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Direito de as Candidatas Lactantes Amamentarem seus Filhos Durante a Realização de Concursos Públicos: Análise Propositiva do Projeto de Lei do Senado N.º 156, De 2015

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA

CONCURSOS PÚBLICOS

DECRETO N.º 58.820

LEI DO SENADO N.º 156

LEI N.º 13.146

PROJETO DE LEI

PROTEÇÃO À MATERNIDADE

William Paiva Marques Júnior

William Paiva Marques Júnior

10/05/2018

Muitos editais de concursos públicos para cargos e empregos na Administração Pública Direta e Indireta dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios são totalmente omissos sobre um dos mais diuturnos atos biológicos, qual seja: o direito de a candidata lactante amamentar seus filhos durante a realização do certame.

Trata-se de situação com grande repercussão administrativa na eficácia e aplicabilidade do direito fundamental social à proteção à maternidade e à infância, salvaguardado pelo art. 6.º do Texto Constitucional de 1988.

Nesse contexto, deve ser ressalvado o teor do Projeto de Lei do Senado n.º 156, de 2015, de autoria do Senador José Medeiros (PPS/MS), que estabelece o direito de as mães amamentarem seus filhos durante a realização de concursos públicos na Administração Pública Direta e Indireta dos Poderes da União.

Observa-se, portanto, que a proteção à maternidade e à infância está entre os direitos e garantias fundamentais, pelo que extrai que deve a Administração tomar, na medida do que lhe compete, providências para melhor atender aos aludidos direitos.

A grande maioria dos editais norteadores dos certames para cargos e empregos no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta não contempla cláusula específica que regule a matéria.

Fazendo-se a interpretação sistemática, o art. 1.º da Lei n.º 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe quaisquer práticas discriminatórias e limitativas para efeito de acesso à relação de trabalho:

Art. 1.º  É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7.º da Constituição Federal.  (Redação dada pela Lei n.º 13.146, de 2015.)

A proteção à maternidade é decorrência do reconhecimento do direito fundamental ao trabalho e representa um corolário da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988), da valorização social do trabalho (art. 1.º, IV, da CF/1988), dos direitos fundamentais lato sensu e dos direitos da personalidade da gestante e da criança.

No plano das relações internacionais, a Convenção n.º 103, de 1952, da OIT, promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 58.820, de 14 de julho de 1966, estabelece a proteção à maternidade.

Consoante afirmado pelo art. 4.º, n.º 02, da Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Resolução n.º 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979, ratificada pelo Brasil em 1.º.02.1984, preceitua a adoção pelos Estados-partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, que não se considerará discriminatória. O art. 11, n.º 02, do mesmo documento internacional determina que, a fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-partes tomarão as medidas adequadas para: a) proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil; b) implantar a licença-maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais; c) estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante o fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinada ao cuidado das crianças; d) dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas.

O direito fundamental social de proteção à maternidade, como garantia primordial de natureza social, deve ser interpretado amplamente, de modo a se emprestar a necessária eficácia jurídica e sociológica à norma constitucional que a prevê, sob pena de se “fazer letra morta” de direito fundamental social, ou apenas tratá-la como norma declaratória, cujas efetividade e garantia não se revelam instrumentalizadas.

Conforme aduz Luciano Martinez[1], a maternidade produz uma série de modificações na mulher, fazendo que ela solicite e espere atitudes de amparo de todos que circundam a sua vida familiar, social e profissional. Muitos cuidados não praticados no cotidiano das mulheres passam a ser exigíveis desde os primeiros instantes do período gestacional, passando pelos indispensáveis exames pré-natais, pela chegada e recepção do bebê e seu acompanhamento durante toda a infância. A proteção à maternidade e à infância alçou, por isso, a qualidade de direito social, nos termos do art. 6.º da CF/1988. Percebe-se que a lei protege o instituto “maternidade”, e não unicamente a gestante, o nascituro ou o recém-nascido, entendendo-o como um conjunto de estados temporários, todos merecedores de diferenciada atenção. O art. 201, II, da CF/1988 é claro nesse sentido: “proteção à maternidade, especialmente à gestante”. A gestante, nesse contexto, é, sem dúvida, a protagonista do fenômeno que envolve a reprodução humana, mas a proteção não se destina unicamente a ela, embora, obviamente, é reservada especialmente a ela.

Nessa ordem de ideias, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, apesar de o entendimento da aludida Corte Superior – no sentido de garantir um tratamento diferenciado às gestantes – não alcançar os concursos cujos editais expressamente disponham sobre sua eliminação pela não participação em alguma fase, a gravidez não pode ser motivo para fundamentar nenhum ato administrativo contrário ao interesse da gestante, muito menos para impor-lhe qualquer prejuízo, tendo em conta a proteção conferida pela Carta Constitucional à maternidade (art. 6.º da CF/1988):

Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Polícia Militar. Exame médico. Candidata gestante. Remarcação. Possibilidade. Princípio da isonomia. Precedente STF. 1. Apesar de o entendimento desta Corte Superior – no sentido de garantir um tratamento diferenciado às gestantes – não alcançar os concursos cujos editais expressamente disponham sobre sua eliminação pela não participação em alguma fase, a gravidez não pode ser motivo para fundamentar nenhum ato administrativo contrário ao interesse da gestante, muito menos para impor-lhe qualquer prejuízo, tendo em conta a proteção conferida pela Carta Constitucional à maternidade (art. 6.º, CF). 2. A solução da presente controvérsia deve se dar à luz da compreensão adotada pelo Pretório Excelso em casos análogos ao presente, envolvendo candidata gestante, em que se admite a possibilidade de remarcação de data para avaliação, excepcionalmente para atender o princípio da isonomia, em face da peculiaridade (diferença) em que se encontra o candidato impossibilitado de realizar o exame, justamente por não se encontrar em igualdade de condições com os demais concorrentes. 3. A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que não implica em ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior (AgRg no AI n. 825.545/PE). 4. Recurso em mandado de segurança provido (STJ,  RMS 28400/BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.02.2013, DJe 27.02.2013 – grifou-se).

Nota-se, portanto, que o direito fundamental social de proteção à maternidade, insculpido no art. 6.º da CF/1988, reverbera no plano do Direito Administrativo, na medida em que exige da Administração Pública a observância de que a gravidez não pode ser motivo para fundamentar nenhum ato administrativo contrário ao interesse da gestante, muito menos para impor-lhe qualquer prejuízo.

A partir do amálgama dos direitos fundamentais sociais, verifica-se que estes exercem um papel primordial na plena efetividade da proteção à maternidade em seus mais diversos prismas: quer pelo ângulo da proteção da gestante, da lactante, do nascituro, do recém-nascido, da família, do pai e de todos os partícipes desse tão importante momento do ciclo biológico[2].

Assim sendo, entende-se que a pretensão de as candidatas lactantes amamentarem seus filhos deve ser atendida pela Administração Pública como cerne da garantia de proteção à maternidade no sentido de propiciar local exclusivo para a candidata amamentar sua(seu) filha(o) durante a realização do certame, devendo ela estar acompanhada de uma fiscal do sexo feminino.

Recomenda-se, portanto, que alguns pontos do Projeto de Lei do Senado n.º 156, de 2015, sejam revistos a fim de construir soluções razoáveis, por exemplo: (1) o art. 2.º do Projeto de Lei limita o direito de amamentar assegurado à mãe de amamentar seus filhos até 6 (seis) meses de idade. Sem embargo, sabe-se que muitas crianças recebem aleitamento materno em período superior ao estabelecido pelo Projeto. No plano prospectivo, melhor seria abandonar o critério etário e condicionar o exercício do direito ao alvedrio de recomendações médicas; (2) o art. 3.º do Projeto de Lei impõe a necessidade de indicação de uma pessoa acompanhante que será a responsável pela guarda da criança durante o período necessário. Seria recomendável que a lei esclarecesse se o (a) acompanhante da candidata lactante deverá ou não se enquadrar nas exigências feitas aos candidatos, ou seja, deve-se esclarecer se as vedações impostas em alguns editais, tais como não portar aparelho celular, óculos de sol, bonés, notebooks, entre outros itens, são extensíveis a essa figura do(a) acompanhante; (3) o art. 4.º, caput, do Projeto de Lei determina que a mãe terá o direito de proceder à amamentação a cada intervalo de duas horas, por até 30 minutos, por filho. O recomendável seria substituir esse tempo fixo pelas expressões “sempre que necessário” e “pelo tempo adequado ao aleitamento”, uma vez que a necessidade de amamentação não se amolda com perfeição aos tempos propostos pelo legislador; (4) o art. 4.º, § 1.º, determina que, durante o período de amamentação, a mãe será acompanhada por fiscal. Para evitar constrangimento para a candidata lactante, recomenda-se que a mãe esteja acompanhada de fiscal do sexo feminino no tempo necessário à amamentação.


[1] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 575.
[2] Sobre o tema, conferir: MARQUES JÚNIOR, William Paiva. Desafios na efetividade do direito fundamental social da proteção à maternidade ante o reconhecimento da valorização do trabalho. In: ______; FERRAZ, Fernando Basto; ARAÚJO, Elizabeth Alice Barbosa Silva de (Org.). Direitos fundamentais sociais na contemporaneidade. São Paulo: LTr, 2014. v. 1, p. 237-256.

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