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Decodificando o Código Civil (34): A disciplina das obrigações de dar coisa certa (parte 3)
Felipe Quintella
29/08/2017
Sabemos que os arts. 233 a 242 do Código Civil estabelecem a disciplina das obrigações de dar coisa certa, e que, pelo fato de a técnica legislativa ali empregada não ter sido a mais feliz, merece o assunto a respectiva decodificação.
Na Parte 1, tratamos dos arts. 233 e 234; na Parte 2, dos arts. 235, 236, 238, 239 e, por fim, a primeira parte do art. 240.
Hoje, prosseguiremos no assunto dos riscos da coisa, decodificando a segunda parte do art. 240.
1 RISCOS (cont.)
- Obrigações de restituir (cont.)
- b) Deterioração do objeto da prestação (cont.)
Em se tratando de obrigações de restituir, na hipótese de deterioração do objeto da prestação, com culpa do devedor, determina a parte final do art. 240 a aplicação do art. 239. Este, por sua vez, como vimos, estabelece a responsabilidade do devedor pelo equivalente, mais perdas e danos.
Ocorre que, por se tratar de obrigação de restituir, o fato de a coisa ter sido deteriorada por culpa do devedor não implica, necessariamente, perda do interesse do credor pela coisa. Por essa razão, não faz sentido conceder-se ao credor apenas o direito de reclamar o equivalente, mais perdas e danos, sem lhe facultar aceitar a coisa deteriorada, mais perdas e danos.
Vale lembrar que, por mais que se trate de normas dispositivas, quer dizer, que podem ser alteradas pela vontade dos sujeitos, tal alteração depende da vontade de ambos.
Destarte, a se aplicar o art. 239, conforme determina a parte final do art. 240, o devedor poderia, de má-fé, deteriorar a coisa para se tornar proprietário dela, visto que, por lei, o que poderia exigir o credor na hipótese seria o equivalente, mais perdas e danos, e não a própria coisa.
Por essa razão, a doutrina questionou a redação da parte final do art. 240, apontando erro material na remissão, e propôs soluções alternativas. Dificilmente se encontrará autor que simplesmente aplique o comando legal conforme redigido.
Na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, então, foi aprovado o Enunciado nº 15, com o seguinte conteúdo: “as disposições do art. 236 do novo Código Civil também são aplicáveis à hipótese do art. 240, in fine”.
Aplicando-se à hipótese o art. 236, e não o art. 239, chega-se à conclusão de que, deteriorada a coisa a ser restituída, com culpa do devedor, pode o credor optar por recebê-la coisa no estado em que se encontra, ou seu equivalente, e cobrar, em qualquer caso, perdas e danos.
Para ilustrar, imagine que Judith, por não ter tido o devido cuidado com o transporte, tenha causado o desprendimento da capa do exemplar do Curso Didático de Direito Civilque pegara emprestado de Rui. Nesse caso, por ter havido culpa de Judith, poderá Rui optar por exigir o equivalente, mais perdas e danos, ou receber o livro no estado em que se encontra, mais perdas e danos. Dentre exemplos possíveis de prejuízos indenizáveis, podemos pensar no valor sentimental do bem, devido a autógrafos dados pelos autores, ou pelo fato de ter sido o livro que Rui usou para estudar Direito Civil para o concurso da magistratura em que foi aprovado, assim como, na hipótese de o credor optar por receber o livro deteriorado, o valor material da desvalorização, ou do necessário conserto.
Para não exceder os limites desta coluna, concluiremos a decodificação na próxima semana, com o assunto dos cômodos — melhoramentos e acréscimos da coisa. Continue acompanhando!
Veja também:
- Decodificando o Código Civil (33): A disciplina das obrigações de dar coisa certa (parte 2)
- Decodificando o Código Civil (32): A disciplina das obrigações de dar coisa certa (parte 1)
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