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DOSSIÊ TERCEIRIZAÇÃO

TRABALHO

Nova Lei da terceirização: um cheque um branco ao empresariado

ATIVIDADE FIM

ATIVIDADE MEIO

EMPRESAS TERCEIRIZADAS

FILIAÇÃO SINDICAL

NOVA LEI DA TERCEIRIZAÇÃO

PL N. 4302/98

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

RETENÇÃO DE VALORES

VALE ALIMENTAÇÃO

Enoque Ribeiro dos Santos
Enoque Ribeiro dos Santos

31/03/2017

I – INTRODUÇÃO

Efetivamente já passou o momento de o Brasil ter uma lei sobre terceirização, adequada aos novos tempos da globalização, dos novos mercados, da robótica, da telemática, da inteligência artificial, da utilização de novas tecnologias do conhecimento e da informação compatíveis com os novos tempos em que estamos vivendo.

Atualmente apenas a Súmula no. 331 do Tribunal Superior do Trabalho, a Lei 6.019/74 (trabalho temporário), Lei 7.102/83 (vigilância) e o trabalho especializado, desde que não se verifique a pessoalidade e a subordinação direta com o tomador de serviços, compõem o núcleo das atividades em que a jurisprudência dos Tribunais do Trabalho dá guarida à terceirização e se alinha à solução das controvérsias sobre o tema.

O advento da nova lei, sem um exame mais profundo, que fiz nesta oportunidade, pareceu-nos, a princípio, oportuno diante da grave recessão em que o país atravessa.

É exatamente sobre isto que nos aprofundaremos no sentido de contribuir ao acirrado debate sobre esta importantíssima temática, já que absorve virtualmente 15% da força de trabalho no Brasil, ou seja, algo em torno de 12 a 15 milhões de trabalhadores, em um universo de 100 milhões de pessoas, nos setores público e privado.

II – A NOVA LEI DA TERCEIRIZAÇÃO VOTADA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. O PL n. 4302/98.

Vivemos sob a égide do capitalismo moderno, em que o eixo fundamental da economia em um Estado Democrático de Direito repousa sobre o capital e o trabalho.

Como o capital é o polo privilegiado desta relação desigual, desequilibrada, fundada em uma relação de poder e dominação, e fulcrada em contrato de adesão, em que a exceção é representada pelos trabalhadores do conhecimento e da informação, que estão no ápice da pirâmide do mercado de trabalho, é lógico que qualquer alteração nas regras do jogo da terceirização irá provocar a resistência típica das pessoas, que se opõem geralmente a qualquer tipo de novidade.

Isto não é novo na história da própria evolução do trabalho, desde sua gênese, com os casos conhecidos na Inglaterra, da revolução dos ludistas, que arremessavam seus tamancos nas máquinas ou teares de produção de tecidos, com o propósito de manifestar seu inconformismo diante da precarização das condições laborais e da substituição do trabalho humano por novas máquinas e tecnologias mais modernas.

Idêntico movimento surgiu com o advento do ipad e dos smartphones, que levou grande parte da indústria e imprensa escrita a prever o fim dos livros e jornais impressos, o que, logicamente a viva vista não aconteceu.

Porém, a criação de uma nova lei de terceirização, por envolver pessoas, especialmente as mais vulneráveis, não pode afastar conquistas de anos de luta, alcançados com suor e lágrima na luta sindical, no debate acadêmico e na construção da jurisprudência de nossos Tribunais.

Pelo contrário, deve se compatibilizar e ser escrita à luz do poder político máximo que representa a Constituição Federal, em um Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, não faz sentido que esta nova Lei não leve em consideração os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade, da proporcionalidade, da razoabilidade, da função social do contrato, da propriedade e do meio ambiente.

Para analisar a compatibilidade e a adequação desta nova Lei da Terceirização com os princípios  citados e as conquistas alcançadas pelos trabalhadores e já incorporadas ao seu patrimônio jurídico é que optamos por fazer um paralelo entre o Projeto de Lei n. 4302/98, aprovado na Câmara dos Deputados e o Projeto de Lei de Terceirização que tramita no Senado Federal, o PLC 30/2015, e que poderá também ser votado nas próximas semanas.

III. ATIVIDADE FIM E ATIVIDADE MEIO

Este é o tópico mais importante de toda a discussão, o cerne da questão, pois sobre ele repousa o que efetivamente está por trás do PL 4302/98:  regulamentar a terceirização,    veladamente dar um cheque em branco ao empresariado ou  abrir uma porteira a uma terceirização desenfreada e sem amarras.

O projeto da Câmara dos Deputados permite a terceirização ilimitada, irrestrita, sem qualquer regulamentação,  ou seja, em todas as atividades da empresa, da mesma forma que o projeto em trâmite no Senado Federal.

IV. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA/SOLIDÁRIA

O projeto aprovado na Câmara prevê que a empresa contratante (tomadora dos serviços) tenha responsabilidade subsidiária, caso a empresa de locação de mão de obra falhe no pagamento das verbas salariais e consectários legais. Em outras palavras, o trabalhador somente poderá acessar a Justiça do Trabalho após o esgotamento das tentativas de cobrança da empresa terceirizada ou de locação de mão de obra.

O projeto sobre terceirização que se encontra em tramitação no Senado Federal neste ponto é mais razoável do que o aprovado na Câmara, pois estabelece a responsabilidade “solidária”, caso a empresa contratante não fiscalize os pagamentos aos empregados pela empresa terceirizada. Neste caso, ao invés do exaurimento das tentativas de cobrança por parte do empregado à empresa terceirizada, o trabalhador poderá, de plano, uma vez verificada a inadimplência de suas verbas, colocar no polo passivo da reclamação trabalhista não apenas a empresa terceirizada, como também o tomador de serviços, ou seja, a empresa contratante.

Podemos dizer que isto é o que atualmente acontece no curso de uma relação terceirizada, pois na grande maioria das lides trabalhistas em trâmite nos nossos Tribunais, o autor, ou reclamante terceirizado, ajuíza sua ação não apenas em face da empresa terceirizada, como também da empresa contratante (tomadora dos serviços), colocando ambas no polo passivo da ação, com o pleito de responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços.

Se não houver uma fiscalização efetiva por parte da empresa tomadora, inclusive com a retenção de valores do contrato para fins de pagamento de salários, contribuições e consectários, a tomadora dos serviços será condenada, subsidiariamente, nos exatos termos do que preconiza a Súmula n. 331 do Colendo TST.

V. VÍNCULO EMPREGATÍCIO/RETENÇÃO DE VALORES

O projeto aprovado na Câmara dos Deputados não apresenta qualquer garantia aos trabalhadores quanto à formação do vínculo diretamente com a empresa tomadora dos serviços.

No entanto, o projeto em trâmite no Senado Federal, apresenta uma novidade, no sentido de que embora não haja vínculo empregatício entre a empresa contratante e os terceirizados, 4% do valor do contrato de prestação de serviços deverá ser retido, como garantia, para cumprimento das exigências trabalhistas e previdências daqueles trabalhadores.

É inegável que esta proposta que tramita no Senado Federal vai ao encontro a uma maior segurança ao trabalhador, evitando maior precarização nesta relação de trabalho.

VI. SUBSTITUIÇÃO DE EMPRESAS TERCEIRIZADAS

Embora o projeto aprovado na Câmara dos Deputados não faça qualquer alusão a este tema recorrente na seara laboral, o projeto em trâmite no Senado Federal determina que, em caso de substituição da empresa prestadora dos serviços terceirizados, com admissão dos empregados da antiga contratada, os salários do contrato anterior deverão ser preservados.

Certamente, mais uma vez, o projeto do Senado Federal se apresenta mais adequado na  proteção aos trabalhadores terceirizados, pois é notória e frequente a ocorrência desta troca ou substituição de empresas terceirizadas, especialmente no setor público, em serviços de vigilância, segurança, alimentação, limpeza, nas quais as empresas de terceirização são derrotadas em licitações públicas por outras concorrentes.

Nestes casos, invariavelmente, os trabalhadores ficam à deriva, totalmente desprotegidos, sem emprego, desprovidos de salários e de verbas rescisórias. No mais das vezes,  são obrigados a abrir mão dos 40% do FGTS para obter o novo empregado na empresa sucessória, que venceu a licitação. Em outras palavras, abrem mão de seus direitos para se manterem  no mesmo posto de trabalho que já ocupavam.

VII. VALE ALIMENTAÇÃO E VALE TRANSPORTE/ETC

O projeto aprovado na Câmara dos Deputados não trata desta matéria, ao contrário do projeto do Senado, que prevê que o trabalhador terceirizado terá acesso a restaurantes, transporte e atendimento ambulatorial oferecido pela contratante aos seus próprios empregados, quando e enquanto os serviços forem executados na dependência do contratante.

O projeto do Senado Federal, na verdade, no tópico, atende ao que hoje é decidido nos Tribunais do Trabalho, com fulcro no princípio da dignidade humana (art. 1º., I, CF/88), no valor social do trabalho (art. 1., IV, da CF/88), e no princípio da igualdade (salário equitativo), que deve prevalecer nas relações laborais na empresa.

Caso contrário, o terceirizado seria visto e tratado como um trabalhador de segunda categoria, um trabalhador abstrato, invisível, sem identidade própria,  ferindo de morte o princípio constitucional da igualdade, insculpido no art. 5º., I, da Constituição Federal.

VIII. FILIAÇÃO SINDICAL

Enquanto o projeto aprovado na Câmara dos Deputados prevê livre filiação sindical, o projeto do Senado Federal dispõe que os empregados da empresa terceirizada serão representados pelo mesmo sindicato, quando o contrato envolver empresas da mesma categoria, garantindo os respectivos acordos e convenções coletivas de trabalho.

Novamente, não há qualquer dúvida que o projeto do Senado Federal, no tema, é mais abrangente e procura evitar precarização na relação laboral.

Nada mais lógico que empregados que trabalhem, lado a lado, no mesmo ambiente laboral sejam defendidos, em seus direitos,  pelo mesmo sindicato profissional, que conhece suas peculiaridades, diferenças, bem como similitudes, estando desta forma, mais apto a defender o conjunto da classe trabalhadora, independente de estar constituída por trabalhadores próprios ou terceirizados.  Todos são representados igualmente.

É exatamente isto que ocorre em países de economia avançada, como os Estados Unidos da América do Norte, onde prevalece a mais ampla democracia sindical, com o papel relevante do sindicato por empresa, em que os próprios trabalhadores podem obter a certificação[1] e a descertificação do sindicato obreiro, sempre por tempo determinado (2 ou 3 anos), e sob a tutela do BOARD – National Labour Relations Board (o Ministério Público norte americano), diversamente do sistema arcaico e superado de categorias, que vige no Brasil desde a CF/1937, oriundo da Carta Del Lavoro, de 1927.

O empregador distribui o terceirizado em inúmeras organizações empresariais, o que por si só já dificulta a aglutinação e a concentração típica  necessária para a discussão e reivindicação de seus direitos básicos.

Pelas próprias características do terceirizado, a aprovação de uma lei que não contemple o direito coletivo dos trabalhadores significa deixa-los à total deriva, desprotegidos e submetidos totalmente ao poder do capital desenfreado e ávido somente pelo aumento de seus lucros.

IX. SERVIÇOS ESPECIALIZADOS

Da mesma forma, enquanto o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados não faz qualquer alusão a este tema, o projeto em trâmite no Senado Federal determina que as empresas terceirizadas tenham especialização na área em que atuam, ou irão oferecer os serviços.

Sem dúvida, o projeto do Senado se apresenta mais adequado, pois a porteira aberta ou o cheque em branco dado ao empresariado pelo projeto da Câmara dos Deputados é, pelo menos em parte, abrandado, atenuado, mitigado pela exigência de que as empresas de locação de mão de obra sejam efetivamente especializadas, e não uma plêiade de cooperativas fraudulentas, organizações sociais,  OSCIPs ou toda sorte de empresas criadas para pura e simplesmente para  mercantilizar trabalhadores terceirizados.

X. ANÁLISE DOS PONTOS FORTES, FRACOS, VANTAGENS E DESVANTAGENS

Muito embora,  pela discussão acima podemos claramente visualizar a tendência pro-empresarial, não apenas do PL 4302/98, mas também do projeto do Senado Federal, optamos por apresentar uma análise,  para apormos nossa conclusão definitiva sobre o tema. Vejamos:

XI. VANTAGENS

Uma das principais vantagens nas mudanças das regras da terceirização, para os que a defendem, se é que existe, repousa  na permissão para atuar em todas as áreas, e não apenas em atividades-meio, como outrora, pois abriria a porta para  que as empresas brasileiras se beneficiem de elevados ganhos de produtividade das últimas décadas na gestão da organização empresarial e na área das tecnologias da informação, com a contratação de empresas especializadas,  já que a globalização permite a evolução das chamadas cadeias nacionais e internacionais de produção.

Outra vantagem do projeto seria gerar maior segurança jurídica para as empresas tomadoras de serviços, permitindo o surgimento de pequenas e médias empresas especializadas, gerando, destarte, maior produtividade à tomadora desses serviços, que se focará em seu core business.

No momento,  as empresas correm o risco de os Tribunais do Trabalho entenderem que a atividade desenvolvida pelo terceirizado integra a atividade fim da empresa (teoria dos fins da empresa), o que levará ao reconhecimento do vínculo diretamente com a empresa tomadora,  provocando a geração de custos adicionais.

Não se pode olvidar que uma nova lei, compatível com as conquistas trabalhistas e à luz dos princípios constitucionais,  certamente afastará a insegurança jurídica no que respeita à licitude da terceirização da atividade-fim da empresa, o que poderá provocar um aumento dos postos de trabalho ao estimular o crescimento de empresas especializadas.

XII. DESVANTAGENS

A aprovação do projeto poderá suscitar a redução de trabalhadores contratados com carteira assinada, da mesma forma, que a substituição de trabalhadores normais por terceirizados poderá provocar uma queda no nível geral de salários da economia, bem como um aumento na jornada de trabalho. É notório, por farta estatística,  que o terceirizado é menos remunerado que o trabalhador contratado diretamente pelo empresário.

Os sindicatos estão terminantemente contra ambos os projetos de terceirização, alegando que poderão provocar precarização, pejotização, aumento do desemprego, e substituição de pessoal formal por terceirizados, temporários e pessoas jurídicas.

Como as despesas com substituição de pessoal no Brasil são elevadas, devido aos consectários rescisórios e à multa de 40% do FGTS, cremos que a pejotização não deverá ser robustecida no Brasil, principalmente pelo fato de que a maioria das empresas estão operando atualmente próximas de seu break even (ponto de equilíbrio), ou no prejuízo, e sem fluxo de caixa suficiente para promover substituições.

Ademais, se a dispensa coletiva não for precedida de prévia negociação coletiva de trabalho com o sindicato profissional, poderá provocar a reintegração de todos os dispensados pela  atuação do Ministério Público do Trabalho e do Judiciário Trabalhista.

Entre as desvantagens, deverá ocorrer uma maior volatilidade do contrato de trabalho do terceirizado,  na medida em que ele geralmente permanece na mesma empresa tomadora por vários anos, sem evolução salarial, ligado a diferentes  empregadores. Neste tópico, deverá ocorrer uma maior precarização no trabalho, pois não é praxe ocorrer evolução na carreira, progressão salarial, ascensão profissional qualitativa e mesmo gozo de férias por parte do terceirizado.

A escolaridade média do trabalhador brasileiro que se situa em torno de seis a oito anos deverá permanecer ou decair levemente, com efeitos deletérios para a  própria economia do país, cujo padrão de renda já de longa data não evolui satisfatoriamente, pelo contrário, vem decrescendo em face da recessão dos dois últimos anos.

XIII. OPORTUNIDADES

A porteira aberta e a desregulamentação total proposta pela PL 4302/98 deverá estimular o desenvolvimento das micro ou pequenas empresas especializadas em determinados serviços ou produtos para  oferecer serviços às grandes empresas.

Como a economia brasileira passou por uma profunda recessão, de quase 9% nestes dois últimos anos, inegável que com a soltura das amarras proporcionada pelo PL 4302/98  poderá provocar, de início, alguma recuperação do emprego precarizado do terceirizado.

Certamente, deverá provocar o surgimento de inúmeras micro,  pequenas e médias empresas especializadas, que passarão a oferecer toda gama de produtos e especialmente serviços para outras empresas maiores, acelerando  a oferta de novas vagas no mercado de trabalho.

XIV. AMEAÇAS

A maior ameaça da terceirização na atividade-fim das empresas é que venha a provocar desemprego dos atuais empregados, para que empresa substitua,  por menor preço, trabalhadores nas mesmas funções.

O que pode também ocorrer é que a empresa, ao invés de seguir os preceitos originários da terceirização, ou seja, de utilizá-la para ter condições de focar em seu core-business, no qual detém o brain power, o savoir faire e os neurônios qualificados adequados,  passe a terceirizar todo tipo de atividade-fim, desvirtuando seu propósito genético, com o  objetivo de gerar ganhos de produtividade e redução de custos.

XV. CONCLUSÕES

Gostaríamos de iniciar esta conclusão com o enxerto do livro de Fábio Konder Comparato: “o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas. (…) Os direitos humanos de proteção do trabalhador são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e, por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores. Não é de admirar, assim, que a transformação radical das condições de produção do final do século XX, tornando cada vez mais dispensável a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo, tenha enfraquecido gravemente o respeito a esses direitos em quase todo o mundo[2]”.

Somos tributários de uma lei de terceirização que assegure, preserve e garanta direitos conquistados e incorporados ao patrimônio jurídico do trabalhador, e não de uma lei que deixe praticamente tudo em aberto, sem amarras, como propõe o PL 4302/98 da  Câmara dos Deputados.

Se é chegada a hora de o Brasil ter uma lei da terceirização, que esta venha a efetivamente cumprir seu papel político e social, não se constituindo em um cheque em branco ou uma porteira aberta, sem amarras,  para a consecução de ilícitos na seara laboral, estimulando ainda mais o volume das ações no Judiciário Trabalhista.

Na comparação dos projetos de lei, o PL 4302/98 da Câmara e o PLC 30/2015 do Senado Federal, não resta a menor dúvida que o projeto do Senado traz um mínimo de direitos que deverão ser preservados aos trabalhadores terceirizados.

Entretanto,  deixa ao largo o cerne da questão: a  atividade-fim.

O retrato do terceirizado atual no Brasil, objeto de toda esta discussão é o de: um trabalhador invisível, abstrato, sem identidade própria em seu ambiente laboral, sem plano de carreira, que não incorpora conhecimento técnico, que no quadro atual não tem condições de evoluir profissionalmente e  materialmente.

Diante deste quadro,  o PL 4302/98, aprovado na Câmara dos Deputados,  refoge ao mínimo do que se pode esperar de uma nova lei, pois não se compatibiliza com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do valor social do trabalho, da função social do contrato, da propriedade e do meio ambiente,  pois constituem direitos humanos fundamentais, que formam uma camada de direitos essenciais,  que já se incorporaram ao patrimônio jurídico dos trabalhadores brasileiros, como se fossem uma segunda natureza. Não há como retirá-los.

Permitir a aprovação do PL 4330 como proposto é reconhecer a mercantilização da pessoa humana, sua coisificação, total indiferença em relação aos mais pobres e desamparados, verdadeira afronta à dignidade da pessoa humana e outorga de um cheque em branco ao empresariado, uma verdadeira porteira aberta a todo tipo de ilicitude na seara da terceirização desenfreada, ilimitada, irrestrita,  produto de quem considera inútil a Justiça do Trabalho, que não deveria nem mesmo existir no Brasil.

Se a igualdade essencial da pessoa humana constitui o núcleo basilar  do conceito universal de direitos humanos, não obstante a verificação das  diferenças individuais, coletivas ou grupais, de ordem biológica, cultural e social, o projeto de Lei da Câmara cuida de por fim a esse postulado, na medida em que ataca,  desconstrói ou afasta o derradeiro bastião de proteção desta classe trabalhadora, construída ao longo de lutas e conquistas de várias décadas: a proibição da contratação ilimitada, irrestrita,  sem amarras  em todas e quaisquer atividades-fim.

Diante deste quadro, encerramos este trabalho, destacando a máxima de Sólon, legislador, orador, poeta e estrategista grego, que viveu no ano de 568 antes da era Cristã, para quem: “O Estado mais bem administrado era aquele no qual  as pessoas que não fossem ofendidas exigissem a reparação de uma injúria feita a outrem, como se eles mesmos a tivessem recebido’’, com o qual, cremos, Kant se inspirou para criar o imortal e contemporâneo princípio teleológico, de que o homem é um fim em si mesmo, jamais meio, ensejando o reconhecimento e imortalização do princípio da dignidade da pessoa humana.


[1] SANTOS, Enoque Ribeiro dos.  Fundamentos do direito coletivo do trabalho nos Estados Unidos, na União Europeia, no Mercosul e a experiência sindical brasileira.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.
[2] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. IX edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 66-67

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