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Pensão alimentícia compensatória: o conteúdo econômico invisível do trabalho doméstico

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Pensão alimentícia compensatória: o conteúdo econômico invisível do trabalho doméstico

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Rodrigo da Cunha Pereira

Rodrigo da Cunha Pereira

15/06/2020

A igualdade entre homens e mulheres é um dos princípios-chave para as organizações jurídicas, em particular para o Direito de Família. Sem ele não há dignidade do sujeito de direito, e, consequentemente, não há justiça.

Teoricamente a desigualdade dos gêneros está superada no Direito brasileiro, tal como prescrito na Constituição da República.[1] Mas a igualdade que está resolvida é apenas a formal, que constitui um passo importante para a continuação da dialética dos gêneros e das fundamentais diferenças dos mundos masculino e feminino. E um passo adiante no discurso da igualdade é a consideração e concessão de pensão alimentícia que compense as desigualdades históricas dos gêneros.

Apesar do acesso da mulher ao mercado de trabalho, ainda persiste uma realidade socioeconômica e cultural em que elas têm na relação conjugal um papel e função de suporte ao marido. Mesmo que tenham atividade remunerada, o seu maior valor ainda não está aí, mas na tradicional função cotidiana de criar e educar filhos, gerenciar o lar, enfim, dar todo o suporte e aporte psíquico, psicológico, lógico e emocional ao marido, proporcionando que ele possa crescer cada vez mais em sua profissão. Tudo isso em nome do casal e da família.

Quando o amor acaba, e o amor às vezes acaba, a ideia de justo e de justiça têm ângulos e olhares diferentes entre marido e mulher. Pensa-se que o trabalho doméstico desenvolvido não tem valor, e não foi significativo, para o crescimento e aquisição patrimonial. É preciso revalorizarmos o trabalho doméstico. Sem ele não haveria família e filhos psiquicamente saudáveis, nem mesmo produção e desenvolvimento econômico e reprodução.

Considerando os valores da sociedade do capital e do consumo, para que se dê o justo valor ao histórico trabalho feito pelas mulheres, é preciso atribuir-lhe um conteúdo econômico. Isto não significa, de maneira alguma, pagar à mulher determinado salário como se paga a uma empregada doméstica, mas criar mecanismos de compensação e amparo ao cônjuge que proporcionou ao outro, direta ou indiretamente, aquisição patrimonial. John Rawls propõe que a melhor maneira de reparar a longa injustiça histórica para com as mulheres, que suportaram e continuam suportando uma parcela injusta na tarefa de criar e cuidar dos filhos, não é através da filosofia política, mas através de mecanismos de compensação:

Parece intoleravelmente injusto que um marido possa deixar a família, levando consigo o seu poder de ganhar dinheiro, deixando esposa e filhos em situação bem menos vantajosa que antes. Forçados a lutar por si mesmos, sua posição econômica é muitas vezes precária. Uma sociedade que permite isso não se importa com as mulheres, muito menos com sua igualdade ou mesmo com seus filhos, que serão o futuro dela.[2]

Não são apenas os princípios constitucionais que sustentam a fundamentação jurídica para a fixação de uma pensão compensatória. A legislação infraconstitucional, embora não utilize exatamente esta expressão, também estabeleceu regras, traduzidas pelo artigo 1.694 do CCB 2002.[3] Ao estabelecer que os cônjuges ou companheiros podem pedir alimentos para “viver de modo compatível com sua condição social”, está exatamente prescrevendo que o padrão social deve ser mantido através do pensionamento. Embora este artigo refira-se a pensão alimentícia, podemos interpretá-lo, ou complementá-lo, como alimentícia compensatória.

Baseado nos princípios e regras aqui referidos, a jurisprudência brasileira vem se posicionando sobre esta espécie de pensão alimentícia, como se vê, exemplificativamente, nos julgados a seguir:

Pensão alimentícia compensatória

(…) Alimentos compensatórios são pagos por um cônjuge ao outro, por ocasião da ruptura do vínculo conjugal. Servem para amenizar o desequilíbrio econômico, no padrão de vida de um dos cônjuges, por ocasião do fim do casamento. Agravo não provido. TJDFT – AI 20090020030046. 6ª T. Cível. Rel. Des. Jair Soares. DJ 17.6.09.

(…)Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação.(…) STJ – REsp: 1290313 AL 2011/0236970-2, Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira, Data de Julgamento: 12/11/2013, 4ª Turma, , Data de Publicação: DJe 07/11/2014).

(…) Apesar de não serem expressamente previstos na legislação pátria, os alimentos compensatórios são admitidos pela doutrina e pela jurisprudência com o objetivo de equilibrar o padrão de vida do casal, compensando o eventual desequilíbrio gerado pelo rompimento da relação na hipótese de apenas um dos cônjuges/companheiros usufruir dos frutos advindos de negócios constituídos na constância do casamento/união estável ou de imóveis adquiridos neste período, sobre os quais incida direito de meação. (…) (TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70078428596, Oitava Câmara Cível, , Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 28/02/2019).

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[1]        CUNHA PEREIRA, Rodrigo da. Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 164.

[2]        RAWLS, John. O direito dos povos. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, p. 214.

[3]        Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (Grifo nosso.)


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