importar mão de obra especializada para atender aos futuros desafios e, portanto, é imperioso que olhemos à nova imigração com olhos acolhedores e não com xenofobia. O Brasil pode e deve ser um exemplo para o mundo, acolhendo com generosidade aos que aqui vem buscar uma nova esperança de vida e contribuir para o enriquecimento cultural, espiritual e econômico de nosso país.
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[1] Disponível em: < https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2931749-9 > Acesso em 15/08/2020
[2] Disponível em< https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Migrant_integration_statistics_%E2%80%93_labour_market_indicators#Labour_market_participation_.E2.80.94_activity_rates > Acesso em 20/08/2020
[3] Disponível em < https://www.schengenvisainfo.com/news/survey-shows-31-of-working-age-immigrants-are-key-workers-in-eu/ > Acesso em 20/08/2020
[4] Disponível < https://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/popfacts/PopFacts_2015-5.pdf > acesso em 20/08/2020
[5] Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Muralha_de_Adriano > acesso em 20/08/2020
[6] Disponível em https://www.dw.com/pt-br/n%C3%BAmero-de-v%C3%ADtimas-mortais-do-muro-de-berlim-ainda-divide-alem%C3%A3es/a-5909323 > acesso em 20/08/2020
[7] MARSHALL, Tim. Divided – Why we`re living in an age of walls. London: Elliot and Thompson. 2018
[8] Disponível em < https://books.openedition.org/obp/4546 > acesso em 20/08/202
[9] Dispponível em < https://grist.org/article/napolitano-knows/ > acesso em: 20/08/2020
[10] Disponível em < https://thediplomat.com/2017/02/the-india-bangladesh-wall-lessons-for-trump/ > acesso em 20/08/2020
[11] Disponível em < https://www.dw.com/en/the-other-side-of-the-moroccan-wall/a-18753807 > acesso em 20/08/2020
[12] Disponível em < https://www.usatoday.com/story/news/world/2018/05/24/donald-trump-europe-border-walls-migrants/532572002/ > acesso em 20/08/2020
[13] Disponível em < https://www.nytimes.com/2015/11/12/world/europe/slovenia-border-fence-migrants-refugees.html > acesso em 20/08/2020