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Reconhecimento da Condição de Visão Monocular Para Fins de Pessoa com Deficiência em Concurso Público
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
William Paiva Marques Júnior
09/05/2019
O art. 4.º, III, do Decreto Executivo 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e apenas define como deficiência visual a cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais o somatório da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores:
Art. 4.º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:
[…]
III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores (Redação dada pelo Decreto n.º 5.296, de 2004.) (grifou-se).
A interpretação literal do dispositivo pressupõe a existência de visão binocular, não tratando da visão monocular especificamente, uma vez que seu texto faz referência às expressões “melhor olho” e “ambos os olhos”, o que presume visão nos dois olhos.
Observa-se, portanto, que a normatização na forma como se encontra atualmente regrada é omissa no enquadramento da visão monocular para fins de deficiência.
Indubitavelmente, a visão monocular limita as possibilidades nas atividades laborais, devendo enquadrar-se, assim, no conceito de deficiência.
A Lei 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), ao alterar a sistemática do Código Civil de 2002 no tocante à capacidade civil e à curatela, implica uma nova racionalidade jurídica aplicável à pessoa com deficiência intelectual que adquire a capacidade civil plena com a maioridade, para exercer sua autodeterminação de decidir sobre casamento, sexualidade, filhos, família, aspirações e negócios.[1]
Como corolário da adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York) e seu Protocolo Facultativo, surge o Estatuto da Pessoa com Deficiência com o escopo de suscitar os debates em torno do regime da capacidade civil e da inclusão socioprofissional.
O tema da questão da visão monocular está amplamente discutido pelo Poder Judiciário. Nesse diapasão, faz-se pertinente a transcrição da Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça, que possibilita ao portador de visão monocular o direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas às pessoas com deficiência: “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes” (grifou-se).
Considerando o exposto, verifica-se que a orientação jurisprudencial firmada no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que torna viável o candidato poder concorrer às vagas reservadas às pessoas com deficiência, conforme enunciado 377 da Súmula do STJ:
Administrativo. Concurso público. Departamento de estradas e rodagem. Exame psicotécnico. Falta de requisitos objetivos de aferição. Ilegalidade. Impossibilidade. Obstáculo ao candidato na obtenção dos laudos e exames. Impossibilidade de nomeação do candidato. Necessidade de realização de novo exame. I – Conforme exposto no acórdão recorrido, resta comprovado que o recorrente é portador de visão monocular, o que torna viável ao recorrente concorrer nas vagas reservadas para portadores de necessidades especiais conforme enunciado n. 377 da Súmula do STJ: “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”. II – Quanto ao mérito, com relação à realização do exame psicotécnico a jurisprudência dessa Corte entende que é necessária a observância de pressupostos, tais como a objetividade dos critérios, a cientificidade e a possibilidade de revisão do resultado. Nesse sentido: REsp 1655461/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.04.2017, DJe 02.05.2017; AgRg no RMS 32.388/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 22.09.2015, DJe 30.09.2015. III – No caso em apreço, o laudo dos exames foi disponibilizado ao recorrente em momento inoportuno – após o recurso administrativo – e aponta resultados subjetivos, assim como não comprova a utilização de critérios objetivos para a obtenção do resultado. IV – Dessa forma, fica caracterizada a ilegalidade, considerando a impossibilidade do recorrente de obter acesso aos laudos e informações referentes ao exame psicotécnico, impossibilitando o ato de revisão da decisão. V – É incabível a providência de se determinar a posse ao autor no Cargo, pois não se pode suplantar a fase do concurso relativa ao exame psicotécnico, para garantir judicialmente a nomeação do candidato. Nessa hipótese, deve ser realizado novo exame, compatível com as deficiências do candidato, bem como que atenda aos critérios de objetividade, cientificidade e possibilidade de recurso, conforme a jurisprudência dominante neste Superior Tribunal. Nesse sentido: REsp 1655461/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.04.2017, DJe 02.05.2017. VI – Agravo interno improvido (AgInt no RMS 51.809/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 1.º.03.2018, DJe 06.03.2018) (grifou-se).
Em idêntico sentido dispõe a Súmula 45 da Advocacia-Geral da União:
Os benefícios inerentes à Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência devem ser estendidos ao portador de visão monocular, que possui direito de concorrer, em concurso público, à vaga reservada aos deficientes.
Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o candidato com visão monocular é pessoa com deficiência:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Concurso público. Deficiente físico. Candidato com visão monocular. Condição que o autoriza a concorrer às vagas destinadas aos deficientes físicos. Precedentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o candidato com visão monocular é deficiente físico. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, ARE 760015 AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 24.06.2014, DJe-151, divulg. 05.08.2014, public. 06.08.2014) (grifou-se).
Corrobora, nesse sentido, a orientação do Tribunal de Contas da União, conforme a qual os candidatos com visão monocular fazem jus a concorrer às vagas destinadas às pessoas com deficiência, uma vez que as pessoas portadoras de visão monocular, não obstante essa condição, apresentam um campo visual bem superior ao limite de 60º (sessenta graus) mencionado no Decreto Executivo 3.298, de 20 de dezembro de 1999 (o campo visual monocular é normalmente de 150º e o binocular de 180º; a perda visual para quem tem visãomonocular é de 20º a 40º e ocorre apenas no lado nasal):
Administrativo. Recurso ao plenário. Concurso público. Portadores de visãomonocular. Direito de concorrer às vagas destinadas a deficientes físicos. Questão pacificada no âmbito do Poder Judiciário. Conhecimento. Provimento (TCU, Acórdão 644/2009, Plenário, Rel. Min. José Jorge, sessão 08.04.2009).
Assim, no plano prospectivo, é importante assegurar aos indivíduos com visão monocular o direito de serem reconhecidos como pessoas com deficiência sem a necessidade de recurso ao Poder Judiciário.
Nessa ordem de ideias, a Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 6054/2016, do ex-deputado Ildon Marques (PSB-MA), que classifica a visão monocular – cegueira de um olho – como deficiência visual. Desse modo, pessoas com esse tipo de perda visual teriam os mesmos direitos e garantias assegurados aos deficientes com cegueira total. Também tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.931, de 2017, apresentado pelo Deputado Federal Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), que propõe a alteração da redação do inciso III do art. 4.º do Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, para garantir o direito às pessoas com visão monocular a classificação como deficientes. No Senado Federal, o Projeto de Lei 1.615, de 2019, de autoria dos Senadores Rogério Carvalho (PT/SE), Rose de Freitas (PODE/ES), Wellington Fagundes (PR/MT) e Otto Alencar (PSD/BA), dispõe sobre a classificação da visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, assegurando à pessoa com visão monocular os mesmos direitos e benefícios previstos na legislação para a pessoa com deficiência, alterando a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência. O art. 3.º, parágrafo único, do Projeto de Lei ora referenciado reproduz a ideia contida na Súmula 377 do STJ. O Projeto de Lei 1.615/2019 foi enviado à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), à de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e à de Assuntos Sociais (CAS), em que terá decisão terminativa. A lei resultante do aludido Projeto de Lei receberá o nome de Amélia Barros, em homenagem à jornalista com deficiência monocular.
Em estrita harmonia com a inclusão promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência no tocante aos postulados jurídico-constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988) e da igualdade substancial (arts. 3.º e 5.º da CF/1988), e travando um quadro cerrado dentro do qual se circunscreve a Administração Pública, observa-se a compatibilidade entre a visão monocular e a assunção de candidato em cargo público nas vagas reservadas às pessoas com deficiência.
[1] Nesse sentido, observe-se o disposto no art. 6.º do Estatuto da Pessoa com Deficiência: “Art. 6.º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I – casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos; III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.”
Veja também:
- Três Décadas de História Democrática: A Função Vanguardista do Texto Constitucional de 1988
- Lei n.º 13.656/2018 permite isenção na taxa de inscrição de concursos públicos
- Direito de as Candidatas Lactantes Amamentarem seus Filhos Durante a Realização de Concursos Públicos: Análise Propositiva do Projeto de Lei do Senado N.º 156, De 2015
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