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Efeitos do acordo judicial em sede de ação civil pública nas ações de cumprimento
Enoque Ribeiro dos Santos
16/11/2017
O objetivo deste artigo é discorrer sobre os efeitos do acordo judicial que culmina em acordo judicial em sede de Ação Civil Pública, com desconstituição de cláusula normativa que deu sustentação ao processo de execução de Ação de Cumprimento, transitada em julgado. Tal matéria é de suma importância em face não apenas das controvérsias suscitadas, como também dos inúmeros casos em trâmite nos Pretórios Trabalhistas, envolvendo, inclusive, decisões conflitantes.
Procuraremos discorrer sobre a posição doutrinária e jurisprudencial, envolvendo a discussão sobre os efeitos (aplicação de multa) da execução da ação de cumprimento, tendo por objeto cláusula de convenção coletiva de trabalho, vedando a abertura do comércio aos domingos, que foi afastada do mundo jurídico por meio de acordo judicial em sede de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, com a estipulação de obrigação de não-fazer nos futuros instrumentos normativos.
Com efeito, o que se procura responder é o cabimento das multas impostas nas ações de cumprimento, que transitaram em julgado, e foram executadas, antes e após o advento do acordo judicial entre os sindicatos e o Ministério Público do Trabalho.
Ação de Cumprimento
Celebrado o acordo coletivo ou mesmo antes[1] de transitada em julgado a decisão normativa, de competência do Tribunal Regional do Trabalho ou Tribunal Superior do Trabalho, na hipótese de não satisfação das cláusulas contidas naqueles instrumentos, os empregados ou seus representantes, os sindicatos, poderão ajuizar reclamação trabalhista ou ação de cumprimento.
Estatui o artigo 872 da CLT:
“Art. 872. Celebrado o acordo, ou transitada em julgado a decisão, seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas estabelecidas neste Título.
Parágrafo único. Quando os empregadores deixarem de satisfazer o pagamento de salários, na conformidade da decisão proferida, poderão os empregados ou seus sindicatos, independentes de outorga de poderes de seus associados, juntando certidão de tal decisão, apresentar reclamação à Junta ou Juízo competente, observado o processo previsto no Capítulo II deste Título, sendo vedado, porém, questionar sobre a matéria de fato e de direito já apreciada na decisão”.
Por seu turno, a Súmula 286 do Colendo Tribunal Superior legitima a atuação do sindicato, como substituto processual, in verbis:
“Súmula nº 286 – SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVOS – REDAÇÃO DADA PELA RES. 98/2000, DJ 18.09.2000. A legitimidade do sindicato para propor ação de cumprimento estende-se também à observância de acordo ou de convenção coletivos”.
De acordo com Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante[2], a ação de cumprimento tem natureza condenatória pois busca o cumprimento de determinação de decisão normativa (decisão normativa genérica) ao caso concreto. (…) Apesar de o art. 872 da CLT, prever a ação de cumprimento após a celebração do acordo ou do trânsito em julgado da decisão, o art. 7º., parágrafo 6º. Da Lei 7701/88, autoriza o ajuizamento da ação a partir do vigésimo dia subseqüente ao julgamento, fundada no acórdão ou na certidão de julgamento, quando não publicado o acórdão.
Já o art. 3º., parágrafo 6º. da Lei 4725/65, dispõe que
“o provimento do recurso não importará na restituição dos salários ou vantagens pagos, em execução do julgado”.
Portanto, pacificado o conflito por meio de sentença normativa, decorrente de dissídio coletivo de natureza econômica ou mesmo por acordo ou transação em sede de Ação Civil Pública, em que já houve pagamento a trabalhadores da categoria decorrente de ajuizamento de Ação de Cumprimento, não mais será possível a devolução dos valores pagos anteriormente, na hipótese de reforma de decisão ou de retirada do acordo ou convenção coletiva de cláusula que deu sustentação à mencionada ação de cumprimento, ou mesmo objeto de reforma da decisão normativa, por intermédio de Recurso Ordinário no Tribunal Superior do Trabalho.
Ação Civil Pública como instrumento de desconstituição de cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
Entre as várias atribuições constitucionais e infra-constitucionais atribuídas ao Ministério Público do Trabalho, consoante arts. 127 a 129 da Constituição Federal de 1988, art. 6º., 83 e 84 da Lei Complementar n. 75/93, verificando o membro do MPT a inserção de cláusula em acordo ou convenção coletiva de trabalho que conflita com as leis de regência, poderá instaurar Procedimento Investigatório, com a notificação dos sindicatos envolvidos, no sentido de pacificar o conflito por meio de celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (Lei da Ação Civil Pública n. 7347/85, art. 6º.).
Havendo a recusa ou a recalcitrância dos sindicatos na adequação de sua conduta, não haverá outra alternativa ao Parquet Trabalhista, a não ser, o ajuizamento de Ação Civil Pública nas Varas do Trabalho, consoante art. 2º. da Lei 7347/85, para extirpar a cláusula infringente do ACT ou CCT ao ordenamento jurídico, com efeito jurídico “ex-nunc”, bem como Ação Anulatória de cláusula do ACT ou CCT no Tribunal Regional do Trabalho ou eventualmente no Tribunal Superior do Trabalho, dependendo da região envolvida no instrumento jurídico, até mesmo com efeito “ex-tunc”.
No entanto, deve-se notar que o Inquérito Civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações a cargo do Ministério Público do Trabalho, nem para a realização das demais medidas de sua própria atribuição, consoante art. 1º, parágrafo único, da Resolução n. 69/2007, do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho.
Neste sentido, a ementa:
“O inquérito civil é procedimento administrativo facultativo, inquisitorial e auto-executório, o que desobriga o MP de instaurá-lo se dispõe de elementos necessários à propositura da ação”. (STJ, REsp. n. 077899/02, 2ª. T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 09.06.2003)”.
De acordo com Raimundo Simão de Melo[3], dependendo da situação concreta que envolva a invalidade de um instrumento normativo ou contratual pode ser ajuizada uma ação civil pública de natureza reparatória. Neste caso, porém, diferentemente da ação de nulidade, o objetivo não é afastar a norma inquinada de inválida, de forma abstrata, do mundo jurídico. A finalidade é, declarando-se a nulidade incidental (CPC art. 49, inciso III), coibirem-se os efeitos concretos decorrentes e impedir, mediante a imposição de uma obrigação de não fazer, que a mesma seja repetida nos instrumentos seguintes.
Efeitos jurídicos do acordo judicial em sede de Ação Civil Pública na Ação de Cumprimento
Levantadas as possibilidades de cabimento e legitimidade de Ação Civil Pública e da Ação de Cumprimento, cabe-nos agora tentar responder ao objetivo deste artigo que versa justamente sobre os efeitos jurídicos de um acordo judicial, que culminou com a extinção da Ação Civil Pública, com julgamento do mérito, com fulcro no art. 269, III, do Código de Processo Civil, que afastou do mundo jurídico e das próximas convenções ou acordos coletivos da categoria, uma cláusula que atritava com lei federal, mais especificamente o art. 6[4] da Lei n. 10.101/2000.
O problema se afigura em relação aos processos de execução em sede de Ação de Cumprimento em curso e aqueles que já foram liquidados, com o recebimento dos valores pelos trabalhadores da categoria profissional, que tiveram como sustentáculo justamente a cláusula de convenção ou acordo coletivo eivado de irregulares, agora retirada do mundo jurídico.
Quais os efeitos, portanto, desse acordo judicial decorrente de Ação Civil Pública, não apenas nas ações de cumprimento já liquidadas, com o recebimento do quantum debeator, como aquelas ainda em curso nas Varas do Trabalho?
Sabe-se que, proferida a sentença na ação de cumprimento, cabe ao autor, geralmente o Sindicato, iniciar a execução provisória do julgado, por sua conta e risco. Com o trânsito em julgado dessa sentença, prossegue-se com a execução definitiva do julgado, como é a regra geral a ser aplicada em relação a qualquer decisão judicial.
Raimundo Simão de Melo[5] aduz que problemas surgem, no entanto, quando, mesmo transitada em julgado uma sentença em ação de cumprimento, a decisão normativa embasadora do pedido: a) pende de confirmação mediante recurso para o TST: b) transita em julgado com conteúdo improcedente em relação aos pleitos objeto da ação de cumprimento; c) decreta a extinção do processo de dissídio coletivo, sem apreciação do mérito.
Observe-se que a matéria discutida neste artigo, ou seja, o acordo judicial entre o Ministério Público do Trabalho e os sindicatos, em Ação Civil Pública movida pelo primeiro em face dos sindicatos obreiro e patronal, que culminou com a aceitação pelos sindicatos da obrigação de não-fazer pleiteada pelo MPT (não incluir nas próximas convenções ou acordos coletivos de trabalho de cláusula que proibia a abertura do comércio aos domingos) enquadra-se perfeitamente nos três exemplos retro-referidos, por analogia, pois as multas aplicadas aos empregadores que abriram suas portas aos domingos foi justamente o objeto da ação de cumprimento.
Não obstante, o problema não é de tão fácil entendimento, pois a questão tem gerado muita cizânia doutrinária e jurisprudencial.
Com efeito, temos duas correntes divergentes. Uma primeira que se posiciona no sentido de que, transitada em julgado a sentença normativa, ou retirada a cláusula do acordo ou convenção coletiva por meio de acordo judicial, ou ação anulatória, de forma contrária ao que decidido na sentença da ação de cumprimento, esta perde automaticamente o seu efeito, porque a execução da sentença na ação de cumprimento é sempre provisória, sujeita a condição não-resolutiva superveniente, enquanto pendente recurso em face de sentença proferida no dissídio coletivo, ação civil pública ou ação coletiva.
Os que assim se posicionam, apresentam por fundamento a Súmula n. 397 e a Orientação Jurisprudencial n. 277, da SDI I, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:
“Nº 397 – AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IV, DO CPC. AÇÃO DE CUMPRIMENTO. OFENSA À COISA JULGADA EMANADA DE SENTENÇA NORMATIVA MODIFICADA EM GRAU DE RECURSO. INVIABILIDADE. CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 116 da SDI-II).
Não procede a ação rescisória calcada em ofensa à coisa julgada perpetrada por decisão proferida em ação de cumprimento, em face de a sentença normativa, na qual se louvava, ter sido modificada em grau de recurso, porque em dissídio coletivo somente se consubstancia coisa julgada formal. Assim, os meios processuais aptos a atacarem a execução da cláusula reformada são a exceção de pré-executividade e o mandado de segurança, no caso de descumprimento do art. 572 do CPC. (ex-OJ nº 116 – DJ 11.08.2003)”.
Já a Orientação Jurisprudencial n. 277, da SDI I do TST, assim enuncia:
“ OJ 277. Ação de Cumprimento Fundada em Decisão Normativa que Sofreu Posterior Reforma, Quando já Transitada em Julgado a Sentença Condenatória. Coisa Julgada. Não-Configuração. A coisa julgada produzida na ação de cumprimento é atípica, pois dependente de condição resolutiva, ou seja, da não-modificação da decisão normativa por eventual recurso. Assim, modificada a sentença normativa pelo TST, com a conseqüente extinção do processo, sem julgamento do mérito, deve-se extinguir a execução em andamento, uma vez que a norma sobre a qual se apoiava o título exeqüendo deixou de existir no mundo jurídico”.
Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto Quadros Pessoa Cavalcante[6] assim se manifestam: o maior problema surge quando a decisão da ação de cumprimento transita em julgado antes do julgamento final do recurso do dissídio coletivo de trabalho. Nesse caso a doutrina e jurisprudência se dividem. Para alguns, a ação de cumprimento deverá ser extinta, por entender que a ação de cumprimento era provisória e sua execução definitiva estava sujeita a uma condição resolutiva.
No entanto, uma outra corrente doutrinária e jurisprudencial entende pelo respeito ao instituto da coisa julgada[7], já que este é fundamento do Estado Democrático de Direito e do princípio de segurança nas relações jurídicas.
Para essa corrente, a decisão definitiva na ação de cumprimento somente não será executada no caso de, anteriormente:
• transitar em julgado a decisão do dissídio coletivo, fulminando com a improcedência o objeto da ação de cumprimento;
• Houver a extinção do processo sem julgamento do mérito;
• Ocorrer transação ou acordo judicial[8] em sede de Ação Civil Pública, com aceitação da obrigação de não-fazer pelos réus, como por exemplo, a não-inclusão de cláusula de proibição da abertura do comércio aos domingos em futuros ACT ou ACT, que suscitou ação de cumprimento para cobrança de multas, ou
• em caso de procedência da Ação Anulatória de cláusula ou acordo coletivo movida pelo Ministério Público do Trabalho, objeto da própria demanda de cumprimento.
Note-se que, para essa corrente, o trânsito em julgado anterior da ação de cumprimento, sua execução e recebimento dos valores pleiteados, mesmo com a superveniência de decisão ou acordo afastando a cláusula indigitada posteriormente não suscitará quaisquer devoluções de valores já pagos pelos empregadores ao sindicato, e eventualmente já creditados aos trabalhadores.
Algumas ementas dos Tribunais do Trabalho seguem esse entendimento. Vejamos:
DIFERENÇAS SALARIAIS – AÇÃO DE CUMPRIMENTO – DISSÍDIO COLETIVO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO – COISA JULGADA – Modificada a sentença normativa pelo TST, com a conseqüente extinção do processo, sem julgamento do mérito, não subsiste o suporte jurídico para a manutenção da condenação da Reclamada ao pagamento das diferenças salariais deferidas com base na norma coletiva. Recurso de Revista conhecido e provido. FUNDAÇÃO PÚBLICA – DIFERENÇAS SALARIAIS – REAJUSTE – PREVISÃO – NORMA COLETIVA – APLICABILIDADE – Resta prejudicado o Recurso de Revista, no particular, ante o provimento do principal. (TST – RR 80645/2003-900-04-00 – Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes – DJe 08.05.2009 – p. 529).
ADMINISTRATIVO – FERROVIÁRIOS INATIVOS DA RFFSA – PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA COM OBSERVÂNCIA DO REAJUSTE DE 26,06%, DEFERIDO AOS OBREIROS EM ACORDO COLETIVO – POSTERIOR AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE CUMPRIMENTO PARA OBSERVÂNCIA DO PAGAMENTO DOS REAJUSTES ACORDADOS – EXTINÇÃO DESSE FEITO MEDIANTE TRANSAÇÃO, QUE SUBSTITUIU O REAJUSTE POR VERBAS INDENIZATÓRIAS – FATO EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – 1- Os acordos coletivos firmados por sindicatos patronais e obreiros possuem força normativa, obrigando as partes à sua observância com relação a todos os membros da categoria. 2- A pretensão de extensão, a inativos, de reajuste deferido em acordo coletivo, configura hipótese substancialmente diversa da pretensão de extensão de acordos trabalhistas a obreiros que não participaram da relação processual nos quais foram firmados, eis que o acordo coletivo e a ação intentada na Justiça do Trabalho para garantir o seu cumprimento são processos de natureza especialíssima, cujas decisões possuem força normativa apta a obrigar os sindicatos patronais e obreiros ao seu cumprimento, estendendo-se a todos os empregados da categoria. 3- Acordo coletivo, na espécie, tornado sem efeito por força de transação judicialmente homologada em ação de cumprimento, com substituição do direito ao reajuste vindicado por indenizações diretamente pagas pelo sindicato dos obreiros aos inativos. 4- Fato extintivo do direito, não combatido pelo autor, que se tornou incontroverso. 5- De toda forma, a Lei nº 8.186/91, que estabelece, no parágrafo único de seu artigo 2º, que o reajustamento do valor da aposentadoria complementada obedecerá aos mesmos prazos e condições em que for reajustada a remuneração do ferroviário em atividade, de forma a assegurar a permanente igualdade entre eles, não poderia ser aplicada retroativamente, atingindo período anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, de forma a possibilitar aumentos dos proventos e pensões complementadas na forma de acordo coletivo firmado em 1987. 6- Apelação desprovida. (TRF 1ª R. – AC 2008.33.00.006329-0/BA – 1ª T – Rel. Des. Fed. José Amilcar Machado – DJe 19.05.2009 – p. 122).
AÇÃO DE CUMPRIMENTO – EXECUÇÃO – SENTENÇA NORMATIVA PENDENTE DE RECURSO – “COISA JULGADA ATÍPICA” – Modificada a sentença normativa, em face do reconhecimento, pelo TST, da incompetência funcional do TRT da 2ª Região que a proferiu, com conseqüente extinção do processo sem julgamento de mérito, resulta que a execução em andamento, com base no título exeqüendo que foi excluído do mundo jurídico, deve ser de imediato extinta, por já não mais existir o suporte jurídico de sua exigibilidade. Realmente, a execução estava assentada em coisa julgada atípica, na medida em que a sentença normativa subordinava-se à condição resolutiva, que, uma vez concretizada, desconstituiu o título exeqüendo que até então representava. Logo, o V. acórdão do Regional, ao proclamar que a r. sentença proferida na fase cognitiva da ação de cumprimento não poderia ser alcançada pelo V. acórdão que julgou extinto o dissídio coletivo, com conseqüente desaparecimento da sentença normativa que embasava a execução, revela-se equivocada e, mais do que isso, agressiva ao artigo 5º, II e XXXVI, da Constituição Federal. Recurso de embargos provido, para extinguir a execução. (TST – ERR 405753 – SBDI 1 – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 09.11.2001).
AÇÃO RESCISÓRIA – AÇÃO DE CUMPRIMENTO – EXECUÇÃO – DIFERENÇAS SALARIAIS DECORRENTES DE SENTENÇA NORMATIVA PROFERIDA POR TRT – DISSÍDIO COLETIVO JULGADO EXTINTO PELO TST – OFENSA À COISA JULGADA – A coisa julgada produzida na ação de cumprimento é atípica. Depende de condição resolutiva, ou seja, da não-modificação da decisão normativa por eventual recurso. Assim, a modificação da sentença normativa em grau de recurso repercute diretamente na coisa julgada e, conseqüentemente, na execução promovida na ação de cumprimento, que é extinta se forem indeferidas por este Tribunal as vantagens objeto do título exeqüendo. Uma vez que a coisa julgada na ação de cumprimento é relativa no tempo em função da condição resolutiva, a executada deverá buscar alento no próprio processo de execução e não na ação rescisória. 2. DOCUMENTO NOVO – O TST já firmou na Orientação Jurisprudencial nº 20 da SBDI 2 entendimento segundo a qual não é documento novo apto a viabilizar a desconstituição de julgado decisão do TST que julga extinto o processo nos autos do dissídio coletivo em que foi proferida a sentença normativa que amparou o pleito deferido no processo de cognição. Recurso Ordinário a que se nega provimento. (TST – ROAR 400.369/97.3 – SBDI 2 – Rel. Min. Ronaldo Leal – J. 13.11.2001).
Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante[9] sustentam que o Tribunal Superior do Trabalho vem admitindo mandado de segurança e exceção de pré-executividade para extinguir execução fundada em sentença proferida em ação de cumprimento, quando excluída da sentença normativa a cláusula que lhe serviu de sustentáculo. Isso porque a sentença normativa depende da exaustão do processo coletivo (art. 572[10], CPC) e a sentença da ação de cumprimento perde sua eficácia executória com a reforma da sentença normativa em instância recursal.
Raimundo Simão de Melo[11] comunga com essa última corrente, pelas razões que norteiam a excepcionalidade do Poder Normativo da Justiça do Trabalho e aduz que somente por meio de ação rescisória, cumulada com eventual medida cautelar, seria possível estancar os efeitos da decisão transitada em julgado numa ação de cumprimento, em respeito ao comando constitucional do art. 5º, inciso XXXVI.
Aduz ainda, esse doutrinador[12], que a Lei n. 7.701/98 (Art. 2º., inciso I, letra c), ao estabelecer que compete à seção especializada em dissídios coletivos, ou seção normativa, originariamente…c)julgar as ações rescisórias propostas contra suas sentenças normativas leva à conclusão que a sentença normativa produz coisa julgada material e não apenas formal, já que a primeira (coisa julgada material) é pressuposto da Ação Rescisória. O art. 872[13] da CLT, que veda discussão na ação de cumprimento, a respeito de matérias de fato e de direito já decididas na sentença normativa também viria corroborar essa posição.
Manoel Antonio Teixeira Filho afigura-se também afiliado a esta segunda corrente ao aduzir que:
“Se a coisa julgada produzida pelo acórdão emitido pelo Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do recurso ordinário interposto da decisão normativa, for posterior à coisa julgada gerada pela sentença proferida na ação de cumprimento, a prevalência será desta última. Por isso, a execução, sendo definitiva, deve ter curso, a despeito da eliminação da cláusula normativa que dá conteúdo material à sentença exeqüenda. Cuida-se de situação invulgar, e algo anômala, determinada pelo fato de a coisa julgada alusiva à ação de cumprimento formar-se antes da que foi produzida no dissídio coletivo. Trata-se, portanto, de uma das raras situações em que o efeito sobrevive à causa”.
Raimundo Simão de Melo, dessa forma, entende que, se o TST vier a excluir a cláusula que constitui o objeto da execução da sentença proferida na ação de cumprimento, duas soluções apresentam-se viáveis:
a) Caso não tenha ainda transitado em julgado a sentença na ação de cumprimento, a execução em andamento, que é provisória, extingue-se;
b) Porém, se a sentença na ação de cumprimento já transitou em julgado, deve esta ser cumprida em respeito ao instituto da coisa julgada, protegida pela CF, (art. 5º, inciso XXXVI) podendo o interessado valer-se do instrumento da ação rescisória para desconstituí-la e, se for o caso, de uma medida cautelar para suspender a execução definitiva.
No entanto, o mesmo TST não tem admitido Ação Rescisória, por violação da coisa julgada, da sentença de ação de cumprimento, com a alteração da sentença normativa em instância superior, com base na Súmula n. 397 do TST, uma vez seu entendimento é de que o dissídio coletivo somente produz coisa julgada formal e não material.
Contudo, para Antonio Gidi[14], rigorosamente, a coisa julgada julgada nas ações coletivas no direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim se ela se formasse nos casos de procedência do pedido e não nos de improcedência. (…) a coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra.
Conclui esse autor: o que diferirá com o evento da lide não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a extensão erga omnes ou ultrapartes à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva.
Com base neste raciocínio, e levando-se em consideração a legitimação por substituição processual (dos sindicatos), já que a legitimação do Ministério Público é autônoma e constitucional, já que está sempre a defender interesse da sociedade, seja como parte/autor ou como órgão interveniente, a extensão da imutabilidade da coisa julgada secundum eventus litis não será aplicada para o substituído no caso improcedência. Vale dizer, nos casos de improcedência da ação coletiva não ocorrerá a extensão subjetiva, ou seja, não gerará efeitos. Caso contrário, em caso de procedência, os efeitos serão erga omnes ou ultrapartes, conforme o caso, para atingir os substituídos em seu benefício.
Com fulcro nesse entendimento, poderíamos dizer que, contrariamente ao posicionamento do TST retro-referenciado, na superveniência de coisa julgada advinda de acordo judicial em sede de Ação Civil Pública ou mesmo de sentença normativa oriunda de dissídio coletivo, a ação rescisória para postular a desconstituição da coisa julgada da ação de cumprimento, poderia se valer do inciso VII[15] do art. 485 do CPC, sob o fundamento de nova prova ou documento novo.
Nelson Nery Junior[16] ao discorrer sobre documento novo aduz que ele deve ser de tal ordem que, sozinho, seja capaz de alterar o resultado da sentença rescindenda, favorecendo o autor da rescisória, sob pena de não ser idôneo para o decreto da rescisão.
A corroborar esta posição, trazemos a Súmula 406, inciso II, do próprio Colendo Tribunal Superior do Trabalho:
“ II – O Sindicato, substituto processual e autor da reclamação trabalhista, em cujos autos fora proferida a decisão rescindenda, possui legitimidade para figurar como réu na ação rescisória, sendo descabida a exigência de citação de todos os empregados substituídos, porquanto inexistente litisconsórcio passivo necessário”.
No entanto, em sentido contrário, a Súmula a respeito do Tribunal Superior do Trabalho:
“Nº 402 – AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO NOVO. DISSÍDIO COLETIVO. SENTENÇA NORMATIVA. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 20 da SDI-II)
Documento novo é o cronologicamente velho, já existente ao tempo da decisão rescindenda, mas ignorado pelo interessado ou de impossível utilização, à época, no processo. Não é documento novo apto a viabilizar a desconstituição de julgado:
a) sentença normativa proferida ou transitada em julgado posteriormente à sentença rescindenda;
b) sentença normativa preexistente à sentença rescindenda, mas não exibida no processo principal, em virtude de negligência da parte, quando podia e deveria louvar-se de documento já existente e não ignorado quando emitida a decisão rescindenda. (ex-OJ nº 20 – inserida em 20.09.2000)”.
Conclusões
Após a análise desse quadro jurídico, no aspecto da justiça das decisões judiciais, com um resultado lesivo para uns (aqueles empregadores que já foram obrigados a pagar eventuais multas ou celebraram acordo com os sindicatos, a título de descumprimento de cláusula de ACT/CCT que venha a ser afastada posteriormente) e outro resultado não lesivo para outros, dependendo do lapso temporal em que vier a ocorrer o afastamento da cláusula indigitada, por meio de alguns dos instrumentos jurídicos retro-apontados nesse trabalho, poderá sobrevir a seguinte questão[17]: as demandas coletivas passivas não poderão se converter em mecanismo de supressão de direitos individuais com o selo da imutabilidade judicial?
Em que pese as posições acima elencadas, entendemos que se os recursos advindos das multas por descumprimento de cláusula de convenção ou acordo coletivo já foram pagos ou creditados aos trabalhadores da categoria profissional não caberá qualquer devolução, mesmo porque no tempo em que receberam tais benefícios ainda estava vigendo a cláusula que posteriormente foi retirada do mundo jurídico, e ainda pelo fato de que figuraram como substituídos nas ações coletivas.
Não obstante, assistimos várias situações em que decisões judiciais não primam pela justiça ou equidade, o que seria de se esperar com ansiedade em um Estado Democrático de Direito, mas que, em alguns casos concretos, alguns outros princípios e valores se sobrepõem, e às vezes entram em rota de colisão, como a segurança jurídica e a pacificação social e a imutabilidade da coisa julgada.
Referências Bibliográficas
Didier Jr., Fredie e Zaneti Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. Salvador: Editora Podium, 2007.
Gidi, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
Jorge Neto, Francisco Ferreira; Cavalcante, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito Processual do Trabalho, Tomo II, 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
Melo, Raimundo Simão de. Processo Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.
Nery Jr., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
[1] Súmula 246 do TST: Nº 246 – AÇÃO DE CUMPRIMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA NORMATIVA. É dispensável o trânsito em julgado da sentença normativa para a propositura da ação de cumprimento.
[2] Jorge Neto, Francisco Ferreira e Cavalcante, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito Processual do Trabalho, Tomo II, 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 1558
[3] Melo, Raimundo Simão de. Processo Coletivo do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2009, pg. 236. Esse autor aduz ainda, que conforme a situação real, pode ser ajuizada, ao invés de ação de nulidade, ação cvil pública com vários pedidos, entre eles, a de indenização pelos danos genéricos causados coletivamente aos trabalhadores e ao ordenamento jurídico, cuja indenização tem efeito e natureza jurídica de sanção, com intuito punitivo e pedagógico em relação aos sujeitos convenentes.
[4] Art. 6º Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do inciso I do caput do art. 30 da Constituição Federal. (Redação dada ao caput pela Lei nº 11.603, de 05.12.2007, DOU 06.12.2007).
[5] Idem, ibidem, p. 215
[6] Idem, ibidem, p. 1559.
[7] Art. 5º,da CF/88, inciso XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
[8] É cediço que em havendo acordo judicial na audiência, objeto de transação entre as partes, o trânsito em julgado ocorre no momento de sua homologação pelo magistrado. De acordo com a Súmula n. 100 do TST: “V – O acordo homologado judicialmente tem força de decisão irrecorrível, na forma do art. 831 da CLT. Assim sendo, o termo conciliatório transita em julgado na data da sua homologação judicial”. O artigo 831 da CLT, assim dispõe: (…)Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas.
[9] Idem, ibidem, p. 1661
[10] Art. 572. Quando o juiz decidir relação jurídica sujeita à condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou que ocorreu o termo.
[11] Idem, ibidem, p. 216
[12] Idem, ibidem, p. 217. Para esse autor, não se pode confundir a possibilidade da ação revisional do art. 873 da CLT, que é uma característica do dissídio coletivo, para situações específicas, com o corte rescisório, quando presentes os requisitos do art. 485 do CPC. Não se aplicam na espécie os comandos do Código Civil (art. 125) e do CPC (art. 572), porque direcionados à jurisdição comum, em que o juiz aplica o direito existente. No dissídio coletivo, ao contrário, o juiz cria o direito para resolver rapidamente e com efetividade um conflito coletivo de trabalho, devendo a decisão normativa, como assegura a Lei n. 4725/65 (art. 6º, parágrafo 3º), ser cumprida imediatamente, pena de não cumprir a sua função social pacificadora.
[13] Art. 872. Celebrado o acordo, ou transitada em julgado a decisão, seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas estabelecidas neste Título.
Parágrafo único. Quando os empregadores deixarem de satisfazer o pagamento de salários, na conformidade da decisão proferida, poderão os empregados ou seus sindicatos, independentes de outorga de poderes de seus associados, juntando certidão de tal decisão, apresentar reclamação à Junta ou Juízo competente, observado o processo previsto no Capítulo II deste Título, sendo vedado, porém, questionar sobre a matéria de fato e de direito já apreciada na decisão
[14] Gidi, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 73-74
[15] Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: VII – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável.
[16] Nery Jr., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 10ª. Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 783
[17] Didier Jr., Fredie e Zaneti Jr., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Processo Coletivo. Salvador: Editora Podium, 2007, p. 350.
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