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Suposta interferência do Presidente na Polícia Federal do Rio

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Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

27/05/2020

A crise aberta com a ruidosa saída do Senhor Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública está longe de ser contornada.

Suas acusações sobre a tentativa do Presidente da República  de interferir nas investigações da Polícia Federal resultou na abertura de um inquérito perante o Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro Celso de Melo.

Posteriormente, o Senhor Sergio Moro declarou que a prova dessa tentativa de interferência estaria em um vídeo que gravou a reunião do dia 22 de abril no Palácio Presidencial.

Sabedor desse fato o Senhor Presidente preservou o vídeo classificado como “Reservado”. Segundo declarou o Chefe do Executivo, mais tarde, poderia tê-lo destruído, mas não o fez, preferindo aguardar o momento próprio para entregá-lo ao Ministro que preside o inquérito e assim foi feito efetivamente.

Criou-se uma enorme expectativa em torno da quebra ou não do sigilo. Após vários dias de suspense, o Ministro Celso de Melo autorizou a divulgação do vídeo na íntegra, com pequeninos cortes irrelevantes para o esclarecimento do objeto da investigação, exatamente às 17,01 horas do dia 22 de maio de 2020, quando, em entrevista ao vivo para o jornalista Walter Ciglioni, eu reclamava da demora na tomada de decisão tão esperada pela sociedade em geral.

Ao assistir ao vídeo fiquei estarrecido do teor das conversações do Senhor Presidente com os Ministros de Estado e Presidentes de estatais pelos ataques proferidos a governadores e prefeitos e aos membros do Supremo Tribunal Federal. Quanto aos integrantes do STF, o ataque foi feito pelo Ministro da Educação. O pior é que esses ataques foram feitos com empregos de palavras impublicáveis, incompatíveis com as elevadas funções inerentes aos cargos que ocupam.

Mas, o objetivo deste artigo é o de analisar o trecho da gravação que diz respeito à suposta interferência do Senhor Presidente da República na Polícia Federal. Transcrevamos o trecho para melhor exame:

[…]

Mas é a put… o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar f… a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira (grifos são nossos).

Um detalhe: quando o Senhor Presidente fala em trocar o Ministro ele olha para o Ministro Sergio Moro que estava sentado próximo dele.

Relatado o essencial façamos uma análise imparcial. Duas correntes se formaram em torno desse episódio.

O Senhor Presidente da República, bem como parte dos que assistiram ao vídeo sustentam que a fala se referia aos agentes da segurança pessoal do Presidente e de seus familiares, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional – GSI – a cargo do Ministro General Augusto Heleno.

A grande mídia e parte dos que assistiram ao vídeo sustentam a tese contrário, ou seja, que a pronunciamento do Senhor Presidente referia-se  à troca de agentes da Polícia Federal, notadamente  do Superintendente da Polícia Federal do Rio, o que, mais tarde, efetivamente  veio a ocorrer. Essa tese é robustecida pelo fato de que o Senhor Presidente já havia feito a troca de agentes do GSI no Rio de Janeiro, antes da fatídica reunião do dia 22 de abril, e que assim não teria sentido falar em trocas de agentes de segurança.

Examinemos o episódio de forma técnica e imparcial.

Os agentes de segurança pessoal do Presidente e do Vice-presidente e de seus respectivos familiares pertencem ao quadro do Gabinete de Segurança Institucional comandado pelo Ministro General Augusto Heleno, um órgão subordinado  à estrutura do Gabinete Presidencial. A Polícia Federal, conhecida como Polícia Republicana, é órgão permanente e autônomo do Estado Federal que exerce as funções exclusivas de  Polícia Judiciária no âmbito da União, assim como as Polícias Civis integram a Polícia Judiciária no âmbito dos respectivos Estados membros. É a chamada Polícia Científica  que conduz as investigações criminais tendo como órgão controlador o Poder Judiciário. Nesse campo é investido de prerrogativas que nem o Ministério Público tem (§ 4º, do art. 144 d CF), apesar de sua ingerência indevida,  na condução de investigações policiais, como é público e notório.

Feitas essas considerações pode-se concluir que as expressões negritadas (gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa) apontam para o órgão se segurança pessoal do Presidente e Vice-Presidente da República e de seus familiares,  ou seja, o GSI sob o comando do Ministro General Augusto Heleno.

A contrapor a esse ponto de vista existe o argumento de que o Senhor Presidente da República já havia feito a troca de agentes do GSI antes da reunião em que foi gravada em vídeo. Milita a favor desta tese o olhar sintomático do Senhor Presidente em direção do Ministro Sergio Moro enquanto falava em troca de agentes e, se preciso for, de Ministro. O General Augusto Heleno estava sentado no lado oposto ao olhar presidencial.

Enfim, difícil saber se o Senhor Presidente estava ou não pressionando a troca de comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro.

O fato de ele ter procedido à troca de agentes de segurança pessoal no Rio, antes da reunião, por si só, não elimina a possibilidade de promover novas alterações reputadas convenientes ou necessárias a juízo do Senhor Presidente. E também o fato de o Senhor Presidente ter olhado para o Ministro Sergio Moro não significa necessariamente que a ameaça de trocar o Ministro se referia a ele especificamente.

É a análise objetiva dos fatos constantes do vídeo que o Senhor Sergio Moro apontou como sendo a prova da tentativa de interferência do Senhor Presidente da República na Polícia Federal do Rio de Janeiro. Pode ser um início de prova, mas, com certeza, não se pode afirmar tratar-se de uma prova inequívoca.

Enfim, ninguém é dono da verdade. Somente ao final do inquérito conduzido pelo Ministro Celso de Melo, com o esgotamento de outros meios probatórios,  concluir-se-á a veracidade dos fatos objetos de investigação.

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