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A Súmula 435 do STJ Contraria o Princípio da Segurança Jurídica

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Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

20/07/2018

O STJ editou a Súmula 435 com o seguinte enunciado:

“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

A hipótese de liquidação de sociedade está normatizada no art. 134, VII, do CTN:

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:’

(…)

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas”.

O art. 134 do CTN não estabeleceu a responsabilidade solidária plena. Além de subsidiária essa responsabilidade, o sócio só responde pelo crédito tributário devido pela pessoa jurídica presentes os seguintes requisitos:

a.no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Somente na hipótese de liquidação de sociedade de pessoas, onde importa o affectio societatis, é que surge a responsabilidade do sócio, o que afasta essa responsabilidade no caso de liquidação de sociedades de capital, como as sociedades anônimas e as sociedades por cotas de responsabilidade limitada em que os sócios só respondem com o montante de suas cotas.

b.no caso de impossibilidade de exigência do tributo do contribuinte.

Não há que se cogitar de responsabilidade do sócio sem, antes, tentar receber o crédito tributário do sujeito passivo natural. Somente na hipótese de os bens do ativo não serem suficientes para pagamento de créditos privilegiados, entre os quais, o crédito tributário, é que surge a responsabilidade solidária do sócio.

c.nos atos que intervierem ou pelas omissões de que foram responsáveis.

Esse requisito afasta a responsabilidade objetiva, não abrigada pela ordem jurídica vigente. É imperativo que o responsável solidário tenha uma vinculação com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária, quer por ato comissivo, quer por omissão culposa.

A responsabilidade solidária não pode ser deduzida de um ato urdido por terceiro. Por isso, o art. 124, II, do CTN, que prescreve a responsabilidade solidária das pessoas expressamente designadas em lei, deve ser interpretado dentro do sistema jurídico como um todo. Não basta que a lei diga que os sócios são solidariamente responsáveis pelos débitos tributários, como faz o art. 13 da Lei nº 8.620/1993.

Conforme escrevemos, esse artigo, além de criar uma responsabilidade objetiva que a Constituição reservou apenas ao Estado e aos concessionários de serviços públicos (§ 6º do art. 37 da CF), invadiu o campo reservado à lei complementar (art. 146, III, b, da CF)[1].

Porém, a Súmula sob comento está embasada no art. 135, III, do CTN, que cuida da responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

(…)

IIIos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.

A exemplo do artigo antecedente, aqui, também, afastada se acha a responsabilidade objetiva. A responsabilidade, nesse caso, que é pessoal e não solidária, surge apenas de atos comissivos, ou seja, dos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos de que resultem créditos tributários. Exemplo: contrabando ou descaminho; exploração de atividade não prevista no contrato social etc. A falta de pagamento de tributo declarado, frequentemente confundida com a hipótese de infração legal de que cuida o dispositivo sob comento, não enseja a responsabilidade solidária do sócio ou administrador, porque não configura infração legal da qual resultou o tributo. Não se confunde a infração legal de que resulte em crédito tributário com a infração legal que resulta da mora no pagamento de crédito tributário. Nesse sentido, aliás, é a Súmula 430 do STJ editada posteriormente: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

A Súmula 435, ao fundamentar sua edição no art. 135, III, do CTN, e não no art. 134, VII, do mesmo Código, inova a disposição legal, pois faz surgir a responsabilidade por ato omissivo. Dizer que “presume-se dissolvida irregularmente a empresa” só pode indicar ato omissivo não contemplado no elenco do artigo 135. Aliás, falta de comunicação ao fisco não configura, nem pode configurar, fato gerador da obrigação tributária principal, mas de mera obrigação acessória punível com multa pecuniária.

Ademais, o teor dessa Súmula equivale a acrescentar o inciso IV ao art. 135 do CTN para inserir nova hipótese de responsabilidade do sócio no bojo de um dispositivo que somente permite a responsabilização por tributos que surgirem da prática do ato ilegal, ou contrário ao contrato social ou estatuto. Não é defensável, data venia, perante o ordenamento jurídico vigente, a posição defendida pelo grande mestre Hugo de Brito Machado que assim se manifesta acerca do art. 135 do CTN: “[…]   Assim, justifica-se uma interpretação que, de certa forma, corrige a insuficiência da norma, evitando que a atribuição de responsabilidade aos dirigentes ocorra somente em relação aos créditos gerados de atos ilegais ou abusivos.”[2] Ora, essa é exatamente a vontade objetiva da lei de responsabilizar o sócio apenas e tão somente pelo tributo que surgiu da ilegalidade do ato que ele praticou, ou da contrariedade do contrato social ou estatuto que o sócio cometeu. Não cabe ao juiz substituir-se no critério de justiça do legislador aplicando seu próprio critério que varia no tempo e no espaço, sempre sujeito à vontade subjetiva de cada julgador. Não cabe ao juiz fazer justiça. O art. 5º da LINDB, que é norma do direito geral, determina a aplicação da lei segundo o fim social visado e de forma a atender ao bem comum.

Diga-se de passagem, o ativismo judicial tem sido a grande fonte da insegurança jurídica. Somente o princípio da legalidade traz a necessária segurança jurídica à medida que a lei tem vontade própria e sentido de perenidade, não se alterando a todo momento como a vontade humana. É a lei conformada com os princípios constitucionais que dá a previsibilidade do que o poder político do Estado pode fazer e do que ele não pode. Essa previsibilidade que proporciona segurança jurídica a todos depende do respeito ao princípio da proteção da confiança. De nada adiantará a Constituição prescrever que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF), se o Estado que elaborou a lei sancionada não fizer a sua aplicação por meio de agentes públicos competentes, e com caráter de definitividade, por seu órgão jurisdicional. E o pressuposto da aplicação do princípio da proteção da confiança, por sua vez, é a boa-fé objetiva do Estado.

Sintetizando, os princípios da boa-fé objetiva do Estado, da proteção da confiança, da segurança jurídica e da legalidade formal e material atuam de forma imbricada e têm matriz no art. 1º da Constituição, no qual está dito que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Não há, nem pode haver sequer, Estado de Direito, muito menos, o Democrático, sem o império da legalidade. Estado de Direito significa governo de leis, e não de homens.

Daí o grande perigo do ativismo judicial defendido por alguns autores como meio de correção das imperfeições legislativas, a partir de uma ótica subjetiva de cada aplicador, geralmente pessoas imbuídas da melhor das intenções. O certo é que as inovações legislativas por via do Judiciário afrontam o princípio de separação dos poderes e trazem insegurança jurídica pela impossibilidade de prever a ação do julgador em cada caso concreto. Dependendo do grau de ativismo judicial, poderá conduzir ao aniquilamento parcial da ordem jurídica positiva.

O legislador foi sábio, na verdade, ao elaborar a norma do art. 135 do CTN de forma a não responsabilizar o sócio pelo pagamento do tributo a que não deu causa. A dissolução irregular pode muito bem resultar de uma situação conjuntural da economia inviabilizando a continuidade da exploração da atividade nesse ou naquele setor da economia, conduzindo à insolvência da sociedade. Nessa hipótese, só restará aos sócios encerrar as atividades sem poder dar baixa da pessoa jurídica no Registro do Comércio pela impossibilidade de obtenção de certidões negativas de tributos. É exatamente essa situação que a Súmula 435 do STJ elegeu como caso de responsabilidade tributária do sócio, inovando o direito positivo.

Em casos de atos abusivos e ilegais dos sócios a que alude o ilustre Hugo de Brito, deve ser acionado o mecanismo processual adequado, qual seja a despersonalização de pessoa jurídica na forma da lei processual vigente, com fundamento no art. 50 do Código Civil mediante observância do devido processo legal.

Merece, pois, a revogação da Súmula 435 do STJ, que confunde a sociedade com a pessoa dos sócios que a compõem, mesmo porque a própria Corte Especial na área do direito civil já não vem permitindo a aplicação da responsabilidade objetiva.


[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 27. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 603.
[2]Comentário ao Código Tributário Nacional, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, vol. II, p. 587.

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