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O cabimento da sustentação oral em agravo de instrumento que aprecia o mérito da causa
Daniel Ustárroz
20/08/2020
“El objeto de la interpretación es el texto legal como ´portador` del sentido en él depositado, de cuya compreensión se trata en la interpretación. ´Interpretación` es, si nos atenemos al sentido de las palabras, la ´separación`, difusión y exposición del sentido dispuesto en el texto, pero, en cierto modo, todavía oculto”. (Karl Larenz. Metodología de la Ciencia del Derecho, p. 309. Barcelona: Ariel S.A., 1994)
Muito embora o Código de Processo Civil tenha entrado em vigor em 2016 e a sua aplicação ocorra perante praticamente todos os Tribunais do país, ainda existem questões pendentes de uniformização no território nacional. Uma delas é a delimitação da sustentação oral, quando do julgamento de agravos de instrumento.
Com efeito, a sustentação oral foi disciplinada no art. 937, do Código de Processo Civil, com a seguinte redação:
“Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021[1]:
I – no recurso de apelação;
II – no recurso ordinário;
III – no recurso especial;
IV – no recurso extraordinário;
V – nos embargos de divergência;
VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;
VII – (vetado);
VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;
IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.
De acordo com a interpretação literal, portanto, apenas diante de decisões interlocutórias sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência a sustentação oral teria cabimento no agravo.[2] Por conseguinte, os agravos que versam sobre decisões de mérito, embora na prática sejam dos mais importantes, não permitiriam a realização do contraditório através de sustentação oral.[3]
Dentre outros autores, Pedro Miranda de Oliveira de pronto identificou a omissão, enfatizando a importância da sustentação oral nos julgamentos colegiados[4]: “a sustentação oral é extremamente importante nos julgamentos colegiados. É cediço que a presença dos advogados no tribunal conduz, não raro, à reapreciação de votos pré-elaborados pelos relatores e, principalmente, a um melhor exame pelos demais componentes do órgão colegiado. A sustentação oral perante os órgãos fracionários é manifestação da ampla defesa. Constrange os julgadores ao diálogo, aprimorando o contraditório e permitindo decisões mais bem fundamentadas. O art. 937, VIII, do CPC/2015, prevê sustentação oral no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência. Trata-se de novidade elogiável, não fosse a falha (esquecimento?) do legislador em relação às decisões parciais (com ou sem resolução de mérito). Ora, se é prevista a sustentação em agravos contra decisões provisórias, parece inconcebível que não se admita tal atuação da parte quando a decisão atacada no agravo pode se tornar definitiva e coberta pela coisa julgada material”.
Com efeito, a doutrina notou a incoerência da interpretação literal, a qual ignora que o Código de Processo Civil admite decisões parciais de mérito em praticamente todos os processos.[5] E, em casos específicos, determina que atos judiciais com estrutura e papel típico de sentença (como a liquidação de sentença, o julgamento da primeira fase de prestação de contas, a afastamento da prescrição ou o seu reconhecimento parcial, etc.) sejam atacados através de agravo de instrumento (e não por apelação), em atenção à celeridade.
O correto, portanto, seria oferecer a esses agravos específicos o procedimento do apelo, com as garantias inerentes. Acertadamente, referem Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha que “há situações em que é apenas circunstancial a decisão de mérito ser atacada por agravo de instrumento ou por apelação. Seria anti-isonômico admitir, nesses casos, a sustentação oral na apelação mas não a aceitar no agravo de instrumento”.[6]
A posição de Diogo Rezende de Almeida sustenta-se no art. 356, CPC[7]: “embora não expressamente prevista em lei, parece-me inegável a possibilidade de sustentação oral em agravo de instrumento interposto em face de decisão interlocutória que julgou parcial e antecipadamente o mérito. Nessa hipótese, prevista no art. 356 do CPC, a decisão interlocutora se equivale a uma sentença parcial, porquanto julgou a questão de forma definitiva. Assim, o agravo de instrumento corresponde a uma apelação, permitindo-se a sustentação oral de agravante e agravado. Se não admitida a sustentação oral nesse caso, haverá evidente violação à isonomia, já que os demais pedidos julgados por sentença poderão ser discutidos oralmente quando do reexame em apelação. Além disso, o CPC permite a sustentação oral em agravo de instrumento que tratam do mérito em caráter provisório (art. 937, inc. VII). Mais uma razão para a possibilidade de sustentação oral em agravo de instrumento que trata do mérito de forma definitiva (art. 356)”.
A sintonia entre agravo de instrumento e apelação, em relação aos atos do juiz que envolvem o mérito da causa, é igualmente apreendida por Vinícius Silva Lemos[8]: “entretanto, o conteúdo impugnado por este agravo de instrumento especifico é o meso que seria impugnado pela apelação, caso o Juízo não housse bipartido a sentença. A opção pelo julgamento antecipado de forma parcial fica a cargo do Juízo, porém a consequência para a parte vebcuda da recorribilidade e procedimentos diversos para esta decisão. Duas situações diversas, mas com conteúdo matetial idêntico, impondo procedimentos diferentes para as partes. A decisão parcial de mérito é uma parte daquilo que autor imaginava ser julgado na sentença, a qual, se recorrível, seria totalmente impugnável pela apelação, com total possibilidade de sustentação oral. Se o juízo deve, de acordo com o art. 356, proferir a decisão parcial – quando verificar suas hipóteses, o recurso cabível deveria conter a mesma disponibilidade da sustentação oral, por, de igual modo, impugnar uma decisão de mérito, ainda que seja interlocutória. Uma latente omissão legislativa. Com isto, pelo agravo de instrumento necessitar ser interpretado como uma isonomia à apelação, deve requerer-se a possibilidade da sustentação oral para esta hipótese recursal, ainda que ausente do rol especificado no art. 937, mas interpretando extensivamente o inc. I deste mesmo dispositivo”.
Felizmente, alguns Tribunais já disciplinaram adequadamente o tema. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, prevê em seu Regimento Interno, art. 175:
“Art. 175. Feito o relatório, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao autor, recorrente, peticionário ou impetrante, e ao réu, recorrido ou impetrado, para a sustentação de suas alegações por seu procurador.§ 1º Cada uma das partes falará pelo tempo máximo de: I –10 (dez) minutos: a) no recurso em sentido estrito; b) no agravo em execução penal; e c) na apelação interposta da sentença em processo por contravenção oucrime a que a lei comine pena de detenção;II –15 (quinze) minutos: a) no recurso de apelação cível; b) na ação rescisória; c) no mandado de segurança, na sessão de julgamento do mérito ou do pedido liminar; d) na reclamação; e) no agravo de instrumento interposto: 1. contra decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória de urgência ou tutela da evidência; 2. contra decisão parcial de mérito; e 3. contra decisão que decretar a falência; (…)
No mesmo sentido, a previsão do Tribunal de Justiça da Bahia, em seu Regimento Interno:
“Art. 187 – A parte, por seu Advogado, poderá sustentar suas razões oralmente pelo prazo:
I – de 15 (quinze) minutos nos julgamentos de apelação cível, ação rescisória, mandadode segurança, reclamação, agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória que resolva parcialmente o mérito ou verse sobre tutela provisória e agravo interno interposto contra decisão do Relator que extinguiu ação de competência originária do Tribunal de Justiça; (…)
Também o de Pernambuco, conforme o art. 181, de seu Regimento Interno:
Art. 181: “Depois da exposição da causa pelo relator, o Presidente facultará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses: I – no recurso de apelação; II – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência; III -no agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito” (…)
Oferecer ao agravo de instrumento que envolve o mérito das causas o tratamento da apelação oferecerá segurança jurídica e coerência. Por ilustração, o CPC/2015 admitiu a rescisão de “decisões de mérito”, ao corrigir em seu art. 966[9], a redação já ultrapassada do art. 485, CPC/73.[10] Ainda, o art. 942 que trata da ampliação de julgamento por maioria incide em agravos de instrumento de mérito.[11] Se a sustentação oral é renovada na sessão ampliada, presume-se que ela tenha ocorrido na sessão originária, que apreciou por maioria o mérito da causa através de agravo de instrumento…
Por tais razões, a I Jornada de Direito Processual, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, editou o enunciado n. 61 com o seguinte teor: “Deve ser franqueado às partes sustentar oralmente as suas razões, na forma e pelo prazo previsto no art. 937, caput, do CPC, no agravo de instrumento que impugne decisão de resolução parcial de mérito (art. 356, § 5º, do CPC)”.
Diante do contexto, espera-se que o Superior Tribunal de Justiça, à luz de sua missão constitucional, delibere quanto ao cabimento de sustentação oral diante de agravos de instrumento que versam sobre o mérito da causa (ainda que parcial). A interpretação sistemática do art. 937, VIII, CPC, é a que melhor harmoniza os direitos em jogo, ao exigir que os agravos de instrumento que versam sobre o mérito da causa gozem do mesmo procedimento oferecido à apelação. Desta forma, o contraditório sairá fortalecido e a jurisdicão será exercida de forma mais democrática, com a participação efetiva das partes. Como resultado, o jurisdicionado terá tratamento isonômico, independentemente do Estado ou da Região, em que se encontre.
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[1] Existem os seguintes parágrafos: “§1º A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no art. 984, no que couber; §2º O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais; § 3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga; § 4º É permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão”.
[2] Na prática, o cabimento da sustentação oral diante de tutelas provisórias viabiliza a atuação do advogado na maior parte dos julgamentos deste recurso. Confia-se no bom senso dos causídicos, a fim de que saibam escolher em quais casos este tipo de manifestação é efetivamente necessário.
[3] Nesse sentido: “Agravo Interno. Honorários de profissionais liberais. Agravo de instrumento interposto contra julgamento que decidiu primeira fase de ação de prestação de contas. inclusão do recurso em pauta de sessão virtual. pedido de realização de sustentação oral. descabimento. Ausência de previsão legal para tanto. Decisão agravada mantida. Agravo interno desprovido”. TJRS, AI 70084266683, 15. C.C., Rel. Des. Ana Beatriz Iser, j. 22.07.2020.
[4]OLIVEIRA, Pedro Miranda de, O regime especial do agravo de instrumento contra decisão parcial (com ou sem resolução de mérito), p 183-205 Revista de Processo, vol. 264 fevereiro 2017.
[5] Assim se pronunciam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “são aqueles expressamente mencionados pelo legislador. O denominador comum entre as hipóteses arrolados pelo legislador é a pressuposição de que nesses recursos haverá oportunidade para se tratar do mérito da causa – daquilo que os litigantes vieram buscar em juízo. É por essa razão que no agravo de instrumento que trata do mérito da causa (por exemplo, improcedência liminar parcial, tutela provisória, julgamento antecipado parcial do mérito, liquidação da sentença e não acolhimento de impugnação) há direito à sustentação oral (art. 937, VIII, CPC)”. Código de Processo Civil Comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2019.
[6] Nesse sentido: “art. 937, VIII, CPC, prevê sustentação oral no agravo de instrumentos interposto contra decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória, mas não prevê expressamente a sustentação oral em agravo de instrumento interposto contra decisão que trate de mérito. Embora não haja previsão expressa da sustentação oral em agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito, parece claro que ela sempre é possível em casos em que se examina o mérito. Em muitos casos, a decisão será passível de apelação ou de agravo, a depender de uma previsão legal específica”. Curso de Direito Processual Civil, v. 3, p. 65. Salvador: Juspodium, 2019.
[7] Recursos Cíveis, p. 182-183. Salvador: Juspodium, 2020.
[8] LEMOS, Vinícius Silva, O Agravo de Instrumento contra a decisão parcial de mérito, p; 292-293 Revista de Processo. Ano 41, vol. 259, setembro 2016. Revista dos Tribunais.
[9] Art. 966, caput, CPC/15: “A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando…”
[10] Art. 485, caput, CPC/73: “A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando…”
[11] Art. 942, CPC: “Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. § 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado. § 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento. § 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito”.
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