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Repensando o Direito Civil Brasileiro (29) — Direito Civil, Carnaval, A?lcool e Capacidade — Lembretes para curtir com responsabilidade
Felipe Quintella
09/02/2018
Às vésperas do carnaval, é tempo de repensar um importante assunto do Direito Civil brasileiro, muitas vezes negligenciado.
Nenhum dos Códigos Civis brasileiros — nem o de 1916, nem o de 2002 — prevê hipótese de incapacidade de fato transitória em razão de discernimento temporariamente reduzido por embriaguez. Somente o ébrio habitual é que pode ser considerado relativamente incapaz.
E, especificamente no plano do Direito Civil, não se pode perder de vista que a grande maioria dos negócios jurídicos é simplesmente consensual, ou seja, basta a manifestação de vontade — oral e, por vezes, até gestual —, para que um negócio se realize, sem necessidade de instrumento escrito ou de escritura pública.
Pois bem. Como o fato de estar momentaneamente embriagado não afeta a capacidade para a prática dos atos da vida civil, se o sujeito vier a manifestar vontade com relação a um negócio que se pode celebrar por qualquer forma, estará vinculado.
Ademais, mesmo no caso dos negócios para os quais se exige forma específica, se o sujeito embriagado vier a praticá-los observando a forma prescrita pela lei, não se poderá socorrer alegando invalidade decorrente de incapacidade ou de forma.
Vejamos um exemplo bem simples.
Clóvis, feliz em meio a seus amigos em um bloco de carnaval, após um certo tanto de latinhas de cerveja, vira para Caio e lhe diz, “meu amigo, gosto tanto de você que quero lhe dar o meu celular”. Caio, na sequência, prontamente diz que aceita.
Nesse caso, ambos celebraram contrato de doação de coisa móvel.
É preciso lembrar, neste ponto, que a propriedade das coisas móveis se transmite entre vivos pela tradição, ou seja, pela entrega da coisa.
Logo, se Clóvis, após a manifestação de vontade de Caio, ainda tira do bolso seu iPhone X e o passa para o amigo, transfere para ele a propriedade.
Na Quarta-feira de Cinzas, recobrando-se da ressaca, não poderá Clóvis pretender invalidar a doação e receber de volta o iPhone, alegando que estava bêbado, mesmo que Caio também estivesse. Isso porque o estado de embriaguez dos sujeitos não interferiu na sua capacidade de fato.
A única salvação de Clóvis, então, seria a amizade. O Direito, por sua vez, não o socorreria.
A dica, pois, é curtir o carnaval entre os amigos e, para quem gosta de bebidas alcoólicas, consumi-las com moderação.
E não deixe de aproveitar para estudar Direito Civil na prática, lembrando que o Direito Civil o acompanhará todo instante, em cada contrato de transporte, de compra e venda, de prestação de serviços, de doação e até de namoro que vier a ser celebrado.
Aliás, é bom não se esquecer da incidência do Direito de Família, tanto ao longo da festa quanto, sobretudo, nove meses depois dela, se você for negligente.
Então, divirta-se, mas também se cuide.
Grande abraço.
Veja também:
- Repensando o Direito Civil Brasileiro (29) — Reflexão sobre o Direito Codificado — O exemplo da disciplina das hipóteses de indignidade do sucessor
- Decodificando o Código Civil (48): 15 anos de vigência do Código Civil de 2002
- Decodificando o Código Civil (47): A lei 13.465 de 11 de julho de 2017 e o condomínio de lotes
- Decodificando o Código Civil (46): A Lei 13.532 de 7 de dezembro de 2017 e o art. 1.815 — Alteração na disciplina da exclusão do herdeiro indigno
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